O LOBO E AS OVELHAS

Hoje me encontro só. Deixei de pertencer ao rebanho. Excluíram-me do oviário por não suportarem minha insanidade, minhas verdades, nem ruminar meu intragável repasto. Hoje tenho os olhos abertos, vejo o que eles não veem ou não querem ver. Rotulam-me de lunático ao usar o raciocínio e a razão na leitura da existencialidade dos humanoides. Rejeitam minhas ideias e fogem da minha presença como o diabo da cruz. Temem que minha loucura os contamine, abalando as frágeis estruturas da zona de conforto em que se encontram. Não querem abdicar da muleta que os mantém paralíticos e arrimados a uma realidade virtual e opressora, na esperança de alçar um lugar junto à Potestade. Não vislumbram que são apascentados por lobos disfarçados de cordeiros. Confinados no pasto junto às outras ovelhas se satisfazem com a gramínea verdejante, água abundante e a falsa segurança oferecida pelos lobos, a assegurar-lhes o bem estar e a tranquilidade. São felizes e creem na imortalidade como recompensa pela servidão. Cumprem rituais, praticam a solidariedade e cantam louvores à efigie do lobo mestre que os conduzem, jurando fidelidade a seus preceitos, numa psicótica simbiose de adoração à figura abstrata desse criador imaginário cunhado à própria imagem e imperfeição. Me olham de soslaio e sentem pena de mim. Julgam-me perdido, desorientado, louco e sem noção, um pobre coitado que perdeu a razão. Querem me salvar, me socorrer, no anseio de reintegrar-me à mansuetude do rebanho, resgatando-me do vale da insanidade qual alma desvairada caída no abissal do precipício.

Oh dóceis criaturas do rebanho! Quanta bondade! Quanta benevolência! Quanto amor ao próximo! Estão cegos. Não conseguem ajuizar a própria salvação. Não veem que estão alienados a uma falsa ideia de culpa e pecados, a permutar o ensejo do desfrute pleno dessa vida real, por outra após a morte, desconhecida e incerta, enquanto os lobos tosquiam suas lãs. Abnegados e submissos delegam a esse gênio sobre-humano o poder de decidir seus destinos, corroborados numa vã esperança de arrebatamento, enquanto privam-se dos deleites inerentes à natureza biológica dos seres vivos. Acomodados, temem perder as regalias e a importância que lhes atribuem, receosos da punição pela rebeldia de pensar.

Libertem-se criaturas do rebanho. Arrebente as amarras que os prende a esses lobos aproveitadores disfarçados de cordeiros. Rebele-se contra a subjugação oportunista desses aventureiros, rompendo o cordão umbilical que os alimenta e enriquece com a vossa tosquia. Não são iluminados nem representantes de nenhuma deidade, antes, são presunçosos, arrogantes e soberbos. Dos nascidos de parto ninguém traz na testa a marca do enviado a outorgar-lhes o direito e o poder de guiar e decidir o destino dos ovídeos.

Desperte desse torpor anestesiante de resignação, abra as janelas das alcovas obscurecidas de suas mentes e deixe a luz da razão iluminar os cantos empoeirados de seus pensamentos. O universo é uma escola para o aprendiz e o complexo sistema da vida biológica na Terra tem as respostas para dar sentido à vida.

Deixe a dúvida revirar o fundo desse pântano que turva a visão e provoca um verdadeiro caos de impurezas e sujidades, canalizando esse lodo estagnado há séculos por aqueles que vos subjugam, permitindo que as nascentes possam fluir naturalmente, devolvendo à limpidez às águas.

Viver é uma arte que não deve ser delegada a outros atores. Entre em cena e represente seu papel, encarnando o personagem e ocupando seu espaço no palco da existência. Se esquecer o texto ou tiver dificuldade em cumprir o script, improvise, tente, invente, faça algo diferente, mas não permita que outro interprete sua fala. Você é único e insubstituível. Se assumirem seu lugar, seu personagem estará morto. Seja o protagonista de sua vida. Não dispense nenhum papel, seja de herói, bandido, mocinho ou monstro. Construa pacientemente o perfil psicológico de seus personagens, pautando seu desempenho na justiça e na honestidade e verás que nenhum monstro ou bandido o desviará de seus objetivos. No final da peça, quando cerrarem-se as cortinas, repousará o sono dos justos, livre de culpas ou pecados, ciente de que fez o melhor que pode. Se a vida continuar, não terá o que temer, pois representou seu papel de livre e espontânea vontade, sem a ingerência de nenhum tipo de imposição.

Genézio de Abreu Martins
Enviado por Genézio de Abreu Martins em 09/05/2016
Código do texto: T5629743
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