VIOLÊNCIA DOMÉSTICA,
UM SILÊNCIO QUE PRECISA SER QUEBRADO.

 


               A violência doméstica é, em alguns casos,  muito sutil, e apesar das marcas que deixa em suas vítimas é difícil denunciá-la, pois não deixa hematomas, fissuras ou vergões, deixa a pele limpa, mas abre uma grande ferida no coração machucado, no orgulho ferido, nos sonhos desfeitos, na alma prisioneira, mas é uma prisão onde as grades não podem ser vistas, onde não há ataduras, nem algemas nas mãos.

               Os grilhões estão escondidos e os carrascos muitas vezes apresentam-se como gentis senhores; as chaves para sair deste inferno só as vítimas possuem, mas o assalto que é feito em seus pensamentos, o estupro da individualidade e a violação da intimidade, não visíveis aos olhos dos passantes, sobem as muralhas deste fosso que cresce de forma acelerada e requintada.

               As mulheres, mutiladas em sua dignidade, na maioria dos casos não têm coragem de denunciar a intimidação, a coação a ameaça velada que garante a supremacia de macho, mas não assegura o lugar de homem nos corações feridos. O medo, a vergonha e em alguns casos a falta de informação as impedem de buscar apoio e são obrigadas a conviver com este ato canalha e boçal que não deixa pistas visíveis, mas deixa no olhar do agressor um brilho sarcástico de quem se reconhece dono da situação.

               Amedrontadas e aprisionadas ao medo, estas mulheres fragilizadas, vêem seus agressores como perpetuadores da espécie, senhores, amos e soberanos, enquanto sacramentam os direitos sempre sagrados de seus companheiros e pedem consentimento para ir e vir. Estupradas em seu direito de pensar e decidir, aceitam que sua liberdade seja considerada um ato de rebeldia. E assim a violência sussurrada atrás da porta, em doses pensadas e meticulosamente estudadas, torna-se arma contra mulheres inseguras, frágeis e infelizes.

               Mas, além dessa violência velada há também a violência física, as agressões corporais com lesões, hematomas e sangramentos, gritadas nas ruas e em casa, mulheres que sentem não apenas na alma, mas no próprio corpo a força atroz de seus agressores, o açoite covarde daquele que um dia prometeu-lhe amor e proteção, a mão assassina que um dia lhe fez carinho, lhe deu afeto.

               Mesmo assim algumas ainda negam, afirmam ter caído, tropeçado em alguma coisa; muitas vezes não percebem que estão tropeçando em sua própria dignidade, estão jogando pela janela a oportunidade de livrarem-se de uma vida de tortura. Não percebem que o seu silêncio é o grande aliado de seus agressores, que protegidos pelo medo de suas companheiras continuam agindo de maneira sórdida e doentia, destruindo o que poderia ser um lar, uma família.

               Não quero aqui discutir os mil e um motivos que levam as vítimas da violência doméstica a calar diante da agressão sofrida, guardar em silêncio o grito de dor que carrega em seu peito. Por mais estranho que possa parecer, as que assim agem acreditam ter motivos para isso, se são ou não justificáveis é outra história. O que pretendo é lembrar um gesto heróico de uma mulher que tornou pública a sua dor e fez de sua voz um grito de alerta, um pedido de socorro, um forte e retumbante clamor contra todo tipo de violência doméstica.

               A história de MARIA DA PENHA poderia ser apenas a história de mais uma Maria, como tantas outras marias, mas ela a fez diferente; num ato de coragem, nascido da dor, do sofrimento, do desejo de continuar viva, rompeu com os grilhões da violência da qual era vítima e além de denunciar os atos de violência que a deixou paraplégica, lutou incansavelmente para colocá-lo na cadeia e fazê-lo pagar por seus crimes. 

               Ao expor ao mundo a sua ferida, Maria da Penha colocou em evidência uma grande chaga social - a violência doméstica. O seu ato de coragem rompeu o silêncio conivente, medroso e muitas vezes covarde que envolve este mundo de dor e terrorismo vivido por muitas mulheres em todas as camadas sociais e deu origem à LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006, que entrou em vigor dia 22/09/2006, ou simplesmente LEI MARIA DA PENHA, que trata não apenas da agressão física, mas de todas as formas de violência.

               A violência doméstica é uma das formas mais cruéis de violência, pois acontece onde deveria ocorrer o apoio, a proteção, a harmonia, aquelas que deveriam ser as paredes protetoras do lar atuam como muros do medo. A vítima não vê saída, mesmo que tenha a chave da porta! Este tipo de violência é muito mais comum do que se pode imaginar, é maior do que expressam as estatísticas (já alarmantes) e está presente em todos os níveis sociais, atingindo negras, brancas, ruivas, morenas, mulatas, analfabetas, doutoras, especialistas, pobres e ricas, igualando em dor e sofrimento mulheres das mais variadas etnias, religiões ou classe social.


Publicado no http://www.gazetadooeste.com.br/

* Da Série: As Muitas Faces da Violência.
Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 22/09/2007
Reeditado em 15/10/2011
Código do texto: T663838
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