Ensaio: Augusto dos Anjos.

ENSAIO - AUGUSTO DOS ANJOS

Amélia Luz

O propósito deste ensaio é analisar as diferenças entre o homem do nordeste que lá vive, o homem do nordeste que migra para o sul para livrar-se da miséria e o homem do sul ao conviver com tais diferenças culturais, diferenças essas de culturas não inferiores às suas mas de características diferenciadas, ricas, geradoras de grandes contribuições para o nosso patrimônio cultural. Entre lutas, vencendo preconceitos e sobressaindo o nordestino tem escrito a sua história nas artes em geral, na música, na literatura de cordel ou nos clássicos da literatura brasileira regional reconhecemos esses grandes valores. O homem do sertão é teimoso, insisti, crê esperando sempre, repentista, floresce esperançoso em seus caminhos de dor superando dificuldades.

Quando passo pelas ruas de pedra de São Paulo com reverência te olho, ó sertanejo, homem forte que num grito de verdade fita-me angustiado, com o olho magro da distância no balanço de uma sociedade desigual dominada pelo peso da injustiça.

Converso contigo, combatente anônimo da miséria. Eu, Paraíba do Sul abastança, tu, Paraíba do Norte na adversidade do agreste!

Nossas águas distantes se misturam à dor dos nossos corações brasileiros, tais e iguais, a baterem num só ritmo de companheirismo. Apelo pois, a ti, paraibano corajoso:

- Sobe o pico da Serra do Teixeira e do alto do Jabre grita para todo o Brasil a grandeza da tua alma na riqueza da tua história.

Fala da cana de açúcar, do Senhor de Engenho, da Casa Grande, do trabalho escravo, das mulheres sensuais das úmidas senzalas. Fala das fazendas, do tanger do gado, dos vaqueiros audazes, da caatinga, da sorte e da morte traiçoeira!

Fala do mandacaru, da mandioca, da carne de sol, da rapadura trazida no fundo da algibeira. Fala com orgulho das lutas pela independência e mostra com amor que mesmo na lida da estiagem a forte Paraíba é equilibrada e destemida. Conta o Quebra-Quilos a força do povo gritando contra a fome e a pobreza num gesto nobre de protesto e resistência conta o aumento cruel dos impostos e o descaso das cegas autoridades! E tu, “paraibano-paulista”, “paraíba sulista” mesmo marginalizado, não negas o teu riso, a tua raça, o teu recado, a tua viola, o teu lamento e o cantar dolente da tua trova repentista.

Que podes tu me dizer nesse asfalto cinzento pois a tua verdadeira vida na terra natal enterraste? Além das tristezas da seca que te afeta o solo conta em cordel as bravatas da tua alma sertaneja. Relembra Lampião, Corisco, Diabo Louro, Volta Seca, Dadá, Isaura e Maria Bonita, mostra o teu cartão postal, rico de tantas belezas.

Os coqueirais, as praias ensolaradas, as areias brancas, o barroco retratado nas fachadas dos teus conventos e igrejas. Fala da Festa de São João, onde todo o sertão ao som das modinhas de sanfona dança o forró de pé de serra no compasso manso que inebria e tonteia. Canta comigo em harmonia a “Asa Branca”, esse perfeito hino nacional que supera diferenças.

Reza comigo as ladainhas das romarias do Padim Ciço ou venera o caráter justiceiro de Antônio Conselheiro no episódio cruel de Canudos, inocentes tombados à sombra das divergências entre o Império que se despedia e a República que surgia.

Segue comigo as pegadas do Vale dos Dinossauros, passado cravado e presente na natureza. Ergue-te altivo rumo ao sonhado progresso! A história cunhada ali na escrita pictórica que o tempo não apaga ou destrói mostra as tuas raízes profundas.

Fala paraibano do mormaço, fala da seca, dos sofrimentos, do balanço manso das redes ao som da força das marés incansáveis sob os coqueirais.

Fala das casas de taipa, dos banhos de gamela, das terras, dos matagais e dos manguesais do litoral. Fala da tua poesia no segredo da alma sensível. Recita em alta voz o teu verso que ainda ressoa pelas feiras, praças, ruas e becos de João Pessoa. É augusto, teu mais nobre filho do berço do Engenho de Pau-d’Arco. Augusto, o anjo dos anjos de sinhás e mocinhas. Poeta Augusto dos Anjos de professor provinciano aos salões da “belle époque” em grandes mudanças. Deixou a Paraíba, casado com Ester Fialho veio para o Rio de Janeiro seguindo o rumo de tantos, tentar a sorte no “sul”. Inconformado com a sua situação, “bacharel depenado” se apelidou. Seu livro EU, malcriado e de mau gosto não muito agradou à crítica na época, acostumada à elegância dos parnasianos.

Citamos aqui um exemplo de um homem do nordeste que vem para o “sul” trilhar caminhos desconhecidos, arrombar portas literárias e se impor pela originalidade dos seus versos.

Do fundo do seu viver registrou em versos tristes, cantou a morte fogo sagrado na chama eternizada da sua obra, nas crenças e descrenças de um poeta-só, isolado nas muralhas dos seus próprios sentimentos. O Magistério foi o seu caminho, nomeado diretor de um grupo escolar em Leopoldina/MG mudar-se-ia para lá o que demorou bem pouco tempo vindo a falecer vítima de gripe que se complica num quadro de pneumonia.

Sepultado em Leopoldina/Minas Gerais/Zona da Mata, visito habitualmente o seu túmulo e dialogo em silêncio com ele tentando entender as tantas mágoas e tristezas vividas por aquele sensível coração de poeta que deixou em seus poemas estranha linguagem familiarizado com a ciência em voga, especialmente as doutrinas de Ernest Haeckel, de quem sofre grande influência.

Monólogo de uma Sombra

“Sou uma sombra! Venho de outras eras,

Do cosmopolitismo das moneras...

Polipo de recôndidas reentrâncias,

Larva do caos telúrico, procedo

Da escuridão do cósmico segredo,

Da substância de todas as substâncias!”

Como sombras nas grandes cidades brasileiras os nordestinos são vistos com muito preconceito e rejeição. Temos sempre que nos ater que de lá encontramos talentos múltiplos e sensibilidade, intelectualidade, erudição e cultura popular que nos emociona pela saga desse povo sonhador e de muita fé: “o nordestino é um forte”. (Euclides da Cunha).