LICENÇA POÉTICA

No meu texto sobre poesia, em que abordei questões como métrica, ritmo e rima, um dos leitores (Dante) comentou a ausência de um tema: a licença poética. Ela consiste na liberdade que tem o artista de quebrar as regras gramaticais ou poéticas (com rimas não muito boas, com sobra ou falta de sílaba nos versos e até com palavras "indecentes" em tempos de rigidez moral).

Não me estenderei muito explicando o que é licença poética. Prefiro citar exemplos bem presentes no dia a dia.

Como primeiro exemplo vou citar o jingle criado pelo trio Sá, Rodrix e Guarabira, que até hoje caracteriza os comerciais da Caixa Econômica Federal. Diz o seguinte: "VEM PRA CAIXA VOCÊ TAMBÉM. VEM." As norma quebradas foram duas. A primeira é a transformação de PARA A em PRA, com o objetivo de diminuir as sílabas poéticas e caber na melodia. A segunda é a questão da pessoa verbal: VEM é a forma imperativa para TU. "VEM PRA CAIXA TU TAMBÉM". Faltaria uma sílaba para encaixar-se na melodia. Para aumentar uma sílaba, trocou-se o TU por VOCÊ (que pede o verbo na terceira pessoa [venha]). Ficou perfeita a métrica.

Outro exemplo é uma música interpretada por Aguinaldo Temóteo, chamada "O GRITO". Tem uma frase que diz: "Morro até só em pensar". São necessárias sete sílabas poéticas para preencher a melodia. Se a frase fosse: Morro só em pensar, faltaria uma sílaba poética. Essa sílaba foi arranjada com a palavra ATÉ. Mas ATÉ não tem duas sílabas? Tem, mas quando soma à palavra MORRO (MORRATÉ, ou MÔRRUA-TÉ), o "A" de até se junta ao "O" de morro e formam um única sílaba poética.

Um outro exemplo está numa música interpretada pelo cantor Roberto Carlos. Nome da música: QUERO QUE VÁ TUDO PRO INFERNO. O trecho diz: "Quero até morrer do que viver assim". Se fosse haver correção gramatical, poderia ser: "É melhor morrer do que viver assim", ou ainda "Quero até morrer, mas não viver assim". Mas o Rei da Jovem Guarda preferiu usar a lilença poética. E quem somos nós, súditos, para contestar o rei?

Vou citar mais um exemplo: A música PRINCESA, de Amado Batista. Há dois versos que "rimam" da forma abaixo:

Princesa, a musa do meu pensamENTO

Enfrento a chuva, o mau tEMPO

Tempo não rima muito com pensamento, mas confesso que a música saiu bonita. Para mim, "Princesa" é uma das mais belas composições interpretadas por Amado Batista.

Creio que ficou fácil saber o que é licença poética, não é mesmo?

António Fernando
Enviado por António Fernando em 22/08/2009
Reeditado em 24/08/2009
Código do texto: T1767843
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