CULTURA E CIVILIZAÇÃO

Luciana Carrero*

Sempre que manifestei-me abordando cultura, em quaisquer canais, tenho encontrado dificuldades de entendimento com pessoas que apresentam uma visão de cultura como se esta significasse apenas erudição, arte, intelectualidade. Estas, muitas vezes até, de formação superior e com mestrado em pedagogia, atuantes no meio do ensino, têm esta visão estreita e comigo debatem ferozmente, dizendo que não posso impor a minha cultura literária, porque nem todos no mundo são escritores, artistas, etc. Nada mais impróprio e desconcertante do que ouvir isso da boca de pessoas que deveriam ter uma visão não popularesca e vulgar de cultura.

Eu nunca falei em cultura como propriedade dos artistas, da erudição, da literatura, da intelectualidade. Falei em cultura, simplesmente como o conjunto de conhecimentos de um povo ou da humanidade, que para mim se traduzem em civilização. E não me detive em explicações, porque não imaginava que havia esta imensa lacuna de conhecimento em pessoas notadamente de uma área de titulados que professam.

Então, senti necessidade urgente de escrever este ensaio, com o fito de esclarecer e até provocar estudos a respeito, já que estão mesmo precisando.

Existe mais de uma dezena de definições respeitáveis de cultura, no universo filosófico e antropológico da humanidade. O termo original que a define tem origem na agricultura, que se refere ao cultivo da terra para produzir alimentos para o homem. Mas a designação expandiu-se de tal maneira a contemplar a civilização no todo e sua estratificação em partes, de acordo com a abrangência do universo estudado. Popularmente é entendida como o conjunto de manifestações artísticas mais relevantes da humanidade, como, por exemplo, a música erudita europeia. Ainda, neste patamar, cultura é também associada a outras altas formas de manifestação artística, como as artes literárias, dentre elas a poesia e mais a música, a pintura, o cinema, as artes plásticas, o teatro. Esta é a visão unilateral vulgarizada e mais fluente sobre cultura, mas não resiste a um estudo aprofundado, onde certamente se incluem e não se descartam a técnica ou científica, a língua, os costumes, os hábitos, a história, as tradições, a medicina, a arquitetura, conhecimentos teóricos e práticos, esportes, religião, sistemas políticos, a própria agricultura, meio-ambiente e a responsabilidade com o manancial de recursos disponíveis, ferramentas, os patrimônios material e imaterial de um grupo, sociedade ou, num sentido amplo, da humanidade. Após a citação acima, socorro-me em Ralph Linton, para ilustrar minha tese, quando diz, textualmente: “como termo geral, cultura significa a herança social e total da humanidade; como termo específico, uma cultura significa determinada variante da herança social. Assim, cultura, como um todo, compõe-se de grande número de culturas, cada uma das quais é característica de um certo grupo de indivíduos”. Ouso dizer que Cultura é Conhecimento e, mais abrangentemente, civilização. E terei milhões de contestações. Mas continuem acompanhando meu raciocínio fundamentado em visões anteriores e em situações atuais.

Na filosofia, a cultura é um conjunto de respostas para satisfazer necessidades e desejos humanos. Cultura é informação, isto é, um conjunto de conhecimentos teóricos e práticos que se aprende e transmite aos contemporâneos e aos vindouros. A cultura é o resultado dos conhecimentos adquiridos e seu melhor uso e isto é civilização, creio. Para Edward B. Tylor, cultura é “o complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Ainda, para ele, a “cultura é um conjunto de ideias, comportamentos, símbolos e práticas sociais artificiais aprendidos de geração em geração por meio da vida em sociedade”. Como podemos ver, estas definições de Tylor complementam e/ou corroboram as que enumerei acima, dentro do meu conceito.

Outras definições de cultura foram realizadas por Leslie White, Clifford Geertz, Franz Boas, Malinowski e outros cientistas sociais. Em um estudo aprofundado, também abordadas por Alfred Kroeber e Clyde Kluckhohn. Trazer todas ao contexto deste estudo rápido seria impossível, pois geraria um livro de 600 páginas.

A partir do século XVIII, a cultura está associada ao conceito de civilização e há autores que consideram que isto a confunde com noções de conhecimento, educação, bons costumes, etiqueta, comportamentos e ideais de elite. Considero absolutamente imprópria esta visão de “confusão”, porque, a bem da verdade universal, que salta aos olhos, conhecimento e os outros itens citados neste parágrafo, vêm a se juntar ao meu estudo, como elementos partícipes inseparáveis de cultura. Talvez a única propriedade que se refere à confusão, é a afirmativa de tratarem-se como ideais e comportamentos de elite. Isto porque todas as camadas sociais participam, almejam e fruem da cultura, na maior ou menor medida em que a recebem.

Hoje, no Brasil, vejo a periferia evoluindo culturalmente, em todos os sentidos, seja através de respaldo governamental em todas as esferas político-administrativas, ou das Ongs, Oscips, Assistência Social e mesmo da iniciativa particular do indivíduo que por ela anseia e a busca, de acordo com seus próprios recursos e critérios, a partir de um renovado cenário de oportunidades.

Cultura é criação. O homem não só a recebe dos antepassados, como também a recria e renova. A cultura é um fator de humanização. O homem só se afirma e sobrevive num recinto grupal de cultura, por mais primitiva que seja. A cultura é um sistema de compartilhamentos que conferem sentido à vida dos seres humanos. Na filosofia, a cultura é um conjunto de respostas para satisfazer necessidades e desejos. É informação, ou seja, conjunto de conhecimentos teóricos e práticos que se aprende e transmite aos contemporâneos e aos descendentes. A cultura é resultante dos conhecimentos adquiridos, e seu melhor uso. E isto nada mais é do que civilização. A Antropologia entende cultura como totalidade de padrões aprendidos e desenvolvidos. Portanto corresponde, neste sentido, às formas de organização de um povo, seus costumes e tradições, transmitidas de geração a geração que, a partir de uma vivência e tradição comuns, se condensam como identidade social.

No contexto pesquisado, “a principal característica da cultura é o chamado mecanismo adaptativo: a capacidade de responder ao meio de acordo com mudanças de hábitos, mais rápidas do que uma possível evolução biológica”. Mas neste aspecto não me deterei, pois foge à particularidade deste ensaio.

Um exemplo de vantagem obtida através da cultura é o desenvolvimento do cultivo do solo, através da qual o pudemos ter maior controle sobre alimentos, evitando a escassez da caça ou coleta. Também foi possível abandonar o nomadismo; daí a fixação em aldeamentos, cidades e estados, onde, de melhor forma, desenvolve-se a cultura como conquista grupal. Assim a cultura cresce na sua própria espiral.

A agricultura também permitiu o crescimento populacional de maneira acentuada, que gerou novo problema: produzir alimento para uma população maior. Mas por sua vez induziu a um novo aumento da população; que pode ser considerado causa e consequência do avanço cultural.

De acordo com a definição de cultura de Tylor, o chimpanzé é um primata que possui cultura. Para Andrew Whiten, Kathy Schick e Nichobs Tolh, os chimpanzés possuem um rico repertório de ferramentas. A técnica de produção de ferramentas, e sua forma de uso, são transmitidas de geração a geração, entre os chimpanzés. Algo semelhante ocorre com os Bonobos. A grande diferença, do ponto de vista antropológico, entre essas duas manifestações culturais, os primatas e o homem mais avançado em civilização, é a de que, entre os primatas não ocorre o chamado efeito cascata, isto é, eles não somam inovações para criar produtos tecnológicos de maior complexidade. Seu processo de difusão da cultura ainda está sendo estudado. É comprovado, também, que diferentes sociedades de chimpanzés apresentam formas de vocalização únicas às suas populações.

E nós, seres humanos do século XXI, o que fazemos da nossa civilização? Particularmente, nós os brasileiros, o que fazemos dela?

Pois é, sobre isto eu falo e arranjo inimigos ferrenhos. O brasileiro, individualmente, pode ser civilizado, em maior ou menor grau. Porém, quando agrupado, forma uma consciência grupal estúpida e grosseira, que a tudo achincalha. Esta faceta o Facebook mostrou-me. A Rede Social revelou a ignorância do brasileiro. E lá todos se expõe e vão desnudando-se aos poucos, sendo possível identificar idênticas ideologias absurdas. E lá os mesmos, despersonalizados, copiam e colam sandices de toda ordem e não admitem contestação, chegando a formar quadrilhas para combater-me por tentar argumentar quanto aos erros de julgamento que apresentam. As chamadas fotos com dizeres absurdos, tendenciosos, a serviço de esquemas destrutivos, pululam na Internet. A contracultura adentra a mente de uma nação despreparada, que não tem condições de debater no campo das ideias e apoia as causas mais esdrúxulas possíveis, em nome de um direito de manifestação assegurado pela democracia. A desordem, por sua vez, toma conta das ruas e já governa o país. Infelizmente, nosso povo não está preparado para aproveitar esta democracia e a coloca em perigo, por atitudes impróprias. As ideologias políticas acusam-se mutuamente, num suposto maniqueísmo entre o bem e o mal, confundindo a população com mentiras, umas sobre as outras.

Estamos num ano de eleição. Atingimos um patamar de civilização invejável, mas parece que a massa não sabe aproveitar. Queriam liberdade mas agora não sabem o que fazer dela. Têm memória curta e muitos plantam a ideia de um regime totalitário. Grande parte deixa-se levar pelo falso moralismo do fundamentalismo e pede grilhões no lugar de liberdade.

O que fizemos com a nossa civilização? Isto tudo e muito mais para destruir. E o que fazemos para construir? Pensam que copiar e colar asneiras no Facebook vai salvar o país.

Apesar da civilização estar aí, escancarada, o povo brasileiro quer voltar às cruzadas ou à idade da pedra lascada. Porque somos um povo incivilizado.

* Produtora Cultural