CRISANTEMPO de Haroldo de Campos: A Parafísica dum Tesseract Poético
CRISANTEMPO: A Parafísica dum Tesseract Poético
Jairo Nogueira Luna (Jayro Luna)
Resumo: Nesse artigo se analisa o livro de poesia Crisantempo, de Haroldo de Campos. Busca-se demonstrar a importância dos conhecimentos em física para a confecção e para a leitura dos poemas. Em Haroldo de Campos a física moderna é vista como a ciência que apresenta conceitos estranhos ao senso comum referentes às noções de dimensão, tempo e espaço. Na poesia haroldiana esses novos conceitos são elementos que interferem no processo de composição poética, em que o que antes na sua poesia era definido como visualidade e concretismo, passa agora a ser parte integrante de um processo de superação da fisicalidade do signo lingüístico. Este é inserido num universo de visualidade poética que compreende uma virtualidade para além das possibilidades do olhar no mundo de três dimensões de espaço e uma de tempo.
1.Introdução:
Crisantempo, livro de poesias de Haroldo de Campos (Col.Signos 24, Ed.Perspectiva, 1998) é desses volumes que de imediato chama-nos a atenção pela beleza da produção gráfica bem como pelo fato de vir acompanhado de um cd em que o poeta declama 21 dos poemas do livro. Neste breve artigo pretendo de forma ousada para uns, descuidada para outros mostrar um dado que parece tem sido relegado ao segundo plano, que é a questão da associação entre poesia e física na poesia de Haroldo de Campos, e mostrar ainda, como essa relação é mais do que simples metáfora de uma bela maneira conotativa de tratar da poesia multicultural e plurissignificativa de Haroldo, quando, na verdade, acreditamos que a poesia de Haroldo de Campos constrói um universo em que o conhecimento da moderna física acerca de tempo, espaço, energia e matéria é transformado num conjunto de parâmetros para uma poética que supera a noção tradicional de linearidade e mais, a própria noção concretista – de que o poeta foi um dos fundadores – de visualidade.
O livro vem com 23 ilustrações. São fotos com tratamento que imita a descoloração das antigas fotos em preto e branco e compõem um ilustrativo panorama visual das múltiplas preocupações do poeta. Um poema visual japonês, uma gravura do Rei Davi, outra pintura retratando a tabuinha e o estilete da escrita da antiguidade greco-romana, uma pintura de Jan Van Eyck, o autor com Lady Bi (uma gata que com os olhos brilhantes faz uma analogia visual com os olhos do poeta, também bem abertos, insinuando a visão caçadora do felino que vê na escuridão) e uma foto de Carmen de Arruda Campos.
Sob o tópico das fotos gostaria de observar que a da capa – que se repete no frontispício, nas 21 seções de poemas e na abertura das notas com variações de luz – é a de um crisântemo num prato de porcelana decorada com motivos em xadrez e ornamentos de leve estilo barroco – alude à flor que representa o exótico e o orientalismo . A ilustração é uma versão do poema “Parafísica”, que, conforme se lê na entrevista dada a Ricardo Araújo , foi dedicado ao professor e físico Mário Schenberg. Na versão trabalhada para o livro de Ricardo Araújo a flor é substituída por uns círculos concêntricos azuis escuros com um ponto negro ao centro, sugerindo tanto a forma de uma galáxia quanto a provável existência de um buraco negro no seu centro. Nas duas versões vem inscrita a frase/lema: “No espaço curvo nasce um Crisantempo”. Índice já capital para desconfiarmos do quão importante os conceitos físicos modernos são para a poética de Haroldo.
2. Uma dimensão do Crisantempo em 1998 d.c.
Affonso Ávila escreveu um artigo sobre a obra em questão de Haroldo para o jornal Folha de São Paulo, num estilo de paródia da escrita cultista barroca. Nesse artigo o crítico apresenta de imediato a Gregório de Matos como o grande poeta do passado que inicia a série poética em que, na visão de Affonso Ávila, colocam-se lado a lado o próprio Affonso Ávila, João Cabral e Haroldo de Campos. O crítico diz ser Haroldo um poeta que escreve de uma forma culterana que elevaria sua poesia ao nível de entendimento que exigiria um grande conhecimento de elementos próprios da poesia hermética, não tanto pela dificuldade em se obter informações a respeito dos elementos utilizados, mas principalmente pela diversidade e pela forma como essa diversidade é arranjada na obra .
Além de citar um ecumenismo, Ávila aponta na poesia de Haroldo um certo amor cortês, típico do cancioneiro medieval, que se expressa principalmente na seção “Cármina”, série de poemas que aludem à figura de Carmen.
Carlito Azevedo também escrevendo para o mesmo jornal, analisando a poesia de Crisantempo, aponta esta característica que transforma Haroldo num poeta de todos os lugares do mundo .
Suzanna Kampff Lages anunciando num artigo o lançamento do livro em 13/09/1998 no Estado de S.Paulo, aponta também esta característica haroldiana de produzir uma poesia que interliga diversas culturas, destacando a autora que a vertente hebraica na poesia de Haroldo estaria em destaque. Poderíamos pensar numa espécie de poesia que reproduziria poeticamente a diáspora, só que não propriamente judaica, mas a diáspora da poesia brasileira pelo mundo, buscando numa volta no tempo algumas das raízes que formaram sua cultura: greco-latina, japonesa, americana, portuguesa e judaica .
Régis Bonvicino é outro que analisando este livro de Haroldo de Campos aponta nessa poesia um caráter ecumênico relativo a essa integração de culturas numa dimensão que elide espaço e tempo . O crítico ainda destaca na poesia haroldiana uma recuperação de aspectos formais que estavam presentes na poesia de João Cabral de Melo Neto, principalmente os elementos de caráter metalingüísticos, porém, parece-nos que tal destaque cabralino não deve ser colocado como característica de primeiro plano na obra de Haroldo de Campos, creio mesmo que na poesia haroldiana esses elementos que o ligam à poética cabralina também permite com que pensemos em Mallarmé, em Ezra Pound, em E.E.Cummings, que parecem estar mais referenciados nos poemas do que o poeta de “Psicologia da Composição” e “Antiode”.
Para Aurora Fornoni Bernardini a poesia multiculturalista, ecumênica, de viagens entre culturas de Haroldo de Campos pode ser comparada à viagem de Dante pelo mundo espiritual .
O que quero observar é que a poesia de Haroldo tem esse aspecto multiculturalista, transcultural, tem essas ligações espaciais e temporais com outros poetas e poéticas de um modo que não é apenas a necessidade totalizante de um poeta que se queira detentor de uma cosmologia do verso, mas é também fruto, creio – por estranho que possa parecer – desenvolvimento das proposições verbovocovisuais da poesia concreta, muito embora, tenhamos a clara impressão de que Haroldo agora reduz suas pesquisas de palavras explorando o branco da página a algumas escolhas de elementos tipográficos – como no poema “Anaflor” da seção “gatimanhas e felinuras” de Crisantempo -, ou ainda, a utilização de alguns ícones tipográficos ao lado dos grafemas – como no poema “Satirália: Roque à maneira dos Titãs” da seção “Xênias: finezas e grossuras” -, e em raros momentos utilizando-se de uma disposição que quebra com a linearidade discursiva da escrita ocidental – como o poema “do zenrikushu compilado pelo monge eicho” da seção “zen” em que a leitura se faz na vertical como a escrita ideogrâmica. Pois minha hipótese é de que existe mais ainda, o poeta não abandona o tópico da espacialidade na página pelo verso mas sim, passando a um novo grau da concepção de espacialidade e visualidade chegamos à poesia que ora se apresenta em Crisantempo, mas que já vem nesse tom em A Educação dos Cinco Sentidos e que se insinuava em Signantia Quase Coelum.
3. O Espaço Curvo:
Em entrevista dada a Ricardo Araújo e publicada no livro Poesia Visual: Vídeo Poesia , Haroldo de Campos respondendo à pergunta sobre o poema “Parafísica” explica-nos o sentido do título bem como o fato do poema ser dedicado a Mário Schenberg:
“Bem, o meu poema “Parafísica” procura metaforizar uma das idéias mais fecundas do professor Schenberg: a de que uma das dimensões da física do futuro estaria em explorar outros aspectos, ligadas à psicologia e à biologia. Dessa forma, a física daria aquele salto que a química já deu, mas que no entanto no campo da física ainda não tinha ocorrido, abrangendo áreas de matérias que estão no domínio da chamada ‘parapsicologia’. Esta, para Mário Schenberg, não era bem ‘parapsicologia’, mas sim uma ‘parafísica’, ou seja, fenômenos não matéricos, da ordem da materialidade, que nada têm de transcendentais, ou espiritualistas, e que poderiam ser campo de uma série de pesquisas ligadas à física, em especial à Física Quântica.”
As relações entre literatura e ciência em muitos momentos da história estiveram em pauta. Tais relações não se deram somente numa direção de mão única, mas foi um comércio recíproco de idéias e conceitos, que mesmo nos campos mais distintos ocorreram transformações analógicas desses conceitos duma área na outra. Assim, por exemplo, durante o chamado realismo do século XIX eram nítidas as influências de Ernest Renan e Augusto Comte tanto na ciência quanto na literatura. Se voltarmos mais no tempo, podemos encontrar no maneirismo e no barroco a arena em que teocentrismo e antropocentrismo debatem-se no espírito do artista de modo que tanto um como outro saem modificados do infausto litígio. No nosso século, já no começo, se observarmos o Futurismo, veremos artistas maravilhando-se com a tecnologia, a mecânica, a eletricidade. Um livro recente de divulgação científica, do professor de física teórica do City College de New York, Michio Kaku , em determinado capítulo busca demonstrar como uma consciência de percepção do mundo desenvolve-se conjuntamente tanto na arte quanto na ciência:
“Os anos de 1890 a 1910 podem ser considerados os Anos de Ouro da Quarta Dimensão. Foi a época em que as idéias originadas por Gauss e Riemann permearam os círculos literários, a vanguarda e os pensamentos do público em geral, afetando tendências na arte, literatura e filosofia. (...)
Os pintores abstratos tentaram não só visualizar os rostos das pessoas como se pintados por um ser quadridimensional, como também tratar o tempo como a quarta dimensão. Na pintura Nu descendo uma escada de Marcel Duchamp, vemos a representação borrada de uma mulher, com um número infinito de imagens superpostas ao longo do tempo à medida que ela desce as escadas. É assim que uma pessoa quadridimensional perceberia as pessoas, vendo todas as seqüências de tempo simultaneamente caso o tempo fosse a quarta dimensão.”
(KAKU, Michio. Hiperespaço. Rio de Janeiro, Rocco, 2000. p. 81 – 84)
Hoje livros de divulgação científica com razoável freqüência disputam a lista dos mais vendidos, como foram os casos de Uma Breve História do Tempo, de Stephen Hawking; O Romance da Ciência, de Carl Sagan ou O Universo Inflacionário, de Alan H. Guth. No Brasil temos até um autor nacional destacando-se nessa área: Marcelo Gleiser, Retalhos Cósmicos. Nesses livros o autor leigo pode tomar contato com os conceitos que estão sendo discutidos na ciência moderna. De como nossas concepções usuais de realidade, matéria, tempo, causalidade, energia estão sendo abaladas pelos recentes experimentos e teorias do campo da física quântica e da relatividade. Michio Kaku, por exemplo, expõe sobre uma das mais polêmicas e promissoras teorias físicas, a das supercordas, supostas fibras cuja existência só é concebível num universo n dimensional, que através de suas vibrações causariam no nosso universo tridimensional de espaço efeitos que para nós seriam entendidos como sendo as partículas subatômicas que compõem a matéria. Sobre as relações da física com a “parapsicologia”, digo, “parafísica” basta lembrar dos livros de Fritjof Capra, como O Ponto de Mutação ou ainda O Tao da Física.
Pois muito bem, feita essa digressão pelo campo editorial dos livros de divulgação científica, cuja intenção é demonstrar como a ciência moderna tem se tornado um campo fértil de discussões sobre nossa percepção de mundo e de como é relativamente fácil tomar contato com tais discussões hoje em dia, podemos ousar um pouco, e tentar encontrar se tais conceitos podem estar sendo utilizados pela arte, literatura, poesia... Se isto representa alguma modificação na concepção estrutural da obra e que reflexos e modificações tem causado. Creio que a poesia de Haroldo de Campos é exemplar para essa demonstração.
Haroldo de Campos, na referida entrevista a Ricardo Araújo, observa que a versão do poema em vídeo, resultado do trabalho conjunto com o entrevistador, permite ver o poema como “uma espécie de buraco negro” em que “nasce uma flor-espaço-temporal” que é o “‘crisantempo’: flor que não existe em nenhum livro de botânica, mas que passa a existir agora no imaginário da poesia brasileira.” Mais adiante, o poeta fala da sua preocupação em ter conseguido colocar no poema o rigor “da Engenharia, da Física”.
“Parafísica” é um poema visual, está ligado aos conceitos da poética concretista. É um poema verbovocovisual na melhor acepção da palavra, daquele Concretismo que quando decretava o fim do ciclo histórico do verso imaginava uma poesia que dispusesse de todas as possibilidades do universo tridimensional, mesmo que em princípio – a página do livro – fosse bidimensional. Lembremos das experiências de Augusto de Campos e Julio Plaza em Poemóbiles, em que as palavras saltavam das páginas como aqueles castelinhos de livros infantis.
Uma das obras mais citadas pelos físicos para explicar como seria um universo que tivesse mais dimensões do que três de espaço e uma de tempo é um obscuro livro de literatura: Flatland: A Romance of Many Dimensions by a Square, do clérigo Edwin Abbot, 1884, então diretor do City of London School. Resumidamente a obra trata de um mundo imaginário – Flatland -, em que só existem duas dimensões de espaço. Portanto lá tudo é literalmente chato, isto é plano, sem volume. Nesse mundo, um indivíduo chamado Mr. Square tenta explicar aos outros seres daquele lugar uma estranha experiência que lhe ocorrera: Recebera a visita de uma espécie de entidade, Sr. Sphere, ser de difícil percepção pois ele mudava de forma continuamente, desaparecia sem explicação de sua vista e aparecia como que por encanto em outro lugar. O Sr. Sphere mostrava a Mr. Square por meio de experimentos indiretos que existiam mais do que duas dimensões, coisa inconcebível para um ser de Flatland. Esses desaparecimentos e aparições misteriosas só poderiam ser explicados fisicamente através de uma dimensão adicional e O Sr. Sphere chega a levar Mr. Square para Spaceland, um mundo tridimensional. O problema é que Mr. Square só consegue ver bidimensionalmente e tudo o que ele vê em Spaceland são círculos, quadrados, retângulos e formas irregulares que surgem e desaparecem num ritmo frenético à sua volta. Voltando à Flatland ao contar o ocorrido, Mr. Square é encarcerado e considerado um louco, termina assim em tom pessimista a obra do clérigo Abbot.
Para nós, é semelhante à tentativa de perceber um universo que contenha mais do que as três dimensões de espaço que naturalmente percebemos. Mas a verdade é que a física tem diante de si, nos últimos tempos, uma série de ocorrências experimentais que são de difícil compreensão a menos que se admita a existência de dimensões adicionais, como é o caso da chamada “não-localidade”, ou do estranho fenômeno que liga duas partículas distantes no espaço sem nenhum motivo aparente ou qualquer causa que obedeça a racionalidade cartesiana e euclidiana.
A chamada curvatura do espaço, idéia que fora proposta por Einstein, teve confirmação experimental na análise do desvio que a luz de uma estrela distante sofre ao passar próxima a outra estrela antes de chegar até nós. Os corpos de grande massa têm a capacidade de curvar o espaço e essa é uma das explicações para uma série de efeitos gravitacionais. O buraco negro seria uma região do espaço em que a densidade é tal, fruto de uma estrela em colapso, que o espaço seria curvado de tal modo que perfuraria nossa tridimensionalidade.
O Concretismo, numa analogia com a bidimensionalidade de Flatland, é a tentativa de Sr.Sphere em fazer poesia no mundo de Mr.Square, tentando demonstrar aos poetas da linearidade o fim do ciclo histórico do verso. Os melhores resultados em termos dimensionais são conseguidos através da tela do vídeo, do computador, ou de coisas como a holografia e os poemas em papel, tridimensionais, de Poemóbiles. Quando da comemoração dos trinta anos do Concretismo, a própria tríade fundadora do movimento – Os Campos e Pignatari – encaravam que agora era o Concretismo quem tinha encerrado o seu ciclo histórico. E enquanto Haroldo versificava, isto é, fazia versos; Augusto traduzia sonetos ingleses e franceses e Pignatari enveredava pela prosa, a crítica e os tipógrafos enfim puderam achar que estariam agora mais aliviados.
4. Os Cubos de Hinton e a poesia de Haroldo:
Quem já teve a oportunidade de ver a obra Christus Hipercubus de Salvador Dali deve ter notado que a cruz sobre a qual Cristo está crucificado é formada por seis cubos. O hipercubo ou cubo de Hinton – este nome é devido a Charles Howard Hinton, seu idealizador, no final do século XIX -, é um cubo de um universo de mais de três dimensões de espaço, que para ser visualizado no nosso, tridimensional, é desdobrado em seis cubos. Analogamente, em Flatland, se o Sr. Sphere quisesse demonstrar a existência do cubo tridimensional ele o desdobraria em seis quadrados planos, ao remontar o cubo os habitantes de Flatland veriam os quadrados desaparecerem uns dentro dos outros de tal modo que só sobrasse um quadrado. Assim é para nós, se os seis cubos são remontados num hipercubo, veremos eles desaparecerem até ficar só um cubo. Hinton cunhou o nome tesseract para o hipercubo desdobrado.
Em A Educação dos Cinco Sentidos, o último poema do livro é “Hieróglifo para Mário Schenberg”. Em que a certa altura se lê: “na estante de mário / física e poesia coexistem / como as asas de um pássaro - / espaço curvo - / colhidas pela têmpera absoluta de volpi.” O final do poema serve para demonstrar o que queremos em relação a poesia atual de Haroldo de Campos: “e logo se resolve numa flor de lótus / de onde / - só visível quando nos damos conta - / um bodisatva nos dirige seu olhar transfinito”. A poesia haroldiana reconhece que existem coisas que não são visíveis completamente, ou visíveis em sua inteireza no nosso mundo, daí a referência ao olhar “transfinito” de um avatar, de um quase Buda. O hieróglifo em questão não é visualizado, está em outra dimensão, só pode ser mencionado, citado no poema.
A poesia de Crisantempo é como se fosse a tentativa de tratar de uma poética que elide tempo e espaço, e que para tal união é preciso transgredir os limites dimensionais de nosso universo. No poema “a oniroteca do wladyslaw” da seção “ut pictura” lemos: “na pintura de anatol wladyslaw / um gato azul / sonha universos geométricos / habitados por rosas vermelhas”.
Se atentarmos para a ilustração da página 2 do livro, na qual Haroldo se deixa fotografar em seu escritório, sentado entre livros e papéis, tendo próximo a companhia da gata Lady Bi, entenderemos melhor essa metáfora dos “universos geométricos / habitados por rosas vermelhas”. Haroldo de Campos produz a poesia transcultural, eclética, ecumênica não apenas por opção de uma poesia cosmopolita, mas, mais que isso, por acreditar que a poesia é uma das portas para uma nova cosmologia do ser humano, uma crença de que a poesia possa dar-nos como os tesseracts – hipercubos desdobrados – ao menos o espectro de um universo que supera os limites de tempo e espaço cartesianos. Daí porque não entendo esta poesia de Haroldo em Crisantempo como algo diverso das propostas concretistas das décadas de 60 e 70. Vejo sim uma poesia que busca um outro grau de visualidade, um grau acima de nossas possibilidades de visualização tridimensionais, e nessa busca não é concebível a utilização do espaço em branco da página como se fazia no Concretismo, é preciso expor os hiperpoemas (analogia com hipercubos) de forma desdobrada para que possamos perceber suas possibilidades transgressivas. Trata-se de um upgrade da verbovocovisualidade agora buscando hiperespaço da parafísica numa parapoesia. Nesse desdobramento dos hiperpoemas temos uma seqüência de linossignos que são as faces inseríveis dos hiperpoemas na bidimensionalidade da página.
No citado “oniroteca do wladyslaw” a palavra do título, assim como várias outras montagens de Haroldo, são mais do que simples portmanteau, são compósitos que tentam mostrar-nos uma possibilidade para além da visualidade óbvia. Assim se “oniroteca” seria a biblioteca de sonhos – matéria por si só não catalogável em sua plenitude no nosso mundo – é sabido psicanaliticamente que o discurso narrativo sobre um sonho já não é o sonho -, “satirália”, palavra que dá título ao poema da página 159 e que carrega o subtítulo “roque à maneira dos titãs” é a sátira elevada a uma outra dimensão, é sátira da tropicália: “olhe no olho o / tufão / o que importa é não / perder o / tesão.”
Em Crisantempo as referências usuais do paideuma concretista se mantêm: Mallarmé – que acaba por dar motivo a uma série de poemas com o tópico da tumba, afinal quando os concretos traduziram o poeta francês, recuperaram o simbolista brasileiro Maranhão Sobrinho e o seu “Interlunar”, e Erthos Albino, que utilizou ainda os primitivos recursos da computação daquela década de 70, compôs o “Le Tombeau de Mallarmé”, criando assim uma esfera aurática sobre a tumba do poeta francês. Em Crisantempo Haroldo compõe “inscrição para o túmulo no ar”; “para um tombeau de severo sarduy”; “túmulo de fenollosa”; “túmulo em gichu-ji”, além dos mallarmeios em “brinde (mallarmeano) a vaskop popa” e “um lance de godardos”. Ezra Pound, outro nome titular desse paideuma, é lançado aos infernos na página 83: “o velho ez / já fantasma de si mesmo // e em tanta danação / quanto fulgor de paraíso”.
A seqüência de poemas “catuliana” de “latinórios” é outro exemplo dessa poesia que busca a transdimensionalidade. Os títulos todos são frases em latim, cuja seqüência sugerem fragmentos de um supratexto, um hipertexto. A escrita gnoseológica hebraica, que funde números e letras no mesmo elemento gráfico – razão da numerologia cabalística – é recuperada na referência à tradução do gênesis de Haroldo de Campos por meio dos “poemas qoheléticos”. No “poema qohelético 1” lê-se: “queimou-se a mão / desfigurou-se a escrita / na queimadura deformou-se o rosto / fechou-se-me o horizonte”. Essa escrita desfigurada ainda tenta mostrar-nos o que não se pode ver, o que não é definível em tempo e espaço de modo comum. Por isso Haroldo reúne num mesmo poema referências a poetas e poesias diferentes em época e lugar. São elementos escolhidos a dedo para comporem um painel de uma consciência que vê a experiência humana como a busca da transcendência.
A física moderna sabe hoje que não poderemos ir às estrelas – nem mesmo as mais próximas – se não vencermos as barreiras das dimensões espaciais, daí o chamado efeito de dobra ou ainda os wormwholes. A poesia de Haroldo é toda feita de dobras de espaço e tempo e os poemas ligam-se entre si numa rede de “buracos de minhoca”, como é o caso do poema “diana caçadora”: “agora resta ver / (mas é preciso saber ver) / como o arco da deusa caçadora / por um triz / não lhe toca - / trivia ride le ninfe etterne / a escorreita / (divinal) bundinha”, que nos remete à “baladetta à moda toscana” de A Educação dos Cinco Sentidos, poema de ritmo latino que chegou a ser cantarolado por Haroldo e Péricles Cavalcanti acompanhando-se de violão no documentário da Tv Cultura, “Poetas de Campos e Espaços”. Ali Diana, se ouvisse, rebolaria faceiramente a bundinha.
Como aponta E.M. de Melo e Castro:
“A pressão das formas propõe-nos, assim, de um modo não unívoco, uma polarização em forma e antiforma, mesmo de matéria e antimatéria, não possivelmente coincidentes, mas propondo uma abertura e uma fluidez das suas próprias dimensões desagregadas numa estrutura energética.”
(MELO E CASTRO, E.M. de. O Fim Visual do Século XX & Outros Textos Críticos. São Paulo, EDUSP, 1993. p.22)
A poesia de Haroldo trabalha essa desagregação da matéria em razão de uma energização do universo. A entropia, medida do caos, é transformada em portal de uma nova dimensão. O que lemos como versos curtos sobre temas variados são as faces que podemos entrever para a partir delas, em nossas mentes, ouvir a sinfonia do cosmos. O que Bach fazia com os números antes de compor suas peças.
O poema “paideuma” é outro exemplar para essa nossa tese: “o cenáculo branco / recompõe em triângulos e esquadros / - claridade hermética - / sua mobilia suprematista: / grécia em curitiba”. Aqui a antiguidade helênica junta-se à modernidade semitropical da capital paranaense do mesmo modo que o cenáculo recompõe figuras geométricas ou do mesmo modo que um tesseract pode ser transformado num hipercubo, ou seja, vencendo os limites do tempo e do espaço. Lembremos de “Grécia Tropigal” poema de 1974 de Haroldo: “sagrada / mellikhómeide / melicanora // Safo / Sápphoi / gal.”
Vejo Haroldo de Campos como aquele misterioso velhinho do final do filme 2001: Odisséia no Espaço de Kubrick. Espécie de elder dos limites do universo, demônio de Maxwell que separa as partículas entre a realidade a virtualidade, ou ainda, um Sr. Sphere. Vejamos, p.ex., e para encerrar os versos iniciais do poema “a revolta dos objetos”:
“os objetos se revoltam
assaltam os postigos do ar
saltam dos encerros de
sólita (sólida) matéria”.
Tais objetos são os poemas. Só agora a física descobriu que a matéria é feita de quase-nada e que o tempo é uma dimensão plástica, para estas coisas a poesia já possuía os recursos materiais para perceber desde tempos imemoriais... Haroldo numa viagem pela linguagem recupera-as em tempo e espaço.
BIBLIOGRAFIA:
ARAÚJO, Ricardo. Poesia Visual – Vídeo Poesia. São Paulo, Perspectiva, col. Debates, vol. 275, 1999.
CAMPOS, Haroldo de. Crisantempo. São Paulo, Perspectiva, col. Signos 24, 1998.
CASTRO, E.M. de Melo e. O Fim Visual do Século XX. Organização de Nádia Battella Gotlib. São Paulo, Edusp, 1993.
KAKU, Michio. Hiperespaço: Uma odisséia científica através de universos paralelos, empenamentos do tempo e a décima dimensão. Rio de Janeiro, Rocco, 2000
Poesia e Participação Política: o caso concreto de Haroldo de Campos.
Jairo Nogueira Luna (Jayro Luna)
Resumo: Neste artigo se analisa o poema “Senatus Populusque Brasiliensis” de Haroldo de Campos e busca-se demonstrar como a participação e o engajamento político na poesia pode ser trabalhado de uma forma que não exista uma interdição ou uma interferência do engajamento na qualidade do trabalho inventivo do poeta, antes, tal engajamento acaba servindo como matéria para o exercício da criatividade poética que com riqueza de figuras de som e metáforas compõe um poema em que o trabalho com a língua suplanta o aparente comprometimento da mensagem engajada.
Haroldo de Campos, um dos criadores do movimento do grupo Noigandres de poesia concreta na década de 50, tradutor poético de livros da Bíblia e de Homero, de literatura oriental, crítico dos mais originais e, enfim, um homem das letras cuja produção num moto contínuo demonstra sua preocupação com o papel do poeta não apenas na poesia, mas principalmente no mundo.
Se lá pelo final da década de 60 o poeta apresentava-nos sua “fome de forma” em que versejava: “a poesia é pura? / a poesia é para // de barriga vazia”, versos que, para os mais céticos, eram somente uma tentativa de resposta às críticas que eram feitas ao movimento concreto, então acusado de criar uma nova torre de marfim, um hermetismo formalista que silenciava-se diante dos problemas de uma sociedade marcada pela contradição flagrante como a brasileira.
Como observava Iumma Mara Simon e Vinícius Dantas, a poesia concreta de então situava-se no meio de um fogo cerrado em que os críticos da esquerda, unicamente orientados por uma visão de engajamento artístico nas questões sociais que menosprezavam o ofício do poeta em função de uma idéia de que a poesia fosse somente “para”, e não percebiam que isso levava a um poesia “pura”, no sentido de ingênua, inocente, vítima dos aparelhos ideológicos contra os quais desejava lutar.
“O ‘nacionalismo crítico’ dos concretistas é formulado no momento do ‘salto participante’ (início dos anos 60). ‘O vento pré-revolucionário descompartimentava a consciência nacional e enchia os jornais de reforma agrária, agitação camponesa, movimento operário, nacionalização de empresas americanas, etc. O país estava irreconhecivelmente inteligente.’ (Roberto Schwarz – [“Cultura e Política, 1964-1968”]. ) O movimento de Cultura Popular e os CPCs (Centros Populares de Cultura) da UNE experimentavam novas formas de comunicação, propondo-se a levar cultura para ruas e favelas. A ânsia de ‘ser povo’ não escondia uma visão dirigista da cultura e um vago humanismo – manutenção do ‘popular’ e do ‘tradicional’ aspirando a facilitar a comunicação poética, mas sob a tutela de intelectuais de classe média. A série Violão de Rua e o rompimento de Ferreira Gullar com as vanguardas, para escrever poesia de cordel, são exemplos dessa tendência.
O ‘nacionalismo crítico’ foi uma tentativa de romper com os estreitos limites nacionalistas, sem falar em nome do povo para a Nação (mistificada numa espécie de comunidade primitiva sem contradições), e tentando conciliar o internacionalismo da Poesia Concreta com a especificidade da questão brasileira, nos termos da época. Assumindo a luta como tarefa da vanguarda, os poetas concretos propuseram a discussão das técnicas de construção do poema e de seus modos de difusão e consumo. Ao contrário das tendências nacionalistas e populistas, não confundiram engajamento com a busca de valores falsamente ‘nacional-populares’. A consciência da poesia enquanto trabalho, o conhecimento de sua linguagem e seus materiais, impediram sua subordinação ao imediatismo político, bem como os ricos da arte panfletária.”
(SIMON, Iumma Mara & DANTAS, Vinícius. Literatura Comentada: Poesia Concreta. São Paulo, Abril Cultural, 1982, p.104-105)
Pois bem, decorridas três décadas de toda aquela discussão, passado o instante febril de instauração da poesia concreta, e inclusive já tendo sido o grupo original desfeito e a própria trindade Noigandres ter reconhecido que a poesia concreta já cumpriu seu papel histórico. Tendo também passado o período ditatorial militar no Brasil, deixando escondido sobre os tapetes e os escombros nomes olvidados da luta política e vítimas de aparelhos perversamente repressores, depois ainda, de termos passados por traumáticas eleições diretas e um impedimento presidencial com a conseqüente deposição do chefe do executivo, estamos agora numa época confusa e de afirmação do chamado mundo globalizado. Mercosul, Alca, MCE são siglas que substituem as da época da Guerra Fria (Otan, OEA, etc...). Paralelamente à discussão sobre os efeitos da globalização, se discute em âmbito acadêmico as influências dos meios eletrônicos de comunicação, notadamente a internet; e também, os efeitos de um multiculturalismo que mais uniformiza e padroniza do que compreende e preserva as diferenças.
A participação do poeta nas discussões sociais e culturais presentes deve se fazer de um modo característico enquanto poeta. Assim a participação, mais do que um engajamento ou filiação a alguma corrente político-filosófica, ou de caráter mais prático e imediato, deve se pautar pelo princípio organizador da própria poética do artista. Em 12 de junho de 1998, o poeta Haroldo de Campos escrevia no jornal Folha de S.Paulo um poema que apresentava uma visão do poeta em relação à questão da globalização. O poema, estrategicamente colocado entre outras matérias que apresentavam de modo jornalístico e semi-ensaístico o tema, ganhou assim foros de uma participação imediata na discussão do tema. Se se pode dizer que tal procedimento pode ser entendido como um aproveitamento oportunista da evidência do assunto para conseguir alguma projeção, por outro lado, é bom que se veja que a participação tanto melhor se fará se além de happening, ela for também oportuna, o que me parece é o caso desse poema.
Em determinado trecho, o último do poema, Haroldo de Campos escreve:
“o neoliberal
sonha um admirável
mundo fixo
de argentários e multinacionais
terratenentes terrapotentes coronéis políticos
milenaristas (cooptados) do perpétuo
status quo:
um mundo privé
palácio de cristal
à prova de balas:
bunker blau
durando para sempre – festa estática
(ainda que se sustente sobre fictas
palafitas
e estas sobre uma lata
de lixo)”
Esta é a última parte de um poema composto de 7 partes e/ou estrofes. O jogo das sonoridades – aliterações, coliterações, rimas internas – compõe um estrato significante que fica a bailar sobre uma alegoria significativa, a alegoria do neoliberalismo e seu projeto de um abrigo todo azul (“bunker blau”) que seria o último estágio da globalização e por conseguinte da evolução das sociedades. Haroldo de Campos satiriza o projeto neoliberal, neoiluminista, ingênuo pensar sobre a complexidade social da América Latina, dominantemente marcada pelas contradições reatualizadas desde o advento do barroco. O “palácio de cristal à prova de balas”...
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Mas o poema que quero comentar de Haroldo de Campos é “Senatus Populusque Brasiliensis” publicado na Folha de S.Paulo em 04/05/2001 na seção de política – já por si a seção escolhida é significativa, pois comumente os poemas são publicados nos cadernos especiais de literatura e artes, o que não foi o caso desse, inserido entre as notícias políticas, notadamente as que se referiam aos escândalos éticos do senado e às suspeitas de corrupção nos órgãos governamentais de financiamento de projetos para o Nordeste e o Norte do país.
O poema é também composto de 7 partes e/ou estrofes. A dúvida na nomenclatura decorre da própria natureza organizativa dessas instâncias em que o verso livre é associado a um padrão de cortes e espaços que confere um desarranjo à expectativa comum dos estratos visuais das estrofes.
Na primeira parte, o poema abre-se com o verbal impessoal “chove”, designativo de um estado de espírito lacônico e depressivo. O segundo e terceiro versos esclarecem de modo contundente: “lama sobre o / plano-piloto”. A chuva sobre o plano-piloto é uma metáfora visual, o avião que está representado na planta da capital federal não pode voar com tempo tão intempestivo. Evoca-se a seguir a figura de Juscelino Kubitschek, apresentado sob a designação de “um liberal-não-/-neo mas um capaz / de extro-verter-se para o /povo (o “social”) tranqüilo / adepto da arte convivial da tolerância”. Assim o autor contrapõe ao neoliberalismo – já criticado no poema anteriormente referido, “circum-lóquio” – o liberalismo. Ou seja, diante da cópia reciclada e de pastiche o original, autêntico e de pedra. A capacidade de “extroverter-se” para o povo pode ser interpretada como o caráter populista que caracterizou a política de Juscelino. A pedra do original liberal está metonimizada no gênio singular de Niemeyer, o arquiteto, o “comunista assumido e coerente”. O corte no nome de Oscar Niemeyer tem o propósito de fazer um trocadilho entre a qualidade da obra do arquiteto e o prêmio que a ele seria de direito, um “oscar” de efeitos especiais arquitetônicos se Brasília fosse um filme. A linha na arquitetura de Niemeyer é uma linha que dirige o olhar tanto quanto uma câmera de cinema escolhe o que devamos ver. O horizonte em Brasília é resultado de uma confluência de close-ups e planos gerais.
Toda a segunda metade dessa parte desenvolve as adjetivações referentes à obra de Niemeyer: “um conversê, gesticulante de profetas / contra o azul – ou a redond’alvíssima capela / oval do ó”. Como não deixar nesse trecho de comparar Niemeyer com os profetas barrocos do Aleijadinho: “em Sabará pousada: uma ave-fênix / em ouros e vermelhos de Macau?” Sutilmente Haroldo nos apresenta “a visão construtivista” de Niemeyer como a contraparte moderna do olhar barroco mineiro: “mas capaz de / curva: do curvo / das espirais / do sinuoso - / do barroco / balanceio de sintagmas”.
Assim o liberalismo da era Kubitschek é de caráter neobarroco, não-iluminista, enquanto o neoliberalismo é um neoiluminismo de lógica cartesiana, simplória para tratar das dinâmicas pós-relativistas einstenianas, que na arquitetura se comprazem nas linhas de um Niemeyer.
Lúcio Costa é citado para confirmar essa arquitetura desconsertante de Brasília: “o engendrar de diagramas quase-/ícones de épuras depuradas riscos retas / a ponta de rubi traçados por / lápis-raios-laser / em ritmo gracílimo de pássaro-mondrian”.
A segunda parte do poema abre-se com a sigla “j.k.” e o aposto: “o presidente aéreo chair-man das /opções / impossíveis”. A vontade firme (“ferm voler”), o apoio popular (“vox populi”) e sua gestão de caráter arquitectural em Belo Horizonte e Brasília que é referenciada sob o epíteto de “poliphytoteuctés, o plantador de cidades”, são características do governo de Juscelino Kubistchek que são levantadas pelo poeta. Tudo isso organizado na metáfora de um vôo, o vôo que o plano-piloto de Brasília é a realização concreta. O vôo conotativo da criação, da invenção, da imaginação. Por sua vez os opositores do presidente são citados como “pterodáctilos”, também voadores, mas pré-históricos, antigos e antiquados, representativos de um passado sáurio da política brasileira. Por fim, a obra do presidente é associada ao profetismo de Dom Bosco. Notemos aqui, que a referência é feita a Dom Bosco, que pelo seu caráter profético está mais para o barroco. Poderia Haroldo ter citado aqui o projeto de José Bonifácio, que já no início do século XIX pensava na construção da capital do império naquele planalto, mas o patriarca da independência é representativo de um pensamento iluminista, antibarroco... Por meio de Dom Bosco, Brasília passa a ser a realização de um reino prometido, um quinto império reconfigurado no Brasil...
A estância ou parte terceira do poema inicia-se, como a primeira, com o verbo “chover” no presente do indicativo, só que agora acrescido no verso de um advérbio de lugar: “na capital federal”. Veja-se que o poeta não escreveu “chove em Brasília”, mas “chove na capital federal”, alterando assim a colocação até aqui feita no poema de que Juscelino fundara “Brasília”, ou o “d.f.”, mas agora a cidade se apresenta como “a capital federal”, que não é somente mais um sinônimo, é antes e principalmente a possibilidade de se destacar subliminarmente os efeitos conotativos de “capital” (capitalismo selvagem, falcatruas financeiras, etc.) e lembrar o título do romance de Coelho Neto, que apresenta uma visão crítica e desapontada do poder na então capital federal, o Rio de Janeiro. Daí o segundo verso especificar que se trata da capital federal “do planalto”, e mais ainda, é uma cidade de aspecto “cartesiano-burocrático-/-espermático-neobarroca cidade zenital / do altiplano”. A visão cartesiana e reducionista da lógica burocrática; a cidade da ejaculação do poder; o neobarroco contraditório entre a forma revolucionária de sua arquitetura e seus corredores de conluios; a localização geográfica e sua disposição geométrica, a todo momento, buscando afirmar um tempo futuro que é a todo instante evitado ou não visto pelos próprios mandatários da cidade.
Max Bense e João Cabral, respectivamente, o matemático da estética de vanguarda e o poeta geômetra são evocados para recuperar o destino original da cidade, fruto da verdadeira “brasilianisches intelligenz”. A chuva é agora “a chuva miúda” que longe de ser a que torna a terra fértil, é a que vai para os esgotos: “liquosas gotas gomas grumos / escórias de esgotos”. A arquitetura dinâmica e viva de linhas de Niemeyer agora transforma-se sob o efeito conotativo dessa “chuva miúda” numa arquitetura que cria uma atmosfera noturna e soturna: “lunares palácios disco-formes”, “espigão de prata”, “pescoço de girafa-rasga-céus”. A lua, a prata, o céu rasgado criam essa atmosfera. A chuva é a seguir colocada em mais evidência com a disposição vertical das palavras nos versos seguintes:
“chove
jorra
borbota
esternuta
esturra
a catadupa espalha-muco ventejando
lama verdoenga”
Os sufixos dessas palavras reforçam um sentido altamente depreciativo e pejorativo para essa chuva: “-orra” (como em porra, cachorra, Gomorra), “-ota” (como em idiota, janota, lorota), “-uta” (como em puta, prostituta, gruta), “-urra” (interjeição de ira – Urra! -, empanturra, curra), “upa” (como em chupa), “-uco” (como em eunuco, osso-buco) e “-enga”(como em arenga, capenga, molenga). A chuva engrossa-se, com seu escorrer sobre a cidade à noite, ela transforma-se num caldo mucoso, verdoengo, uma lama espessa, enfim uma torrente de merda (“verte / merdre”), gargalha então o personagem patafísico de Jarret, o pai-ubu, o chefe da corrupção, este, feliz com essa torrente deixa escorre sua pasta “marrom-jerimum-amarelo-fezes amarânteo-diarréica em fluxo fétido”. Agora o líquido é muito mais denso e intenso, a água da chuva reforçada pelo líquido vertido pelo pai-ubu cai sobre a cidade encobrindo a última visão das linhas velozes de Niemeyer. Os edifícios transgaláticos, as cosmonaves de concreto, as levitantes estruturas são encobertas por tal tempestade, e essas águas podres vão invadir os esgotos da cidade (“entre-lhes pelos ductos e tubos / subterrâneos onde os legi-/ferantes (...) / circulam transitando”). O fim dessa torrente não é algum reservatório de esgotos, alguma fossa, mas é o plenário, o plenário do “senatus brasiliensis”. A expressão latinizada coloca um contraponto com o senado romano. O de Roma representando a glória de um império da Antiguidade, que também teve seus crimes em seus corredores (a morte de César, p.ex.), mas que deixou uma marca definitiva de poder legislativo e base do direito romano; o nosso e contemporâneo, marcando-se pelas “tramas sussurradas dos / gabinetes aconchegantes”.
A quarta parte do poema reincide no verbo chover no presente do indicativo, porém, desta vez o verso já traz a significação da operação transmutativa ocorrida com a água da chuva miúda, que depois torrente, era agora a lama fétida de merda: “lama procelosa chove / sobre a capital / federal”. A tempestade assume a forma monstruosa de uma tromba semelhante a uma “roxa sanguessuga”, e evoca-se a figura de Camões. O olho do tufão é melhor visto pelo poeta caolho e épico, o “poeta-marinheiro”. Humboldt, outro grande navegante do período iluminista e explorador das águas dos mares do sul é citado. Por fim, a tromba d’água-sanguessuga roxa-bicho chupador transforma-se na cobra gigantesca, a anaconda, a cobra grande que vem nas nuvens “jiboiando”. Eis aí, a última e decisiva transformação da chuva, não é mais um fenômeno da natureza, revela-se agora criatura, monstro dotado de vontade própria que vem sobre Brasília lançar seus malefícios, daí a evocação ao poema épico, Os Lusíadas, afinal é no épico que os elementos da natureza transformam-se em seres animados, deuses e demônios que afligem o homem e são, ao mesmo tempo, o reflexo de nossos medos. O poeta inventa o verbo “jiboiar”, a cobra “no colossal estercorário de mangues e / maremas” exercita sua monstruosidade sobre a antes vanguardista cidade de Niemeyer e Lúcio Costa. A ave, o avião, a asa, elementos que se relacionam com a planta da cidade tornam-se vítimas da cobra voadora que paira sobre a cidade, o “dia dos prodígios” de Brasília que marca a gradação do “azul” visto por Humboldt nas alturas andinas para o “roxo” da cobra-sanguessuga gigante.
Na quinta parte do poema, temos um início marcado por um advérbio de tempo que insinua uma condição, isto é, se houver um momento em que algo se apresentar contrário aos princípios éticos e/ou morais, a voz do povo logo se fará ouvir.
Esse momento seria marcado pela desfuncionalização dos guardiões dessa ética e dos representantes do povo, assim os “custódios / não custodiam”, “os pais da pátria” tornam-se “apátridas”, quando o “réu desconfessa para confessar de novo”, e por fim quando o “critério de verdade / é o de meia verdade”, instaura-se uma atmosfera de descrença nos valores que aproxima a realidade de uma supra-realidade de caráter surrealista, daí a citação a Salvador Dali:
“é uma vestal estuprada pela espada
do guardião que a vela
e se retorce e amolece
feito relógio viscoso de dali”
O final dessa quinta parte abre a figura que inserirá a extensa parte seguinte. A figura proposta é a de que no telão fosforescente do senado surgem as imagens de mártires da história do Brasil, como que a reclamar uma postura digna da tradição desses mesmos mártires. Seria como um conjunto de fantasmas que surgem para reclamar a vingança da ofensa criada:
“então a voz do povo fala
o coro dos indignados se
subleva: no plenário um telão fosforescente
exibe um desconjunto videograma de
/espectros:”
Esse conjunto fantasmagórico de imagens corrobora a voz do povo, vivo e presente na contemporaneidade do ato que se deve vingar.
A sexta parte do poema, inicia-se com o nome em negrito de “Tiradentes”, e descreve-se o quadro de Pedro Américo, adjetivando-o de quadro “escorre-sangue”, como se a dizer que o sangue no quadro materializa-se em líquido nesse momento, daí que a “paixão” do alferes é “re-encenada”, o que por sua vez, é uma reencenação da paixão de Cristo, modulada para a história do Brasil: “uma efígie como um corpus Christi”.
Depois da descrição do martírio de Joaquim José da Silva Xavier por meio da referência ao quadro de Pedro Américo, o poema cita em negrito o nome de “Frei Caneca”. Cita-se o periódico revolucionário em que escrevera alguns artigos – o typhis pernambucano - que passa a conotar na figura de Frei Caneca uma tipologia característica do pernambucano: obstinado “armado de obstinação”, e bom falador “de retórica” em que a folha torna-se o lugar em que “esgrimia sua linguagem / tensa de revoltas figuras”. Comenta-se sobre o seu martírio, o fuzilamento que sofrera uma vez que, condenado à forca, não fora levada a termo pela recusa dos carrascos, sendo pois, fuzilado por um pelotão militar na temida fortaleza das Cinco Pontas. Cita-se ainda o texto de Frei Caneca, intitulado “dissertação sobre o que se deve / entender por / pátria”.
O terceiro mártir citado é Zumbi. Como se diz no poema: “o sobrinho de ganga zumba rei nagô”, e Haroldo de Campos cita a expedição derradeira contra os quilombolas, chefiada por Domingos Jorge Velho, no entanto, o poeta opta pela lendária versão sobre a morte de Zumbi, a de que teria se atirado como outros negros desesperados de um precipício, demonstrando assim nesse último gesto que preferiam a morte ao cativeiro. A verdade, porém, é que Zumbi conseguira fugir, ferido que estava por duas balas, e se escondera com alguns outros nas matas próximas, sendo depois traído por um velho negro, que entregou o lugar de seu esconderijo aos paulistas. Zumbi foi então decapitado e sua cabeça exposta para que os escravos vissem que a história sobre a imortalidade de Zumbi era apenas lenda. O nome de Zumbi, é certo, permaneceu, este sim imortal, e o poeta preferiu a versão lendária sobre sua morte como forma de tornar o mártir mais mítico do que real:
“zumbi sobrinho de ganga zumba rei nagô
vendo estalar a palissada
prepara-se para repetir
o salto-em-precipício
indômito domando no azardado tempo
a azagaia-morte”
A seguir o poema cita o episódio contemporâneo de Eldorado dos Carajás, no Pará. E compara a morte dos sem-terra à morte dos quilombolas. Assim, fuga da escravidão associa-se num corte sincrônico à luta pela posse da terra. Liberdade e posse da terra andam juntas neste país de dimensões continentais. Por sua vez, o episódio de Eldorado dos Carajás é comparado também ao fim da civilização muísca na Colômbia. Os muíscas eram índios que se adornavam costumeiramente com ouro, e adoravam o Sol como a divindade que se ligava ao ouro. Para os muíscas o ouro não tinha valor econômico propriamente, mas sim valor religioso e espiritual. Os muíscas costumavam fazer uma cerimônia num lago considerado sagrado, em que, numa barca, repleta de objetos de ouro, faziam um sacrifício para domar seu deus. O sacrifício é descrito no poema, servindo a cena de metáfora para dar significação mítica à morte dos mártires até aqui citados: Tiradentes, Frei Caneca, Zumbi, os sem-terra de Eldorado dos Carajás, ou seja, todos eles, seriam os sacrificados que de tempos em tempos o deus do mal exige para que se aplaque sua ira e se evite a destruição do mundo.
“vogando na jangada toda-ouro
à tona azul-aziaga da lagoa sacra
assombrados pelo príncipe do mal
/fomagatá
preda-homens de unhas escorpiônicas
e se preparam para repetir o rito carniceiro
erguendo nas mãos mais uma vez
corações-girassóis arrancados ao tórax
/aberto
sangrados a gome de obsidiana e
entregues ao caso do deus”
A sétima e última parte do poema, abre-se como a quinta parte com o advérbio de tempo indicando um momento crítico: “quando esse coro de fantasmas”, ou seja os mártires citados na parte anterior, ressurgem no telão do plenário e reclamam uma vingança à ofensa feita. A questão da reforma agrária então surge na figura de um “arcanjo arquejante”. Observe-se que se o poema surge num contexto geral como motivado pela violação do painel do senado pelos senadores Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda, aqui conota-se também o episódio infausto do Pará e a questão da reforma agrária, ligando-se assim o poema, também aos problemas que envolvem o senador Jader Barbalho.
“o arcanjo arquejante da reforma
agrária
arrastado para trás por pretorianos de
/mãos sujas
mandados pela gula multissécula
do ‘pit-bull’ latifúndio (enquanto ladra
o cérbero tricéfalo e genyon jubila
- a quem dante pound ernesto
cardenal chamam
usura”
Pois bem, se notarmos, no nível do estrato fônico a ocorrência dos fonemas do nome “Jader” nesse trecho encontraremos duas vezes o anagrama desse nome, bem ao modo do que Saussure encontrara na poesia grega em “As Palavras sob as Palavras”.
“o arcanjo arquejante da reforma
agrária
arrastado para trás por pretorianos de
/mãos su(já)s
mandados pela gula multissécula
do ‘pit-bull’ latifúndio (enquanto ladra
o cérbero tricéfalo e genyon jubila
- a quem dante pound ernesto
cardenal chamam
usura”
Se observarmos ainda, o significado do nome “Jáder Barbalho” perceberemos como esse nome está ligado à terra: Jader, designativo da cor do jade, cuja variedade mais comum é a verde-escura. Portanto, “jáder” está ligado a uma pedra, por sua vez, “Barbalho” é o sinônimo de radículas, pequenas raízes, assim esta palavra associa-se também à terra, mas no sentido de uma ligação vegetal, de planta. Logo, o nome “jáder barbalho” está ligado aos minerais da terra e às plantações sobre ela. Eis o “arcanjo arquejante” arrastado por “pretorianos de mãos sujas”, eis também o “pit-bull” latifundiário.
Nesse trecho, ainda, o poeta, faz toda uma evocação ao paideuma épico concreto: Dante Alighieri, Ezra Pound e Ernesto Cardenal. Este último representante da poesia participativa e engajada do século XX.
Então, num processo poético de metaforização imagética, em que os seres e objetos se transformam em outro, ma mesma medida em que se revelam, aquela torrente citada nas partes 1, 3 e 4 do poema, inunda o plenário em que o telão se fantasmagoriza, “explode / xaroposo jorro: / lama verde-maconha”. O verde de jade é o verde da folha da planta proibida, que é a cor daquela torrente que corrói a beleza plástica da cidade plantada por J.K. Em resposta a essa inundação surge a “voz do povo”, que já havia sido citada na parte 5 do poema. E é importante notar que esta voz do povo não é simplesmente a tradução de “vox populi” citada na parte 2. A relação vox populi/ voz do povo é mais transcriativa do que tradutora. Existe a passagem da época de J.K., o polphytoteuctés, fundador de cidades para o presente, em que o povo revolta-se com a corrosão que destrói a pureza simbólica daquela arquitetura e que é assolada pela torrente verde-maconha.
Surge então no poema a figura imperial de “petrus sapientisssimus imperator plus-que-cinquentenário”. O imperador, D.Pedro II, é apresentado de uma forma gregório-matosiana, em que suas vestes européias são travestidas em um “mantel de plumas de tucano real” que “deixa-se cercar por pimpbrokers e stockjobbers”. Aqui duas figuras históricas se consubstanciam num ser híbrido, multiforme e ao mesmo tempo disforme e volátil. As penas de tucano real das vestes do imperador evidenciam agora que esse imperador está espiritualizado na figura de FHC, o chefe dos tucanos, o PSDB. Tal como fora o imperador, FHC é reconhecido pela sapiência, pela carreira acadêmica de sociólogo, pela habilidade vernacular: “responde-lhes / as questões em sete línguas vivas / e cinco mortas”. No entanto, tal sapiência não é sinônimo de grande governador, de hábil administrador. Os “pimpbrokers” e os “stockjobbers” recuperam intertextualmente o episódio do “Inferno de Wall Street” do poema O Guesa de Sousândrade. O poeta vanguardista maranhense do século XIX, que criticava o desenrolar da política imperial é relembrado, e o poema de Haroldo de Campos, insinua-se assim, a versão contemporânea, neobarroca e em tom baixo (observemos a utilização somente de letras minúsculas no poema) do “Inferno de Wall Street.” Os mártires citados na parte 6, são os novos “guesas” sacrificados, daí a necessidade de citar os muíscas e seus sacrifícios ao deus do ouro.
Já no final do poema e da sétima parte, cita-se o nome de Capistrano de Abreu. O grande patriota e historiador do final do século XIX. E que se diz no poema que deixou por uns instantes de lado o estudo da língua dos índios acreanos da tribo dos caxinauás - trabalho etnológico que levou a cabo – e dita ao microfone da “vox populi” – e assim se recupera o sentido original da relação esquecida (vox populi – latim, senado romano / voz do povo – português, senado brasileiro) - o seu “ante-projeto da constituição da república federativa dos estados unidos do brazil”. Note-se o sentido irônico na ortografia, o “z” do Brasil e a “república federativa” – termo designativo de uma forma de governo – com “estados unidos”, que pelo fato do poema ser escrito somente em minúsculas, permite a ironia referente à dominação econômica e política que o país sofre em relação aos Estados Unidos e ao FMI (“sousândrade (...) / arrenega do ogro fmi-mamonas / e vocifera: -‘fraude é o clamor da nação’”).
Os versos finais apresentam o todo do anteprojeto, com um artigo só (“primeiro & único”) que não deve nem ser tirado nem posto, uma vez que ela seria, portanto, inviolável, ao contrário da votação no painel do senado: “todo brasileiro é obrigado a ter / vergonha”.
Assim o poema, fecha-se com a inviolabilidade de seu artigo único para a constituição para criticar o episódio da violação do painel no senado.
Ao terminar a leitura do poema, damo-nos conta de que se pode fazer um poema engajado, participativo das questões presentes, sem, no entanto, cair no lugar comum das palavras de ordem, sem ficar numa paródia burlesca do poetar brechtiano –este sim, criador de um estilo – mas produzir um poema em que a História é relacionada ao componente estético do poema, de tal modo que passado e presente dialogam sincronicamente para que surja daí uma postulação acerca da contemporaneidade, não como resultado de um conflito casual hodierno, mas como resultado histórico de um acumular de vicissitudes e dissimulações que exigem uma tomada de posição, não apenas ante o episódio lacunar da violação do painel no senado, mas como faz o poeta, com seus fantasmas-mártires, sua chuva de lama verde-maconha, recuperar um sentido de pátria que tem sido esquecido, não apenas pelas elites dirigentes criticadas, mas pelo próprio povo, que deve fazer ouvir sua voz – vox populi, vox dei – por meio do diálogo com a sua própria história e identidade cultural. O poema aqui analisado, é o anteprojeto de uma poesia participativa, sem ser no entanto, passiva, antes é parte ativa da discussão num nível acima da palavra de ordem, do hino, do discurso, é a poesia exercendo uma função social de apresentar tempo e espaço interligados na palavra poética, sem a qual a poesia dita participativa, engajada ou ainda, política, fica restrita à atividade propagandística, paralela e pobre. A função poética que define o gênero artístico – poesia - não pode ser colocada em segundo plano, mas antes deve ser o ponto de partida e de chegada de qualquer palavra ou verso.