Etimologia da Língua Portuguesa Nº92

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva Nº92

Enaltecer, do espanhol enaltecer, é calcado no verbo latino altere, aumentar. Vendedores são famosos pela criatividade que desenvolvem para enaltecer seus produtos. Já quem se enaltece, valorizando-se demais, entra na categoria da expressão popular vender- se caro.

Barba: do latim barba, designando os pelos da face do homem e também a lanugem de animais e plantas. Antes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o último presidente a usar barba foi Washington Luís (1879-1957), aquele para quem governar era abrir estradas, inventor do neologismo rodovia, adepto do cavanhaque, palavra vinda do nome do general francês Louis-Eugène Cavaignac (1802-1857), que usava esse tipo de corte na barba. Também os presidentes Campos Sales (1841-1913) e Nilo Peçanha (1867-1914) usaram cavanhaques. Todos os generais-presidentes do ciclo militar pós 1964 foram glabros, isto é, de rostos lisos, assim como os outros presidentes Getúlio Vargas (1883-1954) a Itamar Franco . Os dois primeiros presidentes, ambos marechais, eram ainda mais barbudos do que o atual e suas barbas semelhavam ser pouco aparadas.

Cruz: do cruce, declinação de crux , cruz. A cruz está presente em várias expressões da língua portuguesa, como assinar em cruz --- o analfabeto põe no lugar do nome um traço sobre outro, não raro mais um x do que uma cruz. Santo André (século I), que dá nome ao primeiro município da região da Grande São Paulo conhecida como ABC, foi crucificado numa cruz em forma de x.

A devoção à cruz em que Jesus foi supliciado começou no século IV. No ano 326, Santa Helena (entre século III e IV), concubina de Constantino Cloro (225-306), depois repudiada por ele, mãe do imperador Constantino ( entre 270 e278-337), empreendeu pesquisa para encontrar o madeiro que tornaria símbolos dos estandartes do filho. Encontrou três cruzes no mesmo lugar. Como saber qual a de Jesus? Encostaram os madeiros numa senhora doente. As cruzes em que foram crucificados o bom ladrão, Dimas, e o mau ladrão Gestas, nenhum efeito produziram. Mas, quando a enferma tocou na terceira cruz, curou-se. O dia 3 de maio é celebrado como o da Santa Cruz. O episódio foi narrado pelo historiador Eusébio de Cesaréia e também por Santo Ambrósio (340-397) e São João Crisóstomo (349-407). Esse último escreveu um livro clássico sobre a formação dos padres, intitulado Sobre o Sacerdócio. Depois da morte da mãe, o santo passou seis anos no deserto, dois dos quais numa cova. Ordenado diácono, preparou-se mais cinco anos. Foi um dos grandes oradores da Igreja e em suas homilias preocupava-se mais em mudar a vida dos ouvintes do que teorizar sobre a religião.

Enaltecer: do espanhol enaltecer, calcado no verbo latino altere, aumentar, fazer crescer, tendo também o significado de elogiar, prática, aliás, adotada por vendedores ao exagerarem na qualidade das mercadorias que querem empurrar aos clientes. Vender-se caro é expressão que denota valorizar-se em excesso, enaltecer a si mesmo. Às vezes, vai-se enaltecer uma coisa, mas o cliente está interessado em outra, como no caso do nova-iorquino David McConnel, vendedor de livros de porta em porta. Poucos compravam os livros que queria vender e, para seduzi-los, ele oferecia um mimo a quem comprasse algum volume: um vidro de perfume. Os clientes, em especial as mulheres, preferiam o perfume aos livros. E o vendedor trocou de ramo, alcançando sucesso não só nos EUA, mas em muitos outros países, inclusive no Brasil. Deu ao perfume o nome de Avon, para homenagear a cidadezinha em que William Shakespeare (1564-1616) nasceu, Stratford-upon-Avon.

Gago: de origem controversa, atribuída ao latim balbus, que resultou em bárbaro, como os romanos denominavam o povo cuja língua não entendiam direito, pois seus falantes pareciam gaguejar ou balbuciar como as crianças. Um dos sinônimos de gaguejar é tartamudear, isto é, falar como os tártaros, povos que na Idade Média invadiram o oeste da Ásia e o leste da Europa. Um município brasileiro tem como o patrono um coronel gago, Fermínio Teixeira Vida Baptista, cujo nome foi alterado pela forma como o homenageado o dizia. É Coronel Vivida, no Paraná, antes denominado Barro Preto. Ainda bem que não gaguejava a patente militar que fazia jus.

Saudar: do latim saudare, saudar, ligado a salvar, mostrar que vai bem, está com saúde. Tanto que a pergunta ”como vai?” é forma de cumprimento equivalente a bom dia, boa tarde, boa noite. Entre os militares, a saudação é mais formal e tem o nome de continência. Bater continência é cumprimentar o superior batendo a mão à altura do quepe, encostando-a à coxa no movimento de volta. O gesto é feito com o peito ereto e os calcanhares unidos. A origem é a apresentação que guerreiros faziam ao soberano antes de partir para as batalhas: usavam a ponta dos dedos a fim de levantar a viseira do elmo e mostrar o rosto ao superior. Depois o chapéu substituiu o elmo.

Deonísio da Silva é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, diretor do Curso de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, autor de De Onde Vêm as Palavras ( A Girafa, 14ª edição) e Avante, Soldados: Para Trás ( Siciliano), entre outros 28 livros. E-mail: deonisio@terra.com.br

Revista Caras

2005

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 20/08/2017
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