Etimologia da Língua Portuguesa nº72

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva Nº72.

Os dias da semana, do latim tardio septimana, derivado do latim clássico septimanus, homenageiam deuses pagãos em todas as línguas neolatinas, menos no português, em que a honraria, do latim honos, misturou festa e comércio, por influência religiosa.

Esponja: do grego spoggiá, pelo latim spongia, esponja, animal marinho invertebrado, que tem o corpo dotado de um sistema de filtração do alimento, composto por poros, canais e câmaras. Seu esqueleto é feito de substância porosa e macia. Por isso foi usado durante séculos para reter água em atividades de limpeza e esfregar o corpo no banho. A bucha e o esfregão vegetal foram seus sucedâneos, mas foi no animal esponja que Jesus ( século I ) tomou o último gole aqui na terra, vinagre misturado a fel, servido por um soldado romano. Tal esponja integra o arsenal de relíquia cristãs.

Honrarias: de honra, do latim honos. Como o genitivo é honoris e o acusativo honorem, no português houve redução para honra. Honraria designa distinção, dada ou atribuída a quem, no juízo de quem tem o poder de a atribuir, fez por merecê-la. Uma das mais altas horarias concedidas pela Igreja é a rosa-de-ouro, ornamento precioso, de ouro puro, matizado de vermelho, feito por ourives que trabalham para o Vaticano. No Brasil existem três delas. A primeira foi dada pelo papa Leão XIII ( 18 10 – 1903 ), à princesa Isabel ( 1846 – 1921 ), logo depois de ela ter acabado com a escravidão no Brasil ao assinar a Lei Áurea. A segunda e a terceira rosas-de-ouro foram dadas ao Santuário de Nossa Senhora de Aparecida, em São Paulo, respectivamente pelo papa Paulo VI ( 1897 – 1978 ), em 1967, pelo papa Bento XVI, em 2007.

Preciosidade: do latim pretiositate, declinação de pretiositas. Nos dois casos, o primeiro “ t “ tem som de “ c”, como no português. Designa coisa valiosa, pela beleza ou raridade, que só poderia ser obtida por alto preço, ainda que em geral as preciosidades tenham valores que não possam ser traduzidos em dinheiro, como algumas das lendárias relíquias cristãs, de que são exemplos os pregos da crucificação, em número de 700. A Igreja reconhece só 30, ainda assim um exagero.

Relicário: do latim relicarium, caso genitivo de reliquiae, restos, aquilo que sobrou, originalmente aplicado às migalhas que ficavam entre os dentes depois da mastigação e mais tarde a todas as sobras de alguma coisa. O relicário cristão, um dos mais controversos, mistura obras autênticas com lendas e curiosidades. Assim, o prepúcio de Jesus, pele que cobre a glande do pênis, retirado na circuncisão, executada oito dias após seu nascimento, é uma relíquia. No século XII, o papa Inocêncio XIII ( 1160-1216), conclamado a autenticá-la recusou-se . Contudo, o papa Clemente VII ( 1478-1534 ), no século XVI, atestou que o prepúcio era mesmo de Jesus. O Vaticano, depois de vários comunicados oficiais, diz respeitar a crença popular, mas a entende como lenda cristã.

Semanal: de semana, do latim tardio septimana , derivado do latim clássico septimanus, mistura de septimus, sétimo, com a terminação grega de hebdomás, relativo ao número sete ou grupo de sete coisas, donde hebdomadário significar semanal. Os dias da semana em todas as línguas neolatinas homenageiam deuses pagãos, menos na língua portuguesa. O domingo, dia do Senhor, formou-se do latim vulgar dies Dominicus, em curioso adjetivo: dominicus, dominical, em vez de dies Domini, dia do Senhor caso genitivo de dominus, senhor, aquele que manda na domus, casa. Depois das missas dominicais, a população cristã que ia à Igreja para rezar fazia suas compras, pois as aglomerações favoreciam ao comércio. O domingo era, pois, um dia de feria, festa, que ensejava compras e vendas. A festa continuava no dia seguinte, feria segunda, dedicado à Lua, dies lunae, dia da Lua. Prosseguia, por motivos religiosos ou comerciais, no dies Martis ,dia de Marte; no dies Mercun, dia de Mercúrio; no dies Jovis, dia de Júpiter; dies Venen, dia de Venus; todos eles eram deuses pagãos. Na Espanha, esses nomes foram espanholados para Lunes, Martes, Miércules, Jueves, Viernes. No português, feria segunda tornou-se segunda-feira e os dias seguintes viraram terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira,. Foi são Martinho ( século VI ), bispo de Braga, em Portugal, nascido na Polônia, atual Hungria, quem sistematizou esses nomes para os dias da semana. O sábado, porém, do latim sabbatum, por força da intensa presença do shabbat hebraico como dia de descanso, transferido para o domingo, não recebeu numeração.

Deonísio da Silva escritor, é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor titular e coordenador de Letras e de Teleaulas de Língua Portuguesa na Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, e autor de A Língua Nossa de Cada Dia e Goethe e Barrabás ( Editora Novo Século), entre outros 31 livros, alguns deles publicados também em outros países . E-mail: deonisio@terra.com.br

Revista Caras 2009.

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 20/03/2017
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