POÉTICA E FRUIÇÃO

Eu não sei (ou não gosto de) escrever versos derramados de emoção, porque chorar o que passou é sofrer duplamente; ou talvez porque não sejam de meu feitio ou predileção. A rigor, nunca me preocupei com isto. Amo as palavras que fazem pensar. A minha lavratura exercita o pensar e me sinto vivo nela como um descobridor das coisas existentes, mas não prontamente percebidas. Tento, por ela e com ela, fazer com que se reflita sobre o mundo circundante, e esta não é tarefa de somenos. Sinto-me premiado quando a escrita propõe a antítese do que o meu leitor pensa e/ou faz dela a sua verdade. De minha parte procuro não congeminar conceitos definitivos – confrontam-se em mim a todo o tempo verdades ocasionais – pois em mim habita um inveterado minerador subterrâneo e o questionamento varre os meus neurônios. Trabalho em busca do que é incomum, do que não se vê aparentemente. E me gratifica assistir impassível aos mistérios que a palavra contém. Aprendo com ela, que é o meu respirar. E é bom sentir, com "lucidez enternecida", que a Poesia mexe com as pessoas do lugar comum da vida, mesmo que este mesmo mistério não lhes chegue claro e compreensível ao universo de sua pessoalidade. Em Poesia também se aplica o conceito filosófico de que "em cada cabeça, uma sentença"... Eu sempre agradeço a tudo o que me faz pensar, porque me sinto vivo. Não devo e nem posso querer ser dono da verdade. No entanto, posso tê-la no meu humano instinto de farejador. A estética que amo nunca é aquilo que aparece aos olhos cotidianos e que, por ser costumeira, não causa estranheza. A poética, pra mim, é a estética do Novo, e para o concebermos, é preciso muita leitura e a competente urdidura para chegar à sugestão verbal sem que se tenha de dizer, enfim, que se tenha de abrir o pensamento. O que foge ao lugar comum traduz-se por si mesmo... Poesia é o mistério travestido de palavras, signos verbais que permitem o voo, e também o lampejo de luz que fere a menina dos olhos. E dobro os joelhos ao Absoluto pela graça de ver os pequenos deuses que ocupam o ventre do poema. E fico desejando que o poeta-leitor me ajude a construir o patamar de entendimento a que ele chegou. Eu sou parte, mas busco a totalidade. O meu "Todo" é sempre a mínima parcela, que se completa com a humanidade do Outro, do meu leitor ávido de projetos para fazer o seu mundo. O meu é o de ser apenas feliz. E esta felicidade está quase sempre na luz que as palavras encerram, mesmo que muitos não a queiram ou briguem consigo mesmo por não conseguir abrir os olhos ao fundo dos códigos que lhe poderiam dar uma sensação de eternidade assentada no amor ao semelhante...

– Do livro OFICINA DO VERSO: O Exercício do Sentir Poético, vol. 02; 2015/17.

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