O SOFRIMENTO HUMANO

Os sofrimentos sucessivos que vivenciamos durante nossa passageira estadia pelo mundo ensina a cada um de nós a ficarmos mais resistentes as grandes crises e as inesperadas quedas; ensina, por outro lado, a sermos mais solidários a todos aqueles que, assim como nós, gritam desesperadamente por ajuda no deserto de suas vidas.

Fico imaginando, se é que é possível haver uma pessoa assim, um ser humano que nunca, desde que nasceu, tenha experimentado qualquer resquício de sofrimento se instalar em seu íntimo, uma pessoa que só vivenciou momentos de prazeres e de alegrias, instantes de sonhos e nenhum desespero que abale suas certezas mais evidentes.

Uma pessoa nessa condição ou, o que é mais comum, que pouco sofreu, poderia acaso se compadecer de quem igualmente sofre ou demonstrar sentimentos em profundidade, tais como amor, carinho e gratidão, se fosse desprovida da experiência do sofrimento (sofrimento que ilumina aqueles que tiram proveito de suas próprias dores)? Uma pessoa sem qualquer entendimento e sabedoria a respeito da vida e da condição humana, poderia manifestar uma grande virtude ao compreender a dor de seu semelhante e o porquê de tamanha dor sentida?

Um ser humano que vive sua existência desprovida de labutas, mas em contrapartida repleta de prazeres e alegrias fúteis, conhece outros tipos de sofrimento, a maior parte deles provocadas pelo tédio e pelo vazio da falta de significado na vida. Nesse caso, tal aborrecimento que experimenta, diz respeito a uma vida imersa nas futilidades e em amizades superficiais; enquanto não se interessar por algo mais elevado e edificante, se torna sujeito a uma vida medíocre e banal (pois percebo que há pessoas que fazem questão de esquecerem qualquer sofrimento somente para viver as alegrias do instante, se for preciso até mesmo esquecerem de si mesmos e de seus semelhantes).

É importante ressaltar que o sofrimento causado pela compaixão e pela dor alheia (uma dor que revela a humanidade e a responsabilidade do homem pelo sofrimento alheio) é menos desastroso e prejudicial do que o sofrimento decorrente das insatisfações proporcionadas pelo hedonismo e por uma existência embriagada de prazeres.

Nem sempre é prejudicial e ruim sofrer em razão da dor de outrem; pelo contrário, às vezes as grandes obras de amor acontecem quando um homem se mobiliza para ajudar outro homem, unicamente porque sentiu infeliz de ver outra pessoa infeliz. Em contrapartida, aqueles que sofrem em razão de sempre querer mais e mais, vivem ameaçados constantemente de viverem uma existência infeliz e solitária, mesmo estando ao lado de muitas pessoas.

Só pode ser verdadeiro consigo mesmo aqueles que vê no sofrimento algo mas do que meramente uma desgraça desprovida de sentido ou uma desoladora experiência; prefere encarar seu sofrimento como uma oportunidade de ser ensinado diante das circunstâncias em que vive, de modo que é capaz de olhar tanto para si mesmo e se cuidar, quanto para todos aqueles que vivem e sofrem no mundo, sentindo profunda compaixão...

Pois só despertamos para o que está acontecendo com outrem se reservarmos momentos de ócio para observar sobre o que está se passando com nossas próprias vidas; mas ao mesmo tempo, é indispensável que transcendamos a nós mesmos por meio da empatia, de modo que possamos dar abertura para o outro revelar suas dores mal curadas numa ocasião propícia; fazendo esse movimento, conseguimos nos dar conta de que as outras pessoas passam pelos mesmos problemas, muitas vezes bem piores, ultrapassando os limites até onde nosso entendimento consegue alcançar!

Mesmo assim, é possível quando, ao darmos espaço para o diálogo desinteressado com aquele que sofre, buscar compreendê-lo sem o egoísmo de nossas relações costumeiras, ou seja, junto dessa pessoa apreender todas as nuances de seu sofrimento e os motivos que o legitimou.

Ninguém nesse mundo escapa do sofrimento inerente a todos os seres vivos existentes, mas existem seres humanos que a todo o momento tentam camuflar seu sofrimento, formando uma falsa ideia de si mesmos, como se fosse vergonhoso aos olhos dos demais assumir tamanha fragilidade, fragilidade essa que é manifestada na própria experiência do sofrer!

É claro que o sofrimento tem um limite: no momento em que este é ultrapassado, surgem as doenças oportunistas, sejam elas psíquicas, corporais ou psicossomáticas. Pessoas nessas condições, ao invés de assumirem sua condição, abordando com mais frequência a experiência de dor para obterem uma autopercepção, ficam paralisadas ao ponto de esquecerem de si e de outras pessoas mais próximas, tal é o grau de fragilidade a que chegaram!

Certas patologias só surgem na vida do indivíduo quando este acredita ilusoriamente que pode carregar sozinho um trauma que o mesmo contribuiu para se desenvolver. Precisamos ter entendimento de que uma vida saudável é permeada de relações e de experiências ao lado de pessoas solidárias e benévolas, e qualquer um que ficar a mercê de um mundo hostil, indiferente, opressor e acinzentado, corre o risco de desenvolver patologias graves.

Penso que a sinceridade e a honestidade nas relações é a melhor maneira de recuperar indivíduos fragilizados e sem esperança, muito melhor do que qualquer remédio e paliativo! Embora saiba da importância da medicação para alguns casos de pacientes psiquiátricos,não tenho a menor dúvida de que o amor, a justiça, o cuidado, a hospitalidade e a honestidade ainda são verdadeiros remédios para a salvação de uma vida em estado de perturbação mental e espiritual!

Nesse caso, só quem sabe o que é sofrer, tendo experiência de uma dor aguda que se prolongou e uma sensibilidade para ouvir os apelos de quem clama por ajuda, consegue cuidar de uma outra existência nessa situação de calamidade existencial; pois soube, em muitos momentos de sua vida, extrair ensinamentos valiosos quando doses diárias de sofrimento o assolou frequentemente.

Quanto mais conseguimos suportar com com coragem e com certa resignação estoica as dores que nos aflige, e na medida em que a esperança seja a nossa aliada para a nossa libertação e cura, mais ficaremos aliviados e consolados, tendo consciência de que podemos transcender uma situação-limite através de uma deliberada força de vontade, uma força que nos possibilita triunfar contra as fatalidades mais inesperadas.Tal força que nos revigora surge quando sabemos que somos visitados por pessoas preocupadas com nossas vidas, por pessoas que se mobilizam para atenuar a dor que o sofrimento provoca.

E quanto mais solidariedade houver por parte de um ser humano por outro, sobretudo respeito pelos momentos vivenciados de desolação e de desespero, mais fácil se torna a reabilitação da pessoa que se encontra enferma, pois não existe nada mais milagroso nesse mundo do que palavras de conforto e também do que gestos profundos de amor. Quando tais gestos promana de uma pessoa para outra, um gesto que brota do mais profundo da alma, maior é a possibilidade de haver cura e consolo.

Mergulhar na condição humana nos faz sempre mais sensíveis e solidários a todos aqueles que sofrem, mas e o que dizer daquele que carregou, até a sua morte na cruz, a dor de toda a humanidade com um sentido de cumprir a missão de salvá-la de seus pecados? Jesus é o verdadeiro arquétipo de homem que libertou a humanidade da escravidão, defendendo-a de sua própria dissolução e derrocada.

Quando paramos para refletir que um ser humano, mas divino ao mesmo tempo, carregou a dor de toda a humanidade na cruz, nos sentimos logo assombrados por saber que existiu tamanho amor de alguém por todos nós, um gesto divino e sublime, mas, em contrapartida, tão incompreendido pelos filhos de seu tempo!

Porém, esse assombro só é amenizado quando nos conscientizamos de que tal amor só foi possível pelo fato de ser o próprio Deus, cujo intento ou missão foi de salvar a humanidade de toda forma de escravidão e, sobretudo, do pecado. O DEUS em forma humana precisou, tal como nós, sentir na pele a dor de existir, a fim de trazer a possibilidade da redenção para o mundo sob a permissão do DEUS TODO-PODEROSO.

Esse é o grau mais elevado de amor a humanidade sofredora...por essa razão, quem extrai seus ensinamentos, além de lembrar a todo o momento de sua presença e de evocá-lo nas dificuldades da vida, é educado pelos princípios fundamentais que regem a existência da justiça e da dignidade humana; colocando esta em foco, possui condições de praticar virtuosamente o amor e a caridade para todos os que carregam o peso de sua própria dor, ações essas que são manifestadas através do comprometimento com uma outra vida que implora por socorro e redenção.

Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 08/11/2016
Reeditado em 12/10/2018
Código do texto: T5817022
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