A MORTE

A Morte é uma impossibilidade que, de repente, se torna realidade. (Goethe)

Desde que li a crônica de M. Gerson sobre seu medo da morte que senti vontade de conversar com o mesmo sobre isso, primeiro o convidei para assistir um trabalho que apresentei na Semana de Filosofia que tratava discretamente sobre o assunto e como sempre gostei do assunto resolvi escrever sobre esse fascinante mundo desconhecido. Nunca tive medo da morte.

Ainda menina gostava de brincar de morrer, adorava “matar” minhas bonecas, fazer um belo funeral e vestir os “parentes” de negro, gostava daquele ritual fúnebre, real ou por mim inventado. Adorava ir a velórios, gostava de ficar observando as pessoas, seus rostos, tentando decifrar o significado, as mensagens contidas em cada olhar, nos rostos tristes, nostálgicos, indiferentes, pesarosos, distantes, e até alegres.

Outra coisa que me chamava atenção era o choro, tem para todos os gostos, os contidos, os silenciosos, os escandalosos (desses eu fujo, apesar de respeitar), os reservados, os disfarçados; há uma beleza quase sagrada na tristeza! Não, não sou uma pessoa triste, aliás, sou conhecida por minha alegria, minhas risadas, meu jeito festeiro de ser e viver.

Adoro a vida, mas a morte sempre me fascinou. Mas não tenho pressa nenhuma em morrer, apenas gosto de ler, escrever, divagar sobre o tema, o chato é que para morrer, precisamos nos despedir da vida e como Mário Quintana eu me questiono: "Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver." A vida é tão boa! Não tenho pressa nenhuma em ir embora!

A morte sempre nos lembra dor, saudade, perda, talvez por isso assuste a tantos, não gostamos de perder, de dizer adeus, e a morte é onde mora a saudade. Cecília Meireles dizia algo parecido: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto...”

Sempre pensamos na morte, como fim da vida biológica, morte do corpo, entretanto acredito que a vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanamente vivos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria, enquanto há vontade, desejo, poder de decidir. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca vazia, sepulcro de uma alma morta. Considero os recursos artificiais usados para manter vivo um paciente, como uma violência ao princípio da vida com dignidade.

Acredito que estar vivo é ter a possibilidade de sorrir, chorar, sofrer, entusiasmar-se, claro que há uma grande discussão ética, moral e religiosa sobre isso e não vou aqui discutir este tão apaixonante e problemático tema – o direito de querer partir quando já não há vida em nossa alma. Mas creio que se pudéssemos ouvir a voz da vida nos corpos inertes que os abriga, talvez ouvíssemos um suave - "Deixe-me ir".

As escrituras sagradas dizem: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer". A morte e a vida não são contrárias. É parte intrínseca da natureza humana, uma não existe sem a outra. A vida exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Li uma crônica de R. Alves sobre a morte onde ele sugere uma nova especialidade médica: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Segundo ele a padroeira para essa nova especialidade seria a "Pietà" de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo. Seria o reverso da obstetrícia, quando cuidamos da chegada da vida.

A morte, sem dúvida, também é um tema, objeto de pesquisas e preocupações. Negá-la como fato é difícil. Admitir as perplexidades que a cercam é quase uma virtude, principalmente amparada pelo equilíbrio mental. Querer fugir à realidade de que ela assusta, é arriscado intelectualmente.

Este é um tema instigante e que está sempre por perto, convidativo, mas sempre misterioso, assim como se pouco sabida, pouco entendida e pouco explicada. Daí ter me inclinado a ler, pesquisar e tentar entende-la, se é que isso é possível.

Gosto da forma como os poetas falam dela, como sempre, falam bonito das coisas. Adivinham, têm olhos cismadores, fantasiam, acalmam, afastam o medo e a depressão. Eurípedes, o trágico poeta grego, já refletia indeciso por volta de 480 a.C.:”Morrer deve ser como não haver nascido//e a morte talvez seja melhor até que a vida//

de dor e mágoas, pois não sofre//quem não tem a sensação dos males”.

O poeta português, Fernando Pessoa considerava a morte um "enigma" e falou disso em seus versos: “O que é a vida e o que é a morte//Ninguém sabe ou saberá//Aqui onde a vida e a sorte//Movem as cousas que há//Mas, seja o que for o enigma//De haver qualquer cousa aqui//Terá de mim o próprio estigma// Da sombra em que eu vivi”.

Omar Khayyam falou da morte com restrição até à vida. “Não temo a morte: prefiro //esse fato inelutável //ao outro que me foi imposto//no dia do meu nascimento.// Que é a vida?//Um bem que me confiaram//sem me consultar e que restituirei com indiferença”.

Publicada no: http://www.gazetadooeste.com.br/::Expressão /Crônica da Semana

Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 21/10/2007
Reeditado em 24/11/2009
Código do texto: T703530
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