O VERDADEIRO ARTISTA

O artista está sumindo, o artista que está comprometido com sua arte está cada vez mais difícil de encontrar, esta figura extravagante, animal exótico está em extinção, difuso e diluído entre diversos outros que desesperadamente procuram um lugar de pertencimento, longe de seu lugar autenticamente comum.

O campo das artes confunde, não é simples compreender o que se vê nas linguagens diferentes das artes do mesmo jeito que se compreende as diferenças presentes nos objetos do cotidiano; se vemos um edifício novo ser construído, podemos ter a clara visão do inédito prédio construído com formas ousadas ou materiais diferentes e ter a certeza de que é um objeto contemporâneo, em todos os seus aspectos acompanhando inclusive toda a mudança no entorno das cidades, no entanto, sua elaboração está fortemente ligada aos processos e elementos técnicos, o objeto da arte na sua complexidade atual como artefato do pensamento pode ser confundido e também alvo do descuido justamente por não se levar em conta o sentido de seu conjunto.

Julgar um espetáculo de dança pode ser complicado, para a pessoa leiga, qualquer movimento corporal sem um prévio estudo das composições, sem um estudo dos conceitos, pode ser bailado, é muito fácil enganar e promover uma sessão de giros impossíveis e impressionantes enchendo os olhos dos espectadores, gritos e urros de atores gritando e correndo para lá e para cá atrás de projeções de vídeo com uma cantora de ópera em cima de uma cadeira lançando sons guturais pode muito bem passar como algo diferente e precioso, inovador e vanguardista, no entanto, pode muito bem ser uma farsa.

O artista, o verdadeiro, mergulhado no processo do seu próprio trabalho não se preocupa com o aplauso ou a glamorização como resultado final, mas procura uma maneira como esteartifício pode afetar sua vida, seu intelecto e suas emoções; como é possível ser transformado e reconfigurado a partir da experiência dialética pessoal, ou seja, o foco fica presente no seu componente de investigação e não em si mesmo.

Diz-se que na relação entre imaginário-simbólico-real, a pessoa com problemas psiquiátricos age da seguinte forma: não alcança extravasar seus pensamentos e angústias, porque não consegue simbolizar verbalmente, portanto usa a linguagem não verbal para expor seus anseios; imagino que posso tratar a palavra também como imagem a ser apropriada, independente de sua sintaxe; o artista está neste limite entre a loucura e a sanidade, ele usa a ferramenta da arte como âncora que o fixe na realidade, transferindo para seu suporte essas suas aspirações. Aquilo que é produzido na forja do artista, enquanto está sendo manuseado por ele, somente a ele pertence, ou seja, é um diálogo dele consigo mesmo de dentro para fora e de fora para dentro, o sujeito e o objeto ou o espírito e a coisa que se materializa no suporte, é íntimo e pessoal mesmo que haja tangências e interferências externas ou alheias e no fim a arte morre com ele, deixa de pertencer a si porque vai dialogar de forma também particular com outro expectador, morre a condição primária deste objeto que sobra na ação.

O objeto da arte passa a ser então parte vital para o artista, tanto quanto comer, dormir e respirar sem a qual não encontra sentido em seu processo de vida; o objeto da arte não é um apêndice agregado a ele, mas um órgão externo fundamental à sua existência e o vir a ser será único para cada expectador.

Dessa forma seria uma violência, o artista tratar o seu órgão vital como um objeto de interesse circense, ou esperasse que o contorno que toma este procedimento que o envolve fosse puro entretenimento e como um cão que espera a recompensa ofertada, este esperasse o aplauso.