Considerações Sobre a Moral

ou “Do Maniqueísmo Moral e da Moral da Aceitação”

I

11/07/19

Você já se perguntou porquê certas coisas que nos fazem mal são consideradas boas coisas ou coisas morais enquanto certas coisas que nos fazem bem são consideradas coisas más ou imorais?

A moral é um construto social, e antecede o indivíduo. É uma realidade pré-existente e um dos principais componentes da consciência coletiva, antes mesmo que nasça o dito indivíduo a moral já existe e está lá para moldar certas características do indivíduo. Dizem que a ética é um construto individual, que o indivíduo cria a sua própria ética enquanto a moral é coletiva. A ética na verdade é um subproduto da moral, algo que acaba tornando-se próprio da cultura da sociedade e dificilmente um indivíduo irá contra os preceitos éticos e morais de sua sociedade visto que a maioria das pessoas aceita esses preceitos sem titubear. O dito indivíduo que questiona a moral de sua sociedade muitas vezes é o que chamam de “imoral” ou “anti-ético” aquele que não atende ou não corresponde às exigências morais que a sociedade tem para com o indivíduo, e claro, estando a moral associada aos conceitos de bem e mal, o indivíduo moral(ou ético) - aquele que atende aos preceitos morais da sociedade - é visto como bom, e o indivíduo imoral(ou anti-ético), do qual eu já falei, é considerado como mal. E a pergunta que este ensaio procura levantar é: O que a sociedade considerada como imoral é realmente algo ruim? O que a mesma considera como moral é realmente bom? Por que as pessoas não questionam a moral? O que é uma moral ideal e uma moral prática?

Pois bem, não é necessária nenhuma análise profunda na moral de nossa sociedade para que percebamos que muitas coisas constituintes daquilo o que consideramos certo ou errado é simplesmente infundado, um preconceito desnecessário, mantida pela moral do rebanho. Este que simplesmente aceita o conceito de bem que lhe antecede como bem(ou moral) e o conceito de mal que lhe antecede como mal(ou imoral). É comum chamarmos estas coisas de tabus, como o sexo por exemplo, que para muitos, das mais diversas idades é um tabu. Existem diversas coisas que são tabus em nossa sociedade, o gênero, o sexo, as drogas, o corpo, a falta de religião, a opção sexual… A sociedade tem um molde moral que quer que sigamos, e qualquer desvio desse padrão moral é considerado uma imoralidade, algo ruim, feio, que a sociedade em sua maioria vai desprezar, estranhar, ter preconceito, e muitas vezes esse desprezo, esse preconceito é algo, como eu já disse, infundado. Por que, por exemplo, as pessoas agem com preconceito, desprezo e estranhamento quando uma garota faz sexo, quando ela corta o cabelo curto ou não se importa muito em depilar as pernas? A nossa cultura apresenta uma moral patriarcal e judaico-cristã, a santificação da mulher e os ideais “transcendentes” de beleza fizeram da mulher esse construto que conhecemos agora, e qualquer coisa que fuja à regra desse conceito de mulher que construímos é, para a consciência coletiva, imoral. Mas, como aponta Lacan, a mulher não existe. Isso é, essa mulher não existe. Nós(a sociedade) construímos e mantemos esse conceito, nós criamos essa mulher. A mulher não criou a si mesma, a mulher não decidiu chamar-se mulher, o conceito de mulher antecede a mulher, e o indivíduo do sexo feminino é vítima do construto social a que chamamos Mulher, e viverá uma vida agindo como esse conceito que lhe antecede. Como aponta Simone de Beauvoir: Não se nasce mulher, torna-se mulher.

Esse é um exemplo claro e perceptível de que existem conceitos infundados em nossa moral, e que devemos questionar aquilo o que a sociedade tem como moral, pois, assim como o conceito de mulher, todos os conceitos de certo e errado que englobam a moral nos antecedem, de modo que é o indivíduo deveria dizer para si mesmo o que lhe é certo ou errado.

II

Como vimos em ensaios anteriores, sabemos que o Homem tem uma volição ao prazer, uma tendência a buscar aquilo o que lhe satisfaz. O Homem quer o máximo de prazer no menor lapso de tempo, e se o Homem tem alguma Natureza então esta Natureza é a natureza do prazer. Em nossa sociedade existem prazeres considerados imorais, porém acabam tornando-se prazeres inevitáveis.

Não é meu intuito fazer nenhuma genealogia da moral aqui, mas sabemos que a moral a qual constitui a nossa sociedade(a moral judaico-cristã) é a moral da subversão das virtudes, ela transvalorizou a virtude dos fortes para que os fracos também tivessem virtudes. Ela subverteu a natureza humana, tudo o que o humano busca, seja consciente ou inconscientemente é o prazer, o ser-humano é hedonista por natureza, porém essa moral, que nos antecede, quer que neguemos nossa natureza e nos tornemos inimigos do prazer. De modo que, aquilo o que é moral é aquilo o que distoa do prazer, enquanto o prazer torna-se algo imoral. Negar o prazer é negar a si mesmo. E é isso o que essa moral quer, a negação do homem para a aceitação do divino. [Consultar os livros “Genealogia da Moral” e “Além do Bem e do Mal”].

É possível perceber em nossa sociedade um maniqueísmo moral, uma dicotomia clara e simples entre bem e mal, sendo o bem o moral e os prazeres morais e o mal o imoral e os prazeres ditos como imorais. O indivíduo procura realizar aquilo o que a moral tem como bom, e se distanciar daquilo o que a moral tem como mal. O prazer nessa sociedade é, muitas vezes visto como algo ruim, pecados propriamente ditos, e qualquer pessoa que procure ou realize um prazer para além dos prazeres morais é um imoral, um desviado, alguém pecaminoso(adjetivo muitas vezes utilizado para designar alguém “mal”). Porém, o ser-humano procura o prazer, deseja-o, e como dito, o prazer é muitas vezes inevitável, e o proibicionismo torna o prazer algo ainda mais desejável[Consultar o ensaio “Dos tipos de Satisfação”], e, ora ou outra o indivíduo acaba rendendo-se à volição natural do prazer, e realiza o dito prazer imoral, porém como sabemos, a sociedade quer que sigamos os padrões morais impostos, e que sejamos moralmente bons, e para uma pessoa que quer ser moralmente boa a realização de um prazer imoral é algo do qual ela deve afastar-se, e, tendo-o realizado, arrepender-se, porém, o arrependimento quando se trata de um prazer é algo muitas vezes inconcebível, quando se trata de um prazer, o indivíduo não consegue se arrepender. O prazer é bom, e gostamos do prazer, então como posso eu me arrepender de algo que gosto e que me faz bem? Simplesmente não posso, mas pela moral que me antecede sou forçado a fazê-lo, porém esse arrependimento da qual forcei-me a fazê-lo não é um arrependimento sincero, e a volição a cometer o prazer imoral continua em mim, apesar de minha moral antecedente(ou moral de rebanho) tentar impedir que eu o faça novamente.

O ADE do indivíduo está em conflito, sua moral-coletiva o proíbe de certas coisas, tem certas coisas como ruins, mas o indivíduo, ao provar dessas coisas ditas como ruins, gosta, e as têm como boas e desejáveis, e aí está o conflito, a moral coletiva entra em conflito com a moral individual. E isso resulta principalmente em duas coisas: O indivíduo imoral e o individuo hipócrita. Como já dito anteriormente, o indivíduo imoral é aquele que questiona a moral vigente e não aceita os padrões morais que lhes foram impostos, e realiza muitas das coisas ditas como imorais. Enquanto o indivíduo hipócrita é aquele que simplesmente não aceita a sua imoralidade e finge que ela não existe, escondendo assim os seus feitios imorais e cultivando a falsa imagem de alguém bom e moral. Não é muito difícil de identificar o indivíduo hipócrita, muitas vezes ele é aquele que mais fala de moral, de ética, de disciplina e de comportamento, isso porque, pela transvaloração dos valores ele tenta compensar suas falhas morais com a imagem que cria de si de alguém moral, procura dar-se como exemplar para tentar fugir do fato de ele é alguém imoral e de cometer imoralidades como quaisquer outras pessoas. O indivíduo que mais reclama dos prazeres imorais, o que mais condena e mais despreza é na verdade o indivíduo que mais sente prazer e mais deseja os prazeres imorais. Porém é levado a reprimir os seus prazeres pela moral-coletiva e torna-se esse indesejado poço de hipocrisia.

O maniqueísmo moral gera também uma angústia moral, quando o indivíduo procurando o bem comete um prazer imoral e não consegue se arrepender totalmente acaba decaindo na angústia de ver-se como imoral, de ver-se como desviado e pecaminoso.

III

O fato é que, somos todos imorais. Todos desejamos o prazer e temos essa volição a querer sentir o prazer e todos gostamos do prazer. Então os prazeres não deveriam ser vistos como coisas ruins, como imoralidades propriamente ditas, afinal, gostamos do prazer, queremos o prazer, então por que proibi-los? Por que angustiar-se por sentir prazer? Por que procurar afastar-se das coisas que gostamos? Essa moral é uma moral que não faz sentido, simplesmente tenta afastar o indivíduo daquilo o que lhe faz bem é procura pôr máscaras nos indivíduos, faz com que os indivíduos neguem a si mesmos e vivam como máscaras. A moral do bom é uma moral má, é uma moral ruim, a moral do bom é a moral da hipocrisia, das máscaras. E nessa moral louca, somos imorais mascarados.

Em concordância com Carl Jung temos que a nossa imagem social, a nossa moralidade, funciona quase que como um espetáculo, no palco mostramos aquilo o que o público quer ver, no palco(na nossa vida e no nosso cotidiano) fazemos o nosso teatro moral, mas e nos bastidores, e nas sombras do nosso teatro, do nosso fingimento? Nas sombras estão tudo aquilo o que consideramos imoral e que não podemos mostrar para o nosso público, tudo aquilo o que nos envergonhamos de ter feito(e a vergonha muitas vezes não está no fato de ter feito, mas sim no fato de termos gostado de ter feito). E todo indivíduo tem essa sombra, essa imoralidade, e essa sombra é indissociável do indivíduo, claro pois, um indivíduo sem sombra é um indivíduo sem substância. E querer fugir ou negar a nossa substância é fugir e negar a completude de nós mesmos, negar a sombra é abraçar a hipocrisia, e aceitar a sombra é aceitar a si mesmo, e a liberdade de ser quem somos. A nossa moral é a moral da negação de nós mesmos, é a moral da dicotomia, da negação da sombra e criação da máscara. Mas por que não podemos aceitar a sombra? Ora, se podemos apreciar a manhã ensolarada que existe em nós, então por que não apreciar também a nossa noite de luar? Por que não agir não segundo uma moral negacionista e segregadora, segundo essa moral de Enten-Ellen(isto ou aquilo) mas sim agir segundo uma moral dies UND das(isto E aquilo)?

Devemos aceitar a imoralidade e não simplesmente fingir que é possível viver uma vida de negação de si mesmo e dos prazeres, “torna-te quem tu és” disse Nietzsche, e o primeiro passo para nos tornarmos nós mesmos, isso é, o primeiro passo para que possamos agir segundo a completude do nosso ser é a aceitação de nossa sombra. Precisamos de uma moral da aceitação, uma moral libertadora, uma moral genuína, da qual não precisamos de máscaras. Imagine: poder ser você mesmo sem medo de julgos e de preconceitos?

A nossa moral é uma moral louca, ensandecida e infundada e precisa ser superada, precisamos de uma nova transvaloração dos valores, e, não necessariamente pensarmos em uma moral amoral, isto é, uma moral para além do bem e do mal, mas sim uma moral MELHOR do que o bem e o mal. Devemos parar de agir como se fôssemos totalmente bons ou totalmente maus, e perceber que somos, ao mesmo tempo, isto e aquilo, bons E maus.

A moral que vemos na sociedade é uma moral idealizada, uma moral onde o bem absoluto é uma possibilidade e nós sabemos que o bem absoluto é simplesmente impossível, a moral idealiza esse bem que na verdade não existe plenamente de modo que precisamos não dessa moral falha, mas de uma moral que condiga com a realidade de nossa natureza, uma moral prática. A sociedade pensa o indivíduo em seu coletivo e nega a liberdade do indivíduo em nome do agir e da moral coletiva. Deve-se pensar no indivíduo a partir de sua individualidade e de sua liberdade.

Não podemos criar valores universais a não ser que eles sejam, de fato, universais.

IV

Ressalto que aqui não se visa nenhum anarquismo moral ou a subvertência da ética e da moral como tal, matar, roubar, estuprar em todas as hipóteses são ações execráveis e condenáveis, o que aqui é atacado é a face negacionista e idealizadora que a moral vigente apresenta.

A moral prática, ao contrário da moral vigente e ideal, seria a moral da aceitação, a moral onde o indivíduo aceita a existência da própria sombra, e claro, aceita a sombra do outro. O único bem e a única moralidade para o indivíduo é seu prazer, sua satisfação e sua infelicidade, e o único mal, a única imoralidade para o indivíduo seria os desprazer, a insatisfação e a tristeza do indivíduo. Precisamos não de uma moral que nos faça nos envergonhamos de nós mesmos, mas sim de uma moral libertadora, onde nós possamos ser nós mesmos sem o medo do julgo e do pré-conceito. É claro que deve-ser pensar o Eu como um Ser-em-Sociedade, e de tal forma, a alteridade deve ser um princípio fundamental da concreção do sujeito enquanto Indivíduo ou Eu-Social, e portanto o respeito à liberdade e individualidade deve ser uma máxima ética para a concreção dessa moral da aceitação e da liberdade.

Sobre os prazeres e sobre a moral da aceitação de si mesmo, pense o seguinte: Se te faz bem, e não faz mal a ninguém, então que mal faz?

Raul Brasil
Enviado por Raul Brasil em 14/03/2020
Código do texto: T6887731
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