Intenções além das “segundas”

Por diversas vezes ouvi pessoas dizendo que não se deve confiar em outras pessoas, num mundo tão competitivo como o mundo atual, onde vale tudo para se estar à frente, tal precaução não me parece absurda, no entanto, muitas vezes, o motivo de não confiar em outras pessoas está centrado na premissa de que sempre há segundas intenções por detrás de qualquer ação humana. Os utilitaristas que o digam. Porém cabe a pergunta: é possível ações desprendidas de “segundas intenções”? Bom, a minha resposta é “não”.

Calma caro leitor, não sou um utilitarista aproveitador que se aproxima das pessoas querendo apenas aquilo que elas podem me dar. Quando digo que não acredito em ações desprendidas de “segundas intenções” estou apenas ressaltando o desejo que há em cada um de nós, meros mortais, de ser percebido, de ser importante a alguém, o desejo de ser útil a outrem, o desejo de ser amado, o desejo de ser alguém “bom” aos olhos dos demais, porém, não vou negar que há mais diversos tipos de “segundas intenções” que não vale a pena enumerá-los aqui, apenas vale ressaltar, que há tipos de “segundas intenções” diferentes das citadas acima, e estas são demasiadamente imorais, digo imoral no sentido de tratar o outro como um mero objeto útil para que se possa alcançar um fim, pois tal ação desumaniza o outro e a si mesmo, e toda ação que desumaniza o próximo, ou mesmo nos desumaniza, a meu ver é sempre um ato imoral, o difícil é saber separar um do outro, pois assim como temos por detrás de nossas ações sempre “segundas intenções” embutidas, o que cabe a nós é avaliar o que faz o outro fazer o que faz por mim, e tal pessoa é sincera quando faz o que faz? Bom, que coisa fácil de se fazer não é? É óbvio que não é fácil fazer aquilo que se escreve, afinal, teoria e prática sempre teve um relacionamento conturbado, em alguns casos, há até divórcio entre eles. Porém temos de conviver com pessoas, afinal, trabalhamos, estudamos, namoramos, confraternizamos, logo, se trancar num mundo somente nosso não é o caminho viável para se livrar de relações devastadoras, movidas apenas por interesses próprios, alguns inocentemente tem tal pretensão, mas esse não é o melhor caminho, afinal, somos pessoas que precisamos de outras pessoas, somos carentes de afeto, somos dependentes de independência até ficar a sós consigo e não ter ninguém para ouvir o nosso choro, somos amantes do sexo até quando tivermos transado o suficiente para entender que o sexo não substitui o afeto desprendido do sexo, somente aí é que vamos entender que precisamos de algo maior que um mero prazer, e esse algo maior é o afeto do outro.

Que mal há em haver “segundas intenções”? Acredito que tal aversão a isso é devido ao egocentrismo que impera em nossa sociedade, fomos educados a amar a nós mesmos, e a fazer tudo aquilo que nos agrada até o último minuto do jogo, somos influenciados a tratar o outro como um mero objeto, logo, seria impossível não olhar com desdém as “segundas intenções”, porém, acredito que muitas pessoas tem certa aversão as “segundas intenções” por elas mesmas viverem segundo essa premissa de usar o outro sempre em benefício próprio. Daí quando alguém se aproxima delas, o mecanismo de defesa é acionado, e procuram a todo tempo, fazer com que o outro perceba que ali ninguém é ”idiota”, que fulano sabe muito bem se defender de espertinhos utilitaristas.

Mas é sadio uma relação assim? Pessoas usando pessoas e “vice-versa”? Essa competição egoísta vale a pena? Bom, talvez amar o próximo seja mesmo para pessoas “fracas”.

Para atravessar essa ponte não é fácil, e confiar nas pessoas é sempre a última hipótese a se pensar, no entanto, é necessário aprender a diferenciar as ações boas com “segundas intenções”, das ações boas com “segundas intenções” sei o quanto é difícil, até porque não errei o texto, a repetição da frase é proposital, assim como os atos de longe parecem iguais em intenções, a frase repetida parece dizer a mesma coisa.

Porém para que se possa novamente acreditar na possibilidade de confiar no afeto do outro sem o medo do mero utilitarismo, é necessário enxergar entre as lacunas das ações feitas a nós. Como isso é possível? Primeiro, aceitando que toda ação é permeada de “segundas intenções”; segundo, nem todas “segundas intenções” são ruins.

Por exemplo, alguém que faz questão da sua companhia, mesmo quando você não corresponde aquilo que esta espera, isso é diferente de um mero utilitarismo, alguns menos crentes, dirão que fulano persiste em gostar da companhia, porque mantém a esperança de conquistar ou conseguir aquilo que se quer do outro, um equívoco, afinal, que mal tem em ter esperança de conquistar o amor da pessoa que se ama? A não ser que a conquista do outro se atenha apenas ao corpo do objeto amado, ou seja, o outro quer apenas mais uma transa para sua lista. Percebe a dificuldade que é diferenciar ação boa de ação boa-ruim? Um homem apaixonado pode persistir em estar ao seu lado pelo simples fato de estar feliz em te ver feliz, tá sei, isso também é absurdo no mundo promiscuo atual, tudo bem, se prefere acreditar que não há pessoas assim, se tranque no seu mundo, ou se transforme naquilo que você repudia, esse é o grande erro das pessoas, odeiam tais coisas, mas pela fraqueza de espírito passam a praticar aquilo que tanto odeiam, nada mais angustiante do que cair naquilo que se condena.

Em toda ação movida por amor, as segundas intenções ficam em segundo plano.

Esse é o cerne de toda ação: “segundas intenções” são um estímulo para o agir, precisamos apenas identificar se o estímulo do agir é o amor, ou o mero desejo utilitário. Difícil? sim, muito. Uma dica? Comece sempre pelo segundo, geralmente o utilitarista não perde mundo tempo, começar bem é fundamental.

Quando Martin Luther King Jr. declamou um dos seus mais belos discursos (I Have a Dream) sobre o seu sonho de ver uma sociedade sem racismo, e com direitos civis iguais aflorar no seu país, estava sendo movido por “segundas intenções”, porém, intenções inegavelmente boas, e sabe o que o fez persistir em lutar por tal sonho? Ele não estava sozinho... pois este discursava para mais de duzentas mil pessoas que apoiavam a causa.

Não pense que você é o único ou a única que ainda acredita no afeto do outro, tiremos as escamas dos olhos, a promiscuidade nos cegou, mas se tivermos forças, veremos que não estamos sozinhos nessa, e nossas “segundas intenções” são boas, e uma hora ou outra encontraremos mais corajosos dispostos a transporem a linha do mero utilitarismo contemporâneo.

Desistir de amar é abrir mão de ser humano.

Toda ação que desumaniza o próximo, ou nos desumaniza é um ato imoral.

Escrevi movido por "segundas intenções", mas antes de tudo, escrevo por amor as palavras, e na esperança de que elas toquem a sua alma.

Fique à vontade para discernir se tal intenção é uma ação boa ou uma ação boa-ruim.

Abraços!

Luciano Cavalcante
Enviado por Luciano Cavalcante em 12/11/2014
Reeditado em 12/11/2014
Código do texto: T5031895
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