Amar deve ser também uma sacada de inteligência. Não deve depender somente de arroubos afetivos do coração.
A habituação de amar cristicamente, mesmo que desenvolvida em “cativeiro” e mesmo que se trate de um amadurecimento em “carbureto”, fatalmente vai resvalar adiante em um comportamento natural para os que amam e para os que são amados. Muitos sentimentos e até instintos se aperfeiçoam a partir do hábito.
Pelo esforço de cada um de nós na internalização dos bons hábitos afetivos, todos conseguiremos afastar ou reduzir a educação pela tabuada na sala dos repetentes da escola da vida, que adota todos os métodos pedagógicos, de acordo com as precisões circunstanciais de cada aluno. [E normalmente o cantinho da disciplina nunca se presta à educação conscientizadora.] Consequentemente, doenças, loucuras, vícios, depressões e conflitos intra e inter-relacionais serão cada vez mais escassos e cada vez menos causas de sofrimentos físicos, químicos, emocionais e mentais. Culpas do passado? Ora! Que fiquem no passado! O que vale é se evitar culpas e doenças de causas morais no futuro!
 
Amar-se e amar; fazer amar-se e fazer amar. Essa é a linha.
 
Amar também é amorizar, conforme pregava Irmã Dulce. Educar o outro para amar a si mesmo e aos outros pode ser a melhor ajuda.
É quando amar é dar parte de sua energia afetiva para o outro e valorizando também a eventual energia afetiva recebida do outro. Ceder energia é amar e amar-se, já que a energia interior mobilizada para a cessão passa inicialmente por dentro de todos os seus próprios corpos.
Especialmente nas relações permanentemente mais íntimas e de mesmo nível, que cada lado tome a iniciativa não de se dirigir logo ao outro para ajudar. Antes, perceba-se previamente que a melhor diretiva é um cuidar do outro. E o segredo está em sugerir ao outro esse mesmo compromisso. Só sugerir. Mas, a partir de então, que o “sugestionador” comece a dar exemplos cada vez mais influenciadores dessa diretiva, nunca esperando do outro o mesmo diapasão. Este virá por si só, quando menos se esperar. O importante é amar-se e amar o outro.
 
"Cada um quer que o outro o ame, mas não leva em conta o fato de que amar é querer ser amado e que assim, querendo que o outro o ame, a pessoa só quer que o outro queira ser amado por sua vez (...) Daí a perpétua insatisfação do amante." - Jean Paul Sartre, em seu livro “O Ser e o Nada”.
 
Mas... e se o suposto necessitado resiste formalmente a receber qualquer ajuda? Neste caso, amar pode passar a ser marcar de vez em quando a presença nas cercanias do outro. Presença física, que pode ser por um beijo, um caloroso abraço ou um afetuoso aperto de mão, um despretensioso diálogo, um incentivo, um elogio, uma história, um “causo”, um dedinho de prosa que seja. Presença sentimental, através de pensamentos, preces, boas lembranças, uma carta, um “torpedo”
[1], um e-mail ou qualquer meio que avise ao outro: “estou pensando em Você.”
 
Por um viés final, inversamente, ajudar é deixar-se também ser ajudado. É reconhecer que Deus muitas vezes atende a nossas preces com o incentivo de alguém que a gente acha até um “chato”, e talvez seja mesmo. Mas esse “antipático” pode ser o emissário que Deus nos enviou, não necessariamente por ser ou estar momentaneamente melhor do que nós. Ele pode estar também precisando da ajuda de ajudar para ser ajudado.
A melhor redenção em relação a erros do passado é fazer o bem no presente, sem olhar a quem. Pode não ser nada pessoal.
É necessário que venha o bem, e feliz daquele por quem venha o bem. Jesus não disse essa frase com essas palavras, mas todo o seu evangelho está recheado de exortações nesse sentido, oposto aquel’ outro sobre a necessidade do escândalo (o mal), também como via de cumprimento da lei do progresso. [É equilibrante saber que também há o autobem (bem praticado de caso pensado e autoconsciente) e o heterobem (bem praticado por influências alheias, laterais, anteriores, superiores ou ulteriores).]
A tônica não é que ninguém seja um inesgotável poço de piedade, não. A propósito, ajudar não é nenhum favor. Ajudar é a forma positiva e mais aceleradora de se cumprir a lei do progresso geral e individual. Do contrário, Jesus não teria sustentado essa ideia em toda a sua jornada terrena, não é mesmo? Ou Você, seguidor convicto do Cristianismo, vai questionar o seu primeiro grande líder fundador? [Nunca é demais frisar que todo o discurso de Jesus não tem a ver necessariamente com o Cristianismo sistematizado após a sua morte. E a expressão “primeiro grande líder fundador” é usada aqui de propósito, porquanto o Cristianismo, como sistema religioso, foi fundado por Paulo de Tarso, ainda que só oficializado por Roma em 380, bem depois da morte do próprio Paulo, e mesmo assim misturado com dogmas judaicos e costumes pagãos.]
 
Às vezes, um necessitado só desperta sentimentos altruísticos alheios quando já está na indigência social, moral ou afetiva, quando não tem mais forças para clamar qualquer ajuda. Ou então quando já se comporta fora dos padrões tidos como normais, quando já está perturbando a “boa ordem” ambiental. Só então alguns resolvem parar seu ritmo de vida intenso, para ver o que eventualmente pode fazer para dar uma “ajudinha”. Fazer o quê, não é? Essa é uma cultura milenar.
Porém, mesmo na pior situação, ninguém está totalmente só. Uma janela, uma luz no fim do túnel, uma mão amiga, uma injeção de esperança sempre estão ao redor de cada andador em dificuldade. Ninguém pode alegar falta absoluta de condição para reiniciar um crescimento de onde se está, mesmo que se esteja na sarjeta mais baixa de sua existência.
Muitas vezes, quando um necessitado extremo não espera mais nada da vida, mas também não desespera, pode ser “soprada” alguma intuição de iniciativa solidária para um passante ou restante que o vê mais detalhadamente. E então uma “boa alma” resolve parar e observá-lo melhor, para atender ao “chamado”. É como se o próprio Cristo, protetor também dessa gente preconceitualmente “incapacitada”, rogasse a um passante ou a outro: “faça por ele como se fosse por mim”. E não ache V. Sa. que isso é mera força de expressão inspirada apenas no samba “Antonico”, de Ismael Silva, não. Em verdade, foi Jesus mesmo quem certamente inspirou o poeta, quando dissera: “tudo que fizerdes ao menor dos meus irmãos é a mim que estareis fazendo” (Mateus, 25:40).
[Mas aí eu quedo a pensar: será que estou sendo mais melodramático do que realista? Que é que Você acha?]
 
- Passante, não tenha um conceito muito estreito em relação à sarjeta, não. Ela é mais larga e vária do que imagina sua filosofia de vida.Voafra, contadora de histórias e interna do Abrigo D. Pedro II, em Salvador, numa tarde dominical de 2006, enquanto segurava um livro em que as capas estavam abertas e voltadas para ela e as páginas, voltadas para Você.
 


[1] Atenção, leitor do futuro (talvez de depois dos anos trinta ou quarenta)! “Torpedo” era um tipo de mensagem curta que se mandava para alguém através do chamado “telefone celular”, aqui no início do século. Não tem nada a ver com guerra.
Josenilton kaj Madragoa
Enviado por Josenilton kaj Madragoa em 17/03/2011
Código do texto: T2854581
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