ilusão e desilusão

Todo desiludido já foi iludido, portanto, ao contrário do que possa suscitar, o desiludido está a alguns passos à frente daquele que ainda se ilude. Tanto a ilusão como sua perda são fatos da vida. Penso não haver pessoa que no seu processo de maturação não tenha passado por essas duas experiências. A tendência é nega-las, abarcar o sofrimento, atravessar a experiência sem dar nome aos bois. Outra coisa que está no senso comum, que o iludido não sofre. Creio que isso seja uma mentira. É fato que a ilusão dar um certo conforto, mas é fato também que o iludido sofre pelo choque da contradição que ele está inserido. O fato dele achar que é amado, não o faz receptor dos benefícios que recebem aqueles que efetivamente são amados. Esse lado da questão é dificil negar, e o processo de desilusão somente se dá quando não tem mais como negar a ilusão de que se é amado. É exatamente o sofrimento gerado pela ilusão que faz o sujeito cair na desilusão, o que, sem dúvida, não é uma experiência agradável, quase sempre acompanhada de ressentimetimentos que levam anos para serem expressos e compreendidos. Claro que não tem outra saída, é um lugar que todos precisamos passar, o da desilusão. E quanto mais sabermos do se trata, mas fácil fica para lidar e não fazer dela um obstáculo maior do que ela é.

Você se preparou pra ser um juiz, era o seu sonho, pelo o status, pela grana, pelo respeito, estudou muito, se preparou, gastou com cursinhos, fez uma boa prova, foi aprovado, então, na entrevista você é desclassificado, não compreende, não bastava o conhecimento livresco, havia outra variáveis que você não estava pronto para lhes decifrar. Perde o sentido do cotidiano, tudo que você trabalhou agora pode não ser, leva uma porrada, se desilude, passa a rastejar o solo da existência. Fica ansioso, medroso, lastimoso, fracassado. Você trabalha há muito tempo naquela empresa, sonha em ser gerente, se esforça, trabalha duro, vai nos finais de semana, faz mais do que sua obrigação, de longe é o sujeito mais confiável para os chefes, acredita que o esforço é o que determina o sucesso, então, um jovem que está ali há apenas dois anos fica com a vaga. É o mesmo processo, mas cada um o vive de uma jeito diferente, mas todos são marcados pela dor e pelo desencanto, como se a vida perdesse o significado.

A desilusão não fabrica sentimentos sombrios, na verdade, ela os revela, porque toda uma realidade mantida pela mente foi desconfigurada pelos fatos concretos que não tem como negar. Então podemos num segundo momento assegurar que a desilusão é positiva, porque esse mundo pavoroso e sem rumo já estava presente, mas que, sem a desilusão não era possível os trazer à luz.

A pessoa iludida é uma ingênua, e a desiludida, geralmente, é uma chata, que perdeu a esperança nas pessoas, se tornou retraída, não confia em ninguém e se guarda para não sofrer outro revés, mas que seu pesar a persegue como se fosse uma sombra desagradável. O risco é que a desilusão se torne outra ilusão, a de que ninguém é confiável e que nenhum esforço vale a pena, fazendo com que um processo de mortificação se torne cada vez mais presente e crônico na percepção dessa pessoa. Então não basta acordar a pessoa da ilusão, é necessário também acordá-la da desilusão, que, sem dúvida é um trabalho mais difícil. Na quebra da ilusão, o movimento é para baixo, e como diz o ditado, todo santo ajuda, mas para voltar, ou construir um equilíbrio, o movimento é ascendente e são necessários muita vontade e um bom senso de espera, principalmente o tempo de haver um verdadeiro amadurecimento, imune às investidas sedutoras das ilusões.

Andrade de Campos
Enviado por Andrade de Campos em 17/10/2016
Reeditado em 17/10/2016
Código do texto: T5794600
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