O lugar da fragilidade

Recordação - A palavra recordar vem do latim, RECORDARI, “lembrar-se”, formado por RE-, “de novo”, mais COR, “coração”, metaforicamente a sede da memória. Trazer à memória”. Assim como a sua origem demonstra que é do ato de relembrar eu.
Experimentar novamente a alegria ou amargura do que foi vivido, principalmente amargura sem notícias de tempos bons atormentando a alma e deixando incertos os pensamentos de um futuro próspero, indispensavelmente recolhidos numa tentativa de entender direito as angústias que me alcançam e,sem cessar, anunciam mais um tempo de desventura.
As tentações que sinto agora não são meros acasos, mas, marcas de uma alma aflita que não acredita e nem deseja acreditar que tudo pode ser diferente. As espadas lançadas num outro tempo, ainda estão impregnadas na memória, e cravadas no coração, sem que precise muito esforço para senti-las sangrando. Os sonhos à noite são os verdadeiros companheiros, testemunhas dessa vida escondida, existente tão somente na minha memória.
A melancolia já não é de todo algo ruim, mas também não traz alegria, mas de que serve a alegria, para quem ela é destinada? Atrevo-me a pensar que ela é reservada aos tolos, aos insensíveis. A alegria como primazia de uma vida completa com todos os arranjos necessários para a casa do outro, para o olhar apurado do outro que insiste em julgar e dizer de suas receitas do bem viver.
São muitos os que julgam conhecer a realidade alheia, as receitas infalíveis que se tivessem coragem de pensar realmente perceberiam que nada são, quase não estão. É somente resultado daquilo que já se espera. De quando em quando somos alcançados pela nossa prepotência e escondidos nela nos apresentamos como seres sensatos de compreensão aguçada e dedos afiados para apontar o caminho que outro deve seguir.
Mas, em que momento eu posso ser eu, posso me mostrar verdadeiramente sem assustar o que me vê? O peso do disfarce maltrata e escraviza sorrateiramente. Não concebo de bom grado a ideia de que nesta vida, nesta única vida, oportunidade ímpar, eu não possa viver verdadeiramente, tenha que estar de bandeja para ser aprovado ou reprovado. Não existe um abismo onde eu possa morar, além do que eu carrego interiormente? Eu não consigo mais conviver com tantos assim, se tornou inviável.
O barulho é ensudercedor, e as vozes sensatas vão se distanciando como uma leve melodia que quase não dá para ser identificada, dificilmente será, pois os ouvidos estão obstruídos, e a boca não consegue traduzir de maneira esquematizada, e equilibrada as mensagens embaralhadas do cérebro. Há uma dissonância, descompasso que alteram todos os passos no caminho de agora, como se estivessem numa corda bamba de um trapézio, prestes a cair de vez, mas sem o amparo da rede de proteção, pois não há conhecimento suficiente para tal ação.
Cidadãos estranhos revestidos de aparente sabedoria, opiniões copiadas, argumentos plagiados, legendas prontas de outros sem citação de referências, enganadores de si mesmos. Mestres de si, discípulos de ninguém. Reconhecedores da autopropagação em nome de um para que pareça ser dele mesmo, ao ponto de ser confundidos com ele.
Ora! Não somos capazes sequer de nos aceitarmos e direcionarmos nossos passos, mas apontamos estradas por meios de exemplos alheios ou religiões vividas por outros, num outro tempo. Escorregamos nas palavras, deslizamos nos exemplos, deitamos em cima de nossas fraquezas, mas levantamos rapidamente para que o outro não nos veja cair, e não se desiluda.
Somos práticos para nos mostrarmos numa condição de supremacia escondendo nossas falhas para que não nos sejam apontadas, diminuindo assim nossas considerações.
A fragilidade é sinal de covardia nesses tempos. Já não é mais permitido chorar, ser desumano. Temos que ser fortes e compreensíveis o tempo todo para que sejamos aceitos, pois estamos vistos, vigiados, observados. Temos todos que ser felizes exageradamente, mas não de verdade, mas desde que se anuncie se propague e se venda a imagem como informação para o outro ficar furioso ou feliz, não importa, desde que eu seja visto.
Tenho que esfregar todos os dias os meus afazeres, felicidade é minha meta não de vida, mas de minhas redes, pois o que vão dizer de mim se eu não ganhar, se eu não tiver, se eu não mostrar pode ser que me esqueçam ou não me aplaudam, pior ainda, não me queiram. As imbecilidades apontadas por Umberto Eco ganham forças e nos maltratam de maneira correta, nos distanciam ao mesmo tempo, nos aproximam escancaradamente. Já não se consegue mais saber o que de fato é felicidade, quem dela desfruta, procura ou entende. Impossível entendê-la ou encontrá-la com tantos apretexos.
A minha força deve está em destaque, não posso ser fraco, pobre, gentil, e, se, não estiver nos primeiros lugares na popularidade, da igreja, da escola, do trabalho, e na estética, serei visto de maneira secundária por toda a massa me julgará como incapaz. Mas, secundário é humilhante de mais, sofrerei por poder ser julgado negativamente pelos meus.
Para mim, devem estar reservados os primeiros lugares, as primeiras conversas, o primeiro sorriso e acima de todos, de todas as coisas, de todos os seres humanos. Super humano de Nietzsche, mas não na sua expressão genuína, o superar-se.
O Super humano aqui, neste caso, diferente do filósofo é na verdade superar o outro nessa corrida, maratona da qual a vida foi colocada, e os outros atletas com o mesmo gás são um perigo, ameaça que não nos deixa descansar. Estudo, leitura, não importa de quê, de quem, o importante é que decore algumas citações, e tenha algumas opiniões para compartilhar. Academia para que a minha revista eletrônica e individual se mantenha atualizada e em forma...
Essencialmente, devo ser eu mesmo para que, talvez eu nem goste de mim mesmo, por isso, me camuflo, ou então, não me conheço o suficiente, por isso me camuflo, e talvez eu nem goste da minha capa, da minha camuflagem, mas ela me representa bem, me esconde, e ainda consigo ser aprovado pelos outros. Neste caso, é vantajoso.
Se eu não for visto, eu não existo, se não me curtirem, eu não existo, se eu não for comentado, pode ser que eu não seja para o outro aquilo que ele deseja ou espera, mas isso é fácil de resolver. Basta mudar o meu jeito, vestir outro personagem, mudar meu discurso, ou seguir as dicas de quem se profissionalizou, mais...baixar aplicativos que me deixem levem à alta audiência.
Distante de tudo isso, me sinto incapaz de resolver meus próprios problemas, a dúvida me condena todos os dias, me prende à uma realidade parasita, que não me permite pensar por mim mesmo quando decido pensar. Devo recorrer o tempo todo aos recursos facilitadores do meu meio. Quero resolver o meu problema o tempo todo. Impossível seria ter tempo ou boa vontade para entender o outro. Eu me basto.

Nem toda tristeza alheia é percebida ou encarada quando só pensamos em nós mesmos... Narcisismo.


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