SOLIDARIEDADE POR FORÇA DE LEI

No Brasil, é necessário um emaranhado de leis para normatizar o comportamento da sociedade, tanto no aspecto coletivo, como no aspecto individual. Para tudo existe uma lei, decreto ou resolução que estabelece regras e normas de conduta. É o Brasil do legalismo porque se não houver lei, pressupõe-se de que tudo é permitido.

Essa diversidade de leis existentes gerou o comentário de que, em geral, as leis foram feitas para serem burladas ou não cumpridas. É um conceito errôneo, porque afinal, as leis têm como objetivo principal defender os interesses individuais e coletivos dos cidadãos. Aliás, as leis são realmente necessárias para legitimar as relações humanas.

A convivência entre os diferentes seria humanamente impossível sem a existência de regras mínimas que estabeleçam os limites de respeito entre as partes. Os povos se encarregam, naturalmente, de criar essas regras que, em geral, são observadas pela maioria.

Essas normas são denominadas de leis naturais que regem o comportamento ético individual e coletivo e estão impressas na consciência de cada membro que as aceita naturalmente. Só que, no Brasil, há um exagero de leis e muitas delas são lindas no papel, porém de difícil aplicação. São leis mortas, no entanto, são leis.

São tantas as leis regulamentando os mais diversos segmentos sociais. Elas são tão complexas e de difícil entendimento a ponto de as pessoas terem dificuldade de entendê-las. Muita gente quando tem acesso a um código de leis tem dificuldade de ler e compreender a linguagem utilizada, por isso, existem muitas leis e pouquíssimas são conhecidas pelo cidadão.

Às vezes, a gente só descobre a existência de uma lei por acaso. Criam-se leis aos bordões e o cidadão não toma conhecimento delas e nem sabe qual a finalidade. É uma falha de comunicação dos órgãos responsáveis pela divulgação e aplicação das leis.

Embora a maioria absoluta delas não tenha saído do papel e algumas sejam inócuas, a sociedade brasileira é escrava do legalismo porque se não houver lei, tudo é permitido.

É o caso do Estatuto do Idoso aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República.

É uma lei como tantas outras aprovadas no Brasil, para normatizar sobre o que deveria ser absolutamente normal entre as pessoas: a solidariedade e o respeito humano. Uma sociedade que precisa de leis para estabelecer a solidariedade e o respeito humano deve repensar seus valores sociais e culturais. O Estatuto do Idoso é o reconhecimento pelo estado da nossa incapacidade de amar e respeitar nossos semelhantes.

A cultura do individualismo exacerbado e a filosofia do descartável bloqueiam o sentimento de solidariedade existente na pessoa humana. Por isso, se faz necessário a aprovação de um Estatuto que devolva a dignidade aos idosos do país e penalize severamente àqueles que venham colocar os idosos em situação vexatória de humilhação.

A lei só se justifica porque a desvalorização do ser humano no Brasil, principalmente do idoso, é regra e não exceção. Isto significa que fomos incapazes da reconhecer o valor e a importância da atuação do idoso na vida da sociedade como um todo.

Esquecemos de suas lutas, seus sofrimentos e suas dores na história da construção de um mundo mais fraterno e mais humano e, ao invés de lhes darmos valor e dignidade, lhes oferecemos humilhações e indiferença. Isto significa que os nossos sentimentos de amor, justiça e solidariedade estão adormecidos.

Se realmente reconhecêssemos o papel do idoso na sociedade, lembrássemos de que eles não nasceram velhos, durante toda uma vida contribuíram para as transformações que se deram no decorrer de seu tempo e, do fruto dessas mudanças somos nós os beneficiários, de modo algum seria necessário um estatuto para garantir um mínimo de dignidade para um segmento da sociedade que deu as forças de sua juventude e o fruto da inteligência de seu tempo para melhorar nossa vida.

E se faz festa pela aprovação desse Estatuto do Idoso. Dignidade do idoso é um direito natural, portanto, não precisaria ser um direito legal. A aprovação do Estatuto é motivo de tristeza e de reflexão.

O Amor, a solidariedade e o respeito pela pessoa do outro, seja idoso, ou não, homem ou mulher, negro ou branco não nascem, ou não deveriam nascer por decretos e leis.