A evolução da faixa de prazer e tolerância de cada um é também dificultada por falta de maiores opções de hábitos salutares. As drogas chamadas “lícitas” coletivas são ofertadas em grande escala no mercado. Muita gente vive se drogando, de uma forma ou de outra, por não conhecer outras opções de prazer ou de felicidade sensorial. Não têm chance de testar novos caminhos, porque simplesmente não se lhes é apresentado qualquer mapa alternativo ao existente para a caminhada geral, sem contar as dificuldades de locomoção decorrentes, inclusive, pela supercalibragem dos pneus abdominais.
Existe a demandização estratégica de drogas viciantes e, consequentemente, rentáveis para seus traficantes. Depois fica fácil administrar e lucrar com a lei da oferta e da procura.
Se uma droga qualquer, seja química, orgânica, gustativa, modal, pornográfica, sonográfica, comportamental ou ideológica não é procurada, a banda podre e caiada do marketing e as correlatas empresas propagandeadas criam o interesse por ela. Criam até pesquisas forjadas, propagandas ou programas pagos na mídia, entrevistas com renomadas autoridades (ou desautoridades) sobre o assunto a “empurrar”. Depois de pouco tempo, e de acordo com as observações de feed backs, feitas pelos marqueteiros expertos em engenharia social, engenharia memética, aceitação coletiva e psicologia de massa, a droga veiculada passa a ser tida até como bem de primeira necessidade, manifestação de pós-modernidade, coisa chique, avanço cultural, desprendimento, liberdade de expressão, new age etc.
Só que a liberdade de expressão pode subportar, também, uma pressão subliminar do expressador, reforçada através do imperativismo do marketing, que prega a liberdade de escolha de produtos como fruto da liberdade de comunicação. Mas nunca a liberdade de não escolher, de recusar qualquer oferta, de só escolher o que for efetivamente natural e nutritivo. Você é praticamente obrigado a escolher e comprar alguma droga confeitada ou recheada de substâncias estranhas, viciantes e doentias, em cada esquina, a cada minuto. É um preço muito alto que devemos todos pagar, para usufruirmos da liberdade de comunicação, o que no passado era cerceado ou limitado oficialmente a todos os chamados órgãos de comunicação de massa (inclusive os livros, lato sensu). [O problema é que liberdade de comunicação atual não dá o direito de expressão plena e aberta aos indivíduos. A estes só é concedida a palavra normalmente para dizer sim aos do microfone, das câmeras e dos cartazes.]
 
{O espírito do capitalismo atual, fortificado pelo marketing aético (ora moral, ora imoral), resume-se mais ou menos no seguinte discurso: que os consumidores paguem o que for exigido pelos fortes da rua, especialmente por aquela turma da zona norte. Do contrário, perderão a proteção da liberdade contra os malfeitores que representam formas de governo opressivas e anulantes da vontade individual.
É um espírito subliminarmente terrorista. Volta-se, em verdade, para o enriquecimento “legalmente ilícito”, ainda que sob o manto da ideia de que se trata de um “remédio amargo” para proteger o bem comum ocidental contra o Socialismo, que era tido como o veneno comum ameaçador da liberdade nos tempos da guerra fria.
Em verdade, não há mais nenhuma causa que possa ser defendida pelo Capitalismo globalizado, para assim justificar sua pós-existência perante os povos.
O que se pode ver hoje em dia é um neofascismo sociomonstrificante disfarçado de liberdade individual, que “defende” a não padronização político-ideológica. Só que, no fundo, dissemina mesmo é uma espécie de fascismo de padronizações mentais e sociais voltadas para o consumo irrefreado. Essa reificação (ou coisificação ou, talvez melhor, monstrificação) tende a nos transformar em ilhas e continentes programados para o consumo em massa. Somos ilhas de receptores sensíveis cercadas de exigências de compras por todos os lados. O que impera hoje é o lucro pelo lucro, mesmo às custas da morte de milhões.}
 
Enquanto isso, vai-se reforçando o apressuramento da esteira de produção das “ilícitas drogas lícitas” altamente rentáveis para seus produtores, veiculadores (traficantes) e até para o Governo, como pessoa política oficial, em que pese aos esforços valorosos de algum ou outro político que tenta fazer modificações progressivas e sanitivas públicas. O poder público não é veiculador, mas é vinculador indireto de tais drogas na mente dos governados (que hipoteticamente é o povo). Cobra altos tributos às empresas do ramo. Permite propagandas abertas em favor da alcoolina (qualquer mistura que contém álcool e que age no sistema nervoso central provocando estado de entorpecimento e de embriaguez, geralmente causando viciação e danos físicos ou psíquicos com a continuação do uso) e da nicotina, contrárias a todo e qualquer plano do seu próprio Ministério da Saúde.
Não é o caso de simplesmente proibir abruptamente a fabricação interna e o comércio dessas substâncias, que já fazem parte histórica da própria cultura mundial. Entretanto, se houvesse pelo menos uma proibição total de sua divulgação, nos próximos dez anos poder-se-ia reduzir drasticamente o número de jovens usuários. Indiretamente estimularia o seu desuso por todos os veteranos usuários que vivem, nos momentos de maior lucidez, sonhando com seu desconsumo, o que não é pouca gente, segundo as pesquisas. O Ministério da Fazenda perderia com menos impostos arrecadados, mas o Ministério da Saúde ganharia com menos internamentos. Cerca de 200 mil pessoas morrem por ano no Brasil decorrente do fumo de cigarro, o que equivale a um quinto do total das mortes anuais. O Instituto Nacional do Câncer (Inca), estima que já ultrapassa 20 milhões o total de fumantes em nosso País (segundo dados de 2008).
A massificação é uniforme e coesa apenas no disparo das ideologias pelos meios de comunicação, que mais apropriadamente deveriam ser chamados de meios de emissão. Comunicação só existe quando há uma recepção com resposta uníssona e coesa do receptor para o emissor.
O suprassumo da liberdade de expressão é a liberdade de comunicação bilateral, em pé de igualdade, em pé de opinião, sem qualquer imperativismo unilateral apoiado pelo poder da caneta, do microfone e da câmera. É não pretender impor seus “achismos” como verdades universais absolutas, principalmente quando à parte contrária não é dado espaço nem tempo para ser contrária a nada. Só lhe é dado, no máximo, o direito de optar por engolir, ou não, o discurso pronto que lhe pressiona os sentidos incessante e multilateralmente.
 
{Não me ajeito com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco: não há nada que substitua o sabor da comunicação direta. – Mário Quintana.}
 
É sempre perigosamente generalizante essa ideia de que todo povo tem o governo que merece. A chamada massa pode ser receptora, mas não é igualmente absorvedora, porque é formalmente disforme, não é monobloco.
Cada integrante da turba ou multidão chamada massa ou povão tem sua própria forma de formar(!) sua digestão de todo esse “entulho autoritário capitalístico”. Tem também o direito de não abrir a boca para engoli-lo, pelo menos da forma como quer o emissor: sem mastigar muito, já que a esteira de produção mercantilista não pode parar.
Embora não literalmente obrigada, a massa é “pressionadamente educada” para apurar o gosto por certos lixos comercialmente lucrativos. E se pessoas ou grupos de pessoas (o que seria literalmente uma “massa crítica”) conseguem um rápido acesso nas grandes mídias para fazer alguma oposição, são logo ridicularizadas por canais ativos ou passivos das ondas dominantes da maciça maioria dos “massas-brutas”.
Qualquer discurso contramassificante quase sempre é sistematicamente tido como maçante, quase nunca admitido como boa maçã (que já é uma fruta traumatizada desde o Jardim do Éden!). Logo, não chega a atrapalhar suficientemente as mãos grossas que vivem a moldar a grande massa, da forma que mais quer, já que a maior parte desta é sempre mole e criticamente apática. E essa habilidosa manipulação vai empurrando a massa para lá e para cá, feito “olas” em estádio de futebol.
[Essa unificação, por baixo, das massas sociais têm agigantado cada vez mais em nossa sociedade, face à cada vez maior veiculação de drogas subculturais pelos meios de comunicação de massa. É o instituto cada vez mais presente do chamado “homem-massa”, na definição do filósofo espanhol Ortega y Gasset (1883-1955).
Não podemos negar, contudo, a energia superdominante das massas nos períodos mais críticos ou decisivos da nação. É quando desperta uma espécie de leão nacional, tão forte e abrangente, que chega a revolucionar ou modificar toda a história do país em questão de dias, superando o que os políticos levam décadas para resolver. A voz do povo, em ocasiões decisivas, é a voz que costuma decidir, ainda que em forma de rugido ensurdecedor. Depois o gigante felino volta para a toca, para continuar a dormir.]
O dificultador, na atualidade, é o extasiamento promovido pela maioria dos órgãos de comunicação de massa, que tem afastado cada vez mais os populares de assumir suas próprias linhas de pensamento. A maioria das camadas populares saíra do Ignorantismo ou “Idade das Trevas” intelectual, mas entrou no ignorantismo consciencial.
Alguns dos argumentos que tentam justificar essas custosas drogas popularizadas são que a imoralidade está é na corrupção dos políticos, que a verdadeira violência está no desemprego, que droga é o descaso do governo com a saúde pública, que o grande inimigo comum é o terrorismo... Enfim, tentam transferir a culpa para as costumeiras cortinas de fumaça oficiais. E assim vai-se levando e lucrando, na base do “argumentum ad populum” (falácia lógica para tentar “empurrar” uma ideologia sob o argumento de que “todo mundo gosta” e a reconhece como verdade), amparado no doxa (“sistema ou conjunto de juízos que uma sociedade elabora em um determinado momento histórico supondo tratar-se de uma verdade óbvia ou evidência natural, mas que para a Filosofia não passa de crença ingênua, a ser superada para a obtenção do verdadeiro conhecimento” (Dic. Houaiss)), até o desembarque da próxima droga ou carreada de drogas da vez.
O que existe mesmo é um “argumentum ad merkatum”, que é o uso da publicidade para “fazer a cabeça” da maior parcela possível da carneirada. Tenta exibir verdades que o mercado quer que a massa de consumidores aceite como sua. Como no Brasil não existe uma política contracultural e contraideológica clara, marcante e oriunda das camadas populares, então tudo que se implanta goela abaixo da população consciencialmente anoréxica costuma gerar bons frutos para seus implantadores. Se as agonísticas (velhas técnicas argumentativas para impor uma opinião) da Publicidade não atingem todo o latifúndio, o que se implanta basta para gerar excelentes resultados ($$), porque geralmente as safras são bem demoradas e a produção é bastante diversificada e bem protegida com insumos idiotizantes e agrotóxicos extasiantes.
E quando um ou outro usuário em particular se vitima pelas drogas massificadoras, é retirado de cena sem qualquer imputação de responsabilidade a quem de dever, inclusive porque a argumentação reinante e aceita passivamente é de que se trata de “culpa difusa”.
 
Ainda bem que existem também lavouras de novidades boas e efetivamente multiprazerosas, mesmo que minifundiárias, que levam a patamares superiores da sonhada felicidade. Estão aí a disputar o mercado e as preferências populares, mesmo que apareçam menos na mídia, por falta de patrocínios ou de suportes financeiros.
 
Josenilton kaj Madragoa
Enviado por Josenilton kaj Madragoa em 18/11/2012
Reeditado em 17/02/2013
Código do texto: T3992189
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.