Carmen Miranda: o "Tico-Tico no Fubá" que encantou o Tio Sam
Maria do Carmo Miranda da Cunha, portuguesa, 1,54, sorridente e “brasileira de coração”, surge no cenário musical brasileiro cantando nas rádios como Carmen Miranda. Nome este rebatizado por um tio que a achava tão exuberante como a heroína da ópera de “Carmen” de Bizet. Posteriormente, Carmen ganhou o apelido de “A Pequena Notável” que recebera do locutor César Ladeira da extinta rádio Mayrink Veiga. Isso, certamente, devido a sua baixa altura e por seus grandes méritos.
No, anos antes, recebera outro apelido, A Pequena Notável, que lhe fora dado pelo locutor César Ladeira [...] e que pegou de tal maneira, que ela passou a ser assim apresentada nos seus shows. (BRITO, 1986).
Carmen surge na rádio – em meio a concursos e lançamentos de cantores – numa época de plena difusão do samba, sendo então conhecida no Brasil por suas músicas animadas. No entanto, só atingiu o sucesso total em 1930 com a música “Pra Você Gostar de Mim”, mais conhecida como “Taí”, composta por Joubert de Carvalho com a vendagem de 35 mil cópias em menos de um ano. Desde então, tornou-se uma das cantoras mais populares do país. Tanto que em 1938 cria a imagem que se tornaria conhecida no mundo por seu despojamento e exuberância: a baiana com as frutas na cabeça. Isso ocorre quando A pequena Notável, em gesto de amizade, ajuda a lançar o compositor/cantor Dorival Caymmi, cantando com ele a música “O que é Que a Baiana Tem”, vestindo-se de baiana pela primeira vez para interpretar o musical “Banana da Terra”. Tal imagem passa a ganhar mais adereços e cores e, posteriormente, a encantar o público norte-americano por sua alegria e beleza.
No entanto, para compreendermos o primeiro contato de Carmen com os EUA, faz-se necessário mencionarmos o contexto sociopolítico do Mundo, na década de 1930 como descrito com o trecho a seguir:
Na década de 30, o mundo passava por diversas transformações tais como: a quebra ou “Crash” da Bolsa de Nova York, que trouxe ao Brasil a queda nas exportações do café e conseqüentes tensões sociais, a instauração da ditadura do Estado Novo sob o governo de Getúlio Vargas e a tensão pré-guerra.” (ALMANAQUE, 1998)
Carmen, no entanto, continuava a trabalhar intensamente e, em uma de suas apresentações no Casino da Urca, no Rio de Janeiro, despertou a atenção de um importante empresário da Broadway, Wallace Downey, que a convidou para apresentações na qual ela fez questão de levar sua banda consigo, deixando aos poucos a faceta de intérprete que eternizou canções como “Na baixa do sapato”, “Tico-Tico no fubá”, “Mamãe eu quero”, para assim viver uma “performer e comediante que arrancava risadas das platéias com seus inglês rudimentar, mas cheio de charme em um momento consideravelmente difícil pelo qual o mundo atravessava.
A Pequena Notável, então, passa por uma transição ao deixar a carreira de cantora de rádio, no Brasil, para tornar-se uma verdadeira atriz no cinema hollywoodiano. Com isso, encanta o público americano ao aparecer com seu figurino exuberante e exótico, pois era a própria estrela envolta num ritmo contagiante e sensual, em que babados, turbantes hortifrutis, cores vibrantes, saias de baiana supercolantes no corpo e sapatos-plataforma permitiam que todos entrassem no “clima” de alegria. Disso, portanto, resulta a imagem de Carmen como caricatura e símbolo estereotipado de um Brasil tropical sob a óptica norte-americana. Notoriedade esta que resulta em seu segundo apelido: “The Brazilian Bombshell” que significa “A Explosão Brasileira”
Carmen, porém, enquanto é adorada por muitos nos Estados Unidos, recebe muitas críticas do Brasil, já que passa a impressão de uma imagem errônea ao seu povo. Isso porque as pessoas não se identificavam com estereotipo criado como traços brasileiros.
Isso pode identificado no trecho a seguir:
Carmen voltou ao Brasil para prestar contas de legítima Embaixatriz do Samba nos Staters. Desceu do navio SS Argentina no cais da Praça Mauá no Rio de Janeiro, vestida com um tailleur em camurça verde-amarela e foi recebida triunfalmente pelo povo, desfilando em carro aberto pela Avenida Rio Branco, coberta de flores, serpentinas e confetes. Mas a suposta “alta sociedade” carioca esnobou-a: quando Carmen, a Pequena Notável, a Brazilian Bombshell, apresentou-se novamente no Cassino da Urca – agora, já estrela internacional sofisticadíssima, no esplendor das novas fantasias de baiana estilizadas – a “carioca society” aplaudiu-a friamente, de uma forma que, em outro ambiente, teria sido o equivalente a uma via. Motivo: no seu entusiasmo em mostrar o que havia aprendido “lá fora”, a ingênua Carmen – que nunca foi apelativa – cantou algumas músicas em inglês, como havia feito pouco antes nos Estados Unidos, sob enormes aplausos. Foi o suficiente para que a acusassem de ter-se americanizado.”
Uma outra crítica á Pequena Notável dá-se no âmbito político: levando-se em consideração o período pré-guerra em que os EUA desejavam que o Brasil não manifestasse apoio ao regime fascista, pode-se considerar a hipótese que os americanos levaram Carmen para o exterior como forma de atrair o Brasil e assim “fundir” as duas nações em nome da política de “boa vizinhança” e, conseqüentemente, conforme os interesses norte-americanos.
No entanto, em “ABC de Carmen”, Dulce Damasceno – amiga de Carmen – discorda dessa assertiva ao afirmar:
Algumas pessoas mal informadas (ou simplesmente invejosas) disseram e dizem até hoje que Carmen Miranda foi para os Estados Unidos porque existia uma política de Boa Vizinhança entre o Presidente Roosevelt e Getúlio Vargas, inclusive que a Pequena Notável fora patrocinada por este último para representar o Brasil na Feira Mundial de Nova Iorque porque era sua amante. Não é verdade. Carmen foi de navio (não havia passagens de avião por ser época de tensão pré-guerra), com passagem paga pelo empresário Lee Schubert. Mas, como o empresário americano não concordou em levar seus acompanhantes (o Bando da Lua) e a brasileiríssima Carmen não aceitava músicos estrangeiros para tocarem “o seu samba” [...] recorreu ao Ministro das Relações Exteriores [...]. Não querendo fazer nada “pela metade”, Carmen pagou, do seu bolso, as outras três passagens, e embarcou com o grupo completo. (BRITO, 1986).
Carmen, no entanto, continua a manifestar a sua exuberância e aparência espalhafatosa nos filmes. Isso tem como conseqüência benéfica a sua apresentação na Casa Branca e, em 1941, a marca de suas mãos e pés no “Chinese Theatre”, mostrando-se a única estrela reconhecida em meio aos grandes fenômenos hollywoodianos.
Com a incrível maratona de aparições no cinema – 24 filmes ao todo, incluindo “Uma Noite no Rio” (1941) e “Alegria Rapazes” (1944), além das gravações de músicas e programas de auditório – Carmen apresenta-se pela última vez nos estúdios da Desilu, em Gower Street. Lá a “The Brazilian Bombshell” sente-se mal e quase desmaia. Dirige-se para sua casa e, pela madrugada, sofre um ataque cardíaco e morre aos 46 anos.
Carmen “saiu da vida para entrar na história”, em que teve um funeral – no Rio de Janeiro – à altura da grande estrela que fora, marcada por sua consagração perante o povo brasileiro: público presente no sepultamento (entre 500.000 e 1 milhão). Enfim, até hoje influencia a juventude feminina, bem como a comunidade de homossexuais, com suas plumas e paetês e a “barriga de fora”, sendo uma tanto revolucionária para sua época: A “Pequena Notável” permanece notável.
(Universidade Cidade de São Paulo. Texto ano 2006 de Felipe, Leticia, Regina e Patricia Umeko)