A HIPÉRBOLE DA VIDA
Sabotado por: Angelo Magno



No início da década de noventa, estreava no Brasil a série animada “O Fantástico Mundo de Bobby” (Bobby’s World – Howie Mendell, EUA, 1990) que contava as histórias cotidianas de um garotinho em sua aventureira descoberta do mundo a bordo de seu inesquecível triciclo vermelho. Em uma das inusitadas situações em que o garoto tenta imaginar o mundo dos adultos, me recordo de quando ele ouve o pai, Howard, falar sobre a queda das bolsas de valores, fazendo uma clara alusão a segunda grande crise das bolsas de valores americana em Outubro de 1987. O pequeno protagonista, no auge de sua inocência, imagina milhares de bolsas de mulher caindo dos céus sobre casas, carros e pessoas, causando “sérios” transtornos à população. Este curto episódio, retratado em um antigo desenho infantil, acaba por flagrar um dos principais fundamentos do fantasioso sonho americano – o sucesso profissional.

Como em qualquer cultura pop, esta também produz seus ícones, cases de sucesso, como Charles Schwab, fundador e chairman da Charles Schwab Corporation, cuja fortuna foi estimada em U$ 4.7 bilhões, ou Richard Whitney, presidente do New York Stock Exchange, fez negócios com valores em torno de U$ 1 bilhão não se sabendo ao certo o tamanho de sua fortuna, ou ainda Jesse Livermore, “O Grande Urso de Wallstreet”, investiu U$ 50 mil e lucrou U$ 54 milhões em especulações na bolsa. Seus nomes desfilam nos corredores acadêmicos e no imaginário dos aspirantes a milionários.
 
Obstantemente ao american dream está o substantivo “sucesso” que é formado a partir de dois termos latinos, sub (por baixo de,) e cedère (caminhar, acontecer, vir, ir, ocorrer), que por síncope, subtraiu-se o “b” formando o verbo “suceder”. O sucesso se refere ao fato ocorrido (cessum), isto é, aquele que caminhou, que foi junto, que serviu de exemplo, educou, inspirou. Sucesso não é algo que se conquista para si, mas que se transfere (ceder), isto é, tem no relacionamento sua base fundamental. A riqueza do sucesso, portanto, não está no alcance e no êxito, mas na jornada e no processo, não é uma busca individual, mas uma construção coletiva, não vale a pena subir na vida escalando uma montanha de cadáveres.
 
O pequeno Bobby não entendeu os enormes percentuais de queda no Índice Dow Jones porque os valores necessários para compreender tal realidade provêm de fantasias adultas, estranhas aos códigos de honra infantis. Com o passar dos anos perdoamos menos, toleramos menos, choramos menos, em contrapartida, cobiçamos mais, invejamos mais, traímos e aprendemos que a vida não se sustenta com abraços, beijos, cores e odores, mas com bens e serviços, perdemos a capacidade perceber o intangível e materializamos a felicidade – pobres adultos que somos – o que entendemos por vida é na verdade uma hipérbole que se resume a trabalhar, comer, dormir e morrer.






Estocado em: ENSAIOS
Leia também: O REFÚGIO DO COMPLEXO