Pequenas Coisas - Lição 2

Segundo alguns psicólogos, a pré-adolecência é a fase mais frágil da formação de um ser humano na atual sociedade. Como se não bastassem as complicações de ver seu corpo se modificar enquanto seu cérebro é invadido por uma desgovernada torrente de hormônios que provocarão diferentes reações químicas em suas sinapses –as quais lhe levam a extremos emocionais muito desagradáveis- você ainda precisa lidar com grande mudanças sociais.

O mundo não é mais tão simples quanto costumava ser. Os carrinhos e os bonecos do Max Steel se tornam, além de desinteressantes, vergonhosos –o vídeo-game não, nunca. Você precisa se livrar do estigma de ter sido uma criança. A sua infância se transforma na maior das desonras, e por isso se sua mãe aparecer na sua escola te chamando de ‘meu bebê’, você tá ferrado, amigo –aconteceu comigo.

É principalmente nessa fase que as meninas passam a olhar os meninos, e você, enquanto menino, precisa se mostrar para elas. A principal necessidade é aparentar ser como um daqueles caras legais das séries mais avançadas.

E embora essa informação não seja cientificamente comprovada, eu ouso afirmar que uma das mais eficazes maneiras de parecer um cara legal é fazendo os outros parecerem perdedores. Além da explicação básica da comparação –comparado com nerd tachado de idiota, o brutamontes acéfalo capitão do time de futebol americano do filme parece ser um cara muito legal- existem alguns detalhes mais sutis. Isso é bem fácil de se entender, basta que se explique com uma lógica bem simples:

Se você fala demais, eles te zoam.

Se você fala pouco, eles te zoam.

Se você ri muito alto, eles te zoam.

Se você nunca ri, eles te zoam.

Se você é muito amigo das meninas, eles te zoam.

Se você é mal visto pelas meninas, eles te zoam.

Se você é muito burro, eles te zoam.

Se você é muito inteligente, eles te zoam.

Se você é bonzinho demais, eles te zoam.

Se você é mal, eles te temem.

Se eles te temem, você não é zoado.

Se você não é zoado, você é um cara legal.

Então se você for mal, se você for o que zoa, você tem seu lugar garantido. Claro que o candidato a ‘cara legal’ precisa ter o mínimo de bom-senso para colocar isso em prática. Além de escolher bem suas vítimas, ele precisa ter meios de garantir seu lugar como ‘pesadelo dos fracos e oprimidos’. Para isso, ele precisa ser pelo menos um desses:

a) Forte, para intimidar os alvos;

b) Carismático, para exercer influência e liderança, induzindo os caras fortes a intimidarem seus alvos;

c) Rico, para ter um bando de caras fortes nos seus pés como bons puxa-sacos, e esses caras serão facilmente induzidos a intimidar seus alvos.

d) Bonito, para viver cercado de garotas, e assim atrair a amizade dos caras fortes que também querem ficar com a garotas, e assim induzi-los a intimidarem seus alvos;

O Renato era tudo isso, o que o tornava automaticamente o ‘pesadelo-mor dos fracos e oprimidos’.

Ele era o melhor jogador de futebol da sala, além de ser o melhor em todos os outros esportes também. Tinha uma situação financeira bem estável, como a maioria dos que estudam em escolas particulares. Era muito popular, até com gente de outras séries, e vivia cercado de bajuladores. Todo mundo queria ser amigo dele. Ele era divertido, ao que me consta... Ou pelo menos parecia ser, uma vez que sempre riam das piadas que ele fazia a meu respeito – muito embora eu não visse graça alguma.

As garotas o apelidavam carinhosamente de ‘TDB’ (uma sigla muito original, e significa ‘tudo de bom’, para quem não sabe). Viviam comentando sobre como ele era bonito e pedindo para ele ficar com elas na hora do intervalo.

E bem, ele era bonito mesmo. Por causa da prática de esportes, seus músculos se desenvolveram bem. Ele era alto, forte e tinha pernas muito torneadas. Sua pele era morena, muito bonita, sem espinhas e imperfeições. Olhos castanhos claros, e cabelos negros bem curtos, geralmente espetados para cima graças ao efeito do gel. Os traços dele eram bem harmoniosos e masculinos , e ele ainda tinha uma pequena argola na orelha esquerda. Aquele brinco dava um ar de Bad Boy a ele, algo que as meninas pareciam adorar, e fazia ele parecer mesmo muito legal, além de mais velho... Algo que pelo jeito encantava muito as garotas e aumentava sua legião de fãs.

Normalmente, o pobre nerd poderia dizer “pelo menos eu tenho neurônios”.

E aí estava mais um problema, que ajudou e muito a empurrar ainda mais minha auto-estima para o abismo: Pasmem, ele tinha neurônios também.

Ele era excelente em ciências e matemática, quase que um gênio. A única pessoa que conseguia manter notas superiores às dele na sala era eu. E eu tenho certeza que isso o ajudou a me escolher como sua principal vítima. E eu posso garantir a vocês: ninguém queria ser vítima dele.

Apesar de todo o carisma que ele detinha, havia algo que eu podia enxergar nos ditos amigos dele. Algo além de admiração e da vontade de ser como ele.

Era medo.

Ele era muito temido, e não era à toa. Seu temperamento era muito instável, e por isso até seus amigos ficavam meio pé atrás com ele. Ele perdia a calma por besteiras, e quando perdia, partia logo para agressões físicas. E ai de quem tivesse feito perder aquela bola bem na cara do gol...

Mas o pior mesmo era quando ele perdia a calma por nada. Às vezes ele apenas se sentia entediado e procurava o primeiro otário para atazanar, humilhar ou agredir. Descontar a tensão, sabe? No caso, geralmente o otário era eu.

E eu, pequeno, magricela e sem amigos não podia fazer nada para me defender, além de aguentar e tentar manter intacto pelo menos o resto do meu já despedaçado orgulho.

Ir para a escola era a pior coisa do mundo para mim, pois eu sabia o que me esperava. Mas como não tinha jeito, eu sabia o que ia acontecer e estava conformado com o fato de não poder fazer nada para impedir, restava-me apenas ficar pensando em maneiras de aguentar melhor meu suplício.

Umas das maneiras mais eficientes que encontrei (eficiente não por ter melhorado algo, mas apenas por ter me impedido de me matar) foi utilizar-me de técnicas psicológicas para fazer minha realidade parecer mais suportável.

E foi assim que eu inventei algo sobre Roberto. Na minha mente, o motivo para eu apanhar na escola era um pouquinho mais sublime, difícil de se notar e compreender do que o óbvio. O que parecia ser um simples prazer sádico ao se ver enaltecido ante o sofrimento de um semelhante supostamente inferior, acabou por refletir, aos meus olhos, em uma insegurança profunda por parte do agressor.

Foi assim que eu criei a conclusão de que o Renato na verdade tinha inveja de mim.

E foi só depois de alguns anos que eu notei que eu estava certo com relação a isso... Mas algumas coisas precisam ser explicadas antes de que eu possa entrar em detalhes com relação a isso. Para eu descobrir isso sobre o Roberto, precisei entender coisas sobre mim mesmo antes.

Ryoko
Enviado por Ryoko em 09/09/2009
Código do texto: T1800177
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