Etimologia da Língua Portuguesa nº61

Etimologia da Língua Portuguesa por Deonísio da Silva nº61.

Leguminosa com a qual se prepara iguarias como pé-de-moleque, amendoim veio do tupi mandu’wi. Também presente em muitos pratos brasileiros, canela, especiaria trazida do Oriente, teve origem no baixo-latim canella.

Amendoim: do tupi mandu’wi, que foi registrado também como mãndu’bi. Passou ao português como mendubi e mendubim. Consolidou-se amendoim por influência de amêndoas. Designa leguminosa cujos frutos, que jazem junto às suas raízes subterrâneas, são aproveitadas em bocados apreciados por todos, sobretudo por crianças, como o pé-de-moleque. A ministra Benedita da Silva, primeira senadora negra do Brasil, vice-governadora e depois governadora do Rio de Janeiro, é de família pobre, numerosa --- teve 14 irmãos ---, e vendeu amendoim nas ruas quando criança e adolescente. Já moça, foi operária fabril, além de entregar roupas que sua mãe lavava para ilustres clientes. Desses ofícios, a ministra tirou a seguinte lição, entre outras: “ A militância política do pobre começa no berço, no bairro, não no partido. Foi na rua que aprendi que preciso lutar pela igualdade social para homens e mulheres.” Conhecida internacionalmente. Benedita é referência das mudanças havidas no Brasil a partir da redemocratização, iniciada em 1985. Foi o primeiro governo civil, interrompendo o ciclo militar com a eleição indireta para presidente que desaguou no governo do ex-presidente José Sarney, atual presidente do Senado.

Canella: do baixo-latim canella, pelo italiano cannella, idioma em que foi feito um dos primeiros registros da especiarias vindo do Oriente e que chegava à Europa pelo porto de Gênova . Mas a palavra já estava na língua italiana desde o século XII. Além do tempero, designa a árvore e a modalidade da morenice, de que é exemplo a referência à cangaceira Sérgia Ribeiro da Silva (1915 – 1994), a Dada, descrita como “morena cor de canela.” Tinha 15 anos quando se tornou a segunda mulher a entrar no cangaço, acompanhando Corisco, que namorava havia três anos. Era proibida a presença da mulher entre os cangaceiros, mas Virgulino Ferreira da Silva ( 1897 – 1938), o Lampião, quebrou a norma ao levar Maria Gomes de Oliveira ( 1911 – 1938), a Maria Bonita, para o bando, em 1930, As mulheres do cangaço não pegavam em armas, até que em 25 de maio de 1940, vendo o companheiro Corisco morrer, Dadá se tornou a única exceção. Teve o pé direito amputado, por força de ferimento em combate, enfrentou cirurgias e morreu aos 79 anos, em 1994. Outra personagem famosa, da mesma cor, é de ficção e foi criada por Jorge Amado ( 1912 – 2001). Trata-se de Gabriela, Cravo e Canela, que dá título ao romance do escritor baiano.

Escandaloso: do latim scandalosus, de scandalu, radicado no grego skándalos. No português , escândalo alterou o significado que tinha nas duas línguas, em que designa pedra que faz tropeçar, tornando o de ação vergonhosa, reprovável. Escandaloso adquiriu o sentido de imoral, indecoroso, aplicando-se a gestos, falas e comportamentos que indicam mau exemplo, ainda que haja controvérsia, como ocorreu com os escândalos de Ana Jacinta de São José (1800 – 1880 ), a Dona Beja. Órfã de mãe aos 12 anos, foi criada por parentes na localidade onde hoje fica Araxá, em Minas Gerais. Adolescente bonita e inteligente, atraiu a atenção de homens que iam à região em busca de ouro e diamantes. Mas a joia mais rara era Beja, que aos 15 anos conheceu num baile o ouvidor, então cargo de grande importância na administração pública, Joaquim Inácio Vieira da Mota. Maior autoridade do local, mandou raptá-la para viver com ele. Beja acumulou grande riqueza. Quando o marido deixou Paracatu do Príncipe, indo para a corte, não o acompanhou e voltou a viver em Araxá. A elite local, que a considerava escandalosa, recebeu farta munição para falar mal de Beja quando ela foi levada a julgamento, em 4 de dezembro de 1837, acusada de ter encomendado a morte do ex- amante. Absolvida, conheceu numa festa o garimpeiro Guimarães Bastos. Já com 37 anos, casou com ele, tendo vivido juntos muito tempo. Quando o marido faleceu, em 1875, Beja vendeu o garimpo e recolheu-se à casa da filha Joana, falecendo, cinco anos depois aos 80.

Regente: do latim regente, declinação regens, aquele que rege, governa, o rei, imperador ou quem atua em nome dele. As mulheres desempenharam papel importante quando foram regentes do Brasil, no período imperial. A primeira a governar o país como regente foi a princesa Leopoldina de Habsburgo-Lorena ( 1797 – 1826 ), filha de Francisco I (1737-1830),da Áustria. Seu marido, dom Pedro I ( 1798 – 1834 ), viajou para São Paulo a 13 de agosto de 1822 e dona Leopoldina, na ausência dele, presidiu a sessão do Conselho de Estado que deliberou pela separação entre os reinos de Portugal e do Brasil, passo decisivo para a independência. Sabendo da gravidade do ato, a soberana fez com que todos os ministros assinassem a ata. Há documentos que atestam ter sido naquele dia, 2 de setembro, e não 7, que a independência do Brasil foi decidida. Coroada imperatriz do Brasil em 1º de dezembro de 1822, faleceu a 11 de janeiro de 1826. Seus restos mortais estão na cripta do Ipiranga, em São Paulo.

Deonísio da Silva, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo e escritor, é autor de Os Guerreiros do Campo e de A Vida Íntima das Palavras ( Siciliano), entre outros 27 livros. E- mail: deonisio@terra.com.br

Revista Caras.

2002.

Doutor Deonísio da Silva
Enviado por zelia prímola em 29/12/2016
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