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DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA DE LETRAS E ARTES DA CIDADE DE SENHOR DO BONFIM


 
 




Excelentíssimo Senhor Prefeito Carlos Brasileiro;
Excelentíssimo Senhor Vice-prefeito Dr. Paulo Machado;
Senhor Antônio Martins, presidente da Academia de Letras e Artes de Senhor do Bonfim;
Demais componentes da mesa;
Confrades;
Senhoras e senhores;
Juventude bonfinense.


          Quis o destino que eu viesse para a cidade de Senhor do Bonfim. Estou aqui desde 2001, há exatos 16 meses. Foi uma vinda compulsória, decerto; mas que tem me trazido gostosas compensações, e fazer parte da ACLASB - Academia de Letras e Artes, é uma delas.
          Em Salvador, sempre freqüentava a Academia de Letras da Bahia. Tornei-me uma espécie de sócio, participando, com freqüência, dos seus eventos, como lançamento de livros, sessões ordinárias, debates, conferências, cursos, dentre outros. Mas, longe de mim, achar que, um dia, eu viria a tomar assento em uma Academia de Letras.
          Mas, não é que a vida nos prega certas surpresas? E eis que estou aqui, em Senhor do Bonfim, ocupando uma cadeira, a cadeira 13, patroneada pelo colendo, respeitável e saudoso Dr. Antônio Gonçalves da Cunha e Silva.
          Dr. Antônio Gonçalves, como era carinhosamente chamado, nasceu em 22 de novembro de 1877, na fazenda Piabas, em Campo Formoso-BA, que, naquela época, era uma comarca de Senhor do Bonfim. Seus pais foram o ilustre baiano Dr. José Gonçalves da Silva e Dona Júlia da Cunha Gonçalves. Dr. Antônio Gonçalves teve, como irmãos, Raimundo Gonçalves da Cunha e Silva; José Gonçalves da Cunha e Silva; dona Ernestina da Cunha Gonçalves; dona Júlia Gonçalves Torres; Júlio Gonçalves da Cunha e Silva; Elvira Gonçalves Oliveira; Pedro Gonçalves da Cunha e Silva, todos do primeiro consórcio. Depois da perda da amada companheira, o Dr. José Gonçalves casou-se, pela segunda vez, com Emiliana Torres Gonçalves, tendo mais três filhos: Dr. Raul Gonçalves Torres e Silva, Valdemar Gonçalves Torres e Silva e Emiliana Gonçalves Torres.
          Era, o Dr. Antônio Gonçalves, filho de família nobre, e seu pai fora o primeiro Governador republicano da Bahia. Dr. Antônio Gonçalves casou-se com Dona Maria Rosa Rego Gonçalves, também de tradicional família baiana, em 1899, e teve três filhos: Júlia Gonçalves de Oliveira, Antônio Rego Gonçalves e Lúcia Gonçalves Argolo.
          Teve infância e adolescência tranqüilas, sem necessidades, sem vicissitudes e sem os vícios dos tempos modernos, tornando-se, no porvir, o homem equilibrado, culto, honesto e humanista que foi.
Estudou no antigo colégio São Salvador, em Bonfim, onde completou o curso de humanidade.
          Em 1893, matriculou-se na Faculdade de Medicina da Bahia, formando-se em março de 1899.
          Os médicos, normalmente, por dever de oficio, são humanistas. Muitos levam até às últimas conseqüências o amor e o zelo pela vida humana, tornando-se revoltados, literatos ou até mesmo, revolucionários, como aconteceu com o próprio Dr. Antônio Gonçalves, um revoltado contra as injustiças, que, por sua vez, produzem a miséria humana; Afrânio Coutinho e Pedro Nava, que se escudaram na literatura; e Che Guevara, que, mesmo endurecido pelas circunstâncias políticas, jamais perdeu a ternura e o amor cândido e terno pelo próximo.
          A herança política do pai e a formação médica deram-lhe, seguramente, a coragem e a força necessárias e suficientes para enfrentar as injustiças e a miséria humana.
          Costuma-se dizer que o socialismo penetra no homem através de três órgãos: pela cabeça, através da consciência; pelo coração, através da sensibilidade e pelo estômago, através da fome.
          O Dr. Antônio Gonçalves não conheceu a fome. Entrementes, na prática, através da consciência social e da sensibilidade, foi um autêntico e verdadeiro socialista humanista.
          Não teve a vivência real da pobreza de um Noel Rosa, também médico; Mas, a exemplo de Chico Buarque, teve plena consciência social da miséria humana, contra a qual lutou corajosamente. Não fossem esses pormenores, a imagem respeitável do Dr. Gonçalves não estaria gravada, indelevelmente, no coração e na mente dos povos bonfinense e circunvizinho.
          Já médico, em 1899, viajou para São Paulo. Fixou-se na cidade de Leme, onde exerceu com extrema competência a clínica médica, expandindo sua atividade para outros municípios, como Piratininga, Rio Claro e Araras. Destacou-se nessas quatro cidades, pela competência profissional, tanto na especialidade de operar parto (obstetrícia), quanto na clínica geral.
          Ele teve vida política intensa. Filiou-se ao então Partido Republicano Paulista, dirigido por Rubião Júnior, Júlio Mesquita, Morais Barros, João Sampaio, dentre outros.
          Foi prefeito da cidade de Leme, cuja administração pautada pela boa gerência dos recursos públicos, oportunizou muitos melhoramentos municipais, angariando o carinho e o respeito de toda a população.
          Mas, a saudade da terra natal fê-lo retornar para perto de sua gente, e, em 1920, regressa à sua Bahia, como a confirmar a máxima de que os bons filhos sempre voltam à casa paterna.
          Em Bonfim e alhures, o Dr. Antônio foi merecedor de aplausos, de prestigio e de admiração como médico e como político. Tornou-se um santo venerado, sobretudo, pelos mais humildes. Grande homenagem póstuma foi-lhe prestada em 5 de julho de 1962, através da Lei 1.699, que transformou o município de Itinga-Ba, em Antônio Gonçalves-Ba.
          Ao chegar a Bonfim, em maio de 1918, integrou-se à política local, arregimentou amigos do seu pai e tornou-se líder de enorme prestigio na cidade.
          O Sr. Florisvaldo Queiroz de Carvalho, filho do Sr. João Exequiel de Carvalho, amigo político do Dr. Antônio Gonçalves, confessou ter presenciado o médico atender uma pessoa pobre e, depois, pedir dinheiro emprestado a amigos para o enfermo comprar o remédio receitado.
          Em outra ocasião, um cidadão comum de nome Julião, da Leste, envolveu-se em uma briga durante uma partida de futebol, sendo preso por cinco policiais. No trajeto para a delegacia, o grupo deparou-se com o Dr. Antônio Gonçalves. Nesse momento, Julião gritou: “meu padrinho!”. Ato contínuo, desvencilhou-se dos soldados, correu ao encontro do Dr. Antônio, tomou-lhe a pasta e, em seguida, andaram juntos conversando. Os militares, espantados, observaram a cena, deram meia volta e foram embora, tal era o tamanho do prestígio do Médico do Povo.
          Em outro episódio, o Dr. Gonçalves encontrou-se com o delegado Pepe pela manhã, com quem conversou acerca da prisão supostamente arbitrária de um trabalhador da sua fazenda. Naquela oportunidade, mandou o delegado arrumar as malas e sair da cidade. Pela tarde, o delegado já estava a caminho de Salvador.
          Um seu inimigo político ficara doente. Não obstante o cuidado de outros médicos, não havia melhorado. A família do enfermo mandou chamar o Dr. Gonçalves, que, como médico, cuidou do paciente, restabelecendo-lhe a saúde.
          Vitorioso na sua trajetória política, foi vereador no biênio 1926/27; Intendente Municipal (prefeito nomeado) a partir de primeiro de janeiro de 1926, voltando à vereança no período de 1928/30. Em seguida, tornou-se presidente do Conselho Municipal, prócer destacado da Ação Autonomista e da campanha pró-constituinte, em 1935.
          Em 1934, tentou a eleição para Deputado Federal, mas não logrou êxito. Todavia, seu prestígio não fora abalado, figurando ao lado de vultos do naipe de João Mangabeira, Muniz Sodré, Simões Filho, Aloísio Carvalho Filho, Nestor Duarte e Pedro Lago.
          Em 1945, ainda vigia a ditadura Vargas e o País vivia sacudido pelo processo de redemocratização, e do Dr. Antônio Gonçalves lá estava empunhando a bandeira da redemocratização brasileira. Nessa época, Otávio Mangabeira estava no exílio e era com quem o Dr. Antônio se correspondia, num belo gesto de solidariedade, só comum aos homens de alta sensibilidade política.
          Ensina-nos o filósofo Kierkgard que o homem é industrioso e hábil, dirigindo-se, ora para o bem; ora, para o mal. Ou como sentenciou Confúcio: “O homem nasce bom, e se torna ruim, por força do mau exemplo e da corrupção”.
          O Dr. Antônio Gonçalves viveu imune a essas fraquezas humanas. Foi um autêntico sertanejo, um forte. Sobrepôs-se às nulidades. A queixa de Rui Barbosa (de Oliveira) não o atingiu, porque o Dr. Antônio Gonçalves não riu da honra e nem teve vergonha de ser honesto.
          Foi um revoltado contra os desmandos do poder. Não se subordinou às imposições do partidarismo estreito. Era de tendência oposicionista. Sempre declinou diante dos favores, dos cargos, de tudo que fosse de encontro às suas idéias. Recusou, com altivez, as propostas de acomodações que fossem de encontro à sua política. Não aceitou nenhuma condição que julgasse deprimente para o seu nome e sua terra. Assim, preferiu experimentar o ostracismo a viver em ambiente que não se coadunasse com os seus ideais de Justiça e de Liberdade.
          Por várias vezes, figurou seu nome na chapa para deputados tanto do estado, quanto federais, não chegando a exercer o mandato, face os esbulhos de que era vitima e o desassombro de suas atitudes. Estava sempre bem na oposição, entre o povo, bradando contra o desmando e as injustiças. Foi, sem dúvida, um grande homem, um grande brasileiro, grande cientista e grande político democrático. Um profissional de mérito e alma aberta à caridade mais nobre.
          Em quatro de agosto de 1945, morre o Dr. Antônio Gonçalves da Cunha e Silva, deixando uma lacuna enorme na sociedade bonfinense, tanto como médico, quanto como político. A comoção foi geral. Dos ricos aos mais pobres. Chorou-se copiosamente pelo desaparecimento daquele que viveu semeando o bem, amando as pessoas, independentemente de cor, credo, classe social ou pensamento político.
          A família recebeu telegrama do país inteiro, mormente de autoridades. O jornal A TARDE escreveu: “As mesmas qualidades que o distinguiam como médico marcavam-lhe a atividade política. Fizera da medicina um sacerdócio. Pelo temperamento de batalhador, que lhe era próprio, não sabia o que fosse transigir por conveniências”.
          Nasceu rico, mas morreu modesto, como afirmou Dona Zenáurea, diretora da escola Casinha Feliz, em Bonfim, posto que não cobrava dos pobres, porque estes não tinham dinheiro, e nem dos ricos, porque eram seus amigos.
          Viveu feliz e lutando pelo bem. Combateu o bom combate e foi um vencedor. Coube-lhe, perfeitamente, aquele regozijo de Julius Cezar: “Vim vi e venci”. Ele ainda sobrevive no seio e na mente do povo de Bonfim e adjacências, e deixou, como legado, lições de caráter, honradez, coerência, solidariedade, coragem, luta e, sobretudo, de crença em um mundo melhor para todos.

Muito obrigado.
Senhor do Bonfim, 21 de maio de 2003-05-22.
Durval Carvalhal


FONTE CONSULTADA:
1 - SILVA, ADOLFO. Bonfim, terra de bom começo. Senhor do Bonfim, 1970.
2 – Dr. Antônio Gonçalves da Cunha e Silva – Homenagem que lhe prestam os seus amigos no 30º dia de seu falecimento, Senhor do Bonfim, 1945.
3 – Depoimento do Sr. Florisvaldo Queiroz de Carvalho (seu Meló, dono do Memorial João e Ana Carvalho), Senhor do Bonfim.
4 – Depoimento da Sra. Zenáurea Campos, diretora do Centro Educacional Sagrado Coração (Casinha Feliz), e proprietária e administradora do Arquivo Regional de Senhor do Bonfim, Senhor do Bonfim.

 
Durval Carvalhal
Enviado por Durval Carvalhal em 27/03/2012
Reeditado em 23/05/2020
Código do texto: T3579005
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