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          As mil e uma Marinas
          
Ficcionista e ilustradora, sua obra se volta para o maravilhoso, o deslumbramento, a suprema irrealidade que caracterizam os contos de fadas. 

          Seus contos, escritos a partir da realidade, atravessam fronteiras abarrotadas de sonhos, de fantasia, alargando o espaço de um território abstrato; tal território, sem definição precisa, traz todavia a definição das várias belezas que compõem a Beleza. 

          Suas líricas narrativas, falando do lado oculto, místico da Vida, nos brindam com sonhadores de toda ordem, tornando-nos igualmente sonhadores.

          São histórias cuja leitura criam sortilégios, propiciam a construção de uma linguagem do inconsciente.

         O cânone literário, tão impenetrável para certas correntes críticas, se transforma em amor e morte, encontro e desencontro, angústia e plenitude, promessas em tenros presentes. 

          O horror, o ciúme, a felicidade, sentimentos tão comuns, tão íntimos da alma, se metamorfoseiam em seres solitários em busca da nossa compreensão e afeto. 

          É incrível como a presença nas histórias de um rei, um trono, escadas, salões, aposentos suntuosos e uma rainha cativante fazem-nos viajar no tempo, do passado longínquo ao complexo ambiente contemporâneo.

          A idéia de solidão, de busca interminável, o medo dominado e vencido, tudo isto a criança absorve e catalisa, reconstruindo em sua linguagem peculiar as aventuras de jovens castelões, cavaleiros e heróis míticos. 

          
Princesas, castelos, metamorfoses, feitiçarias: ingredientes mágicos de todo bom conto de fadas. Sem descartar, é claro, seres extraordinários, como dragões, ogros, sábios solitários e outros entes, produzindo assim um efeito encantatório e assustador.

          A realização dessas fantasias na mente infantil, além da sensação de liberdade, conduz ainda a uma atitude crítica, de análise séria do mundo dos fatos. 



          Contemplando alaúdes suspensos
( 1 )
          Na literatura de Marina, dona de uma linguagem sublime, a fantasia se estabelece, os animais raciocinam, o cotidiano se torna impressionante, o real se e nos desmonta. Sua forma tão espontânea de narrar, a vivacidade de seus personagens, tudo contribui para consolidar a formação da personalidade infantil.

          A leitura coletiva (queremos dizer, do adulto para um grupo de jovens) aviva interesses, amadurece sentimentos e pensamentos, eleva-os com os pés no chão. Faz, enfim, que cresçam muito emocionalmente. Facilita o surgimento e a solidez dos aspectos mais positivos de sua fértil imaginação.

          
Sua construção ficcional aparentemente simples encobre enigmátcos símbolos, que, mexendo nos profundos mistérios da mente, faz o leitor meditar.

          Tocam-nos pela intensidade e a arte da sua confecção, minuciosa e sensível, provocando às vezes a comoção, o riso, a gargalhada aberta, o silêncio conjetural, a cumplicidade solidária enfim.

          Esses reis, princesas, fadas, cisnes, unicórnios e gnomos, todos entrelaçados num bordado colorido, não trazem nenhuma mensagem admonitória, sinalizando apenas para o simples prazer de ler e sonhar. Um resgate necessário e oportuno dos contos de fadas, do delírio estético, em contraposição ao nosso moderno e complicado mundo.

          Conduzem nossa lógica à magia cósmica sem tempo nem espaço, aprisionando deliciosamente nossos sentimentos s sensações. Sem lições de moral, sem "moral da história", sem pompas filosóficas, sem nada além do puro aspecto lúdico. 

          
Os termos e expressões inesperadas criam expectativas nas crianças e nos jovens, colaborando decididamente para o seu amadurecimento psicológico.          

     Nos seus contos, seres reais procuram se relacionar com seres irreais: a moça tecelã com o marido-de-lã, o rei com a esposa dos sonhos, o jardineiro com a mulher-rosa.


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Ela celebra a alegria das palavras eleitas, num culto ao Verbo onde a pompa das valsas, a beija-florice dos passos, a inocência dos gestos e a emoção dos olhares nos arrebatam para sempre.
     Sentimo-nos convidados.
     Marina Tecelanti.
     Marina das mil auto-oficinas.
     Fábrica de letras possantes.
     Congresso de palavras de pedra.
     Escritura de alta linhagem.

         
 Há em inúmeros textos seus, inequivocamente, bênçãos e maldições. Das grandes. (Lógica desconexa, a que chamam alguns de estranhamento.)

          
"Enquanto houver estrelas" (2), seus textos serão questionados, atacados e defendidos --- porque nos parecem eles merecedores desse "Enquanto". 

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Notas: 
1 -
Lendo “Histórias Extraordinárias”, de Edgar Allan Poe, em maio de 2011, deparei-me com uma citação:
“Seu coração é um alaúde suspenso; tão logo tocado, ressoa.”
                                                                               - Béranger

Pierre Jean de Béranger (
17801857)
Poeta, libretista e autor da letra de
canções.  Foi participante activo do movimento de convulsão social que se seguiu à Revolução Francesa e ao fim do Império, escrevendo algumas das canções mais emblemáticas do fervor revolucionário da época.  No auge da sua fama, na década de 1830, comparou-se em popularidade a homens como Victor Hugo e Alphonse de Lamartine.  Tendo atravessado os tempos conturbados da Revolução Francesa e do consulado de Napoleão Bonaparte, deixou uma obra lírica vibrante que ainda hoje desperta o interesse do público erudito.  (Wikipédia, a enciclopédia livre)
 
Poe, Edgar Allan. Histórias Extraordinárias
Tradução de Clarice  Lispector. 162 pp. Ediouro
Publicações, RJ, 2005.

2
- 
Enquanto houver estrelas: um dos mais sublimes títulos do Cinema, como Vagas estrelas da Ursa Maior, Suplício de uma Saudade, Sete homens e um Destino e outros.

2
Envolvi-me neste trabalho durante 45:00, até 18/05/2011.
Jô do Recanto das Letras
Enviado por Jô do Recanto das Letras em 23/07/2008
Reeditado em 18/05/2011
Código do texto: T1094325
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