Ai! Translumbrei! (humor - causo)
Era parte do currículo, não havia como escapar. Portanto, lá fui eu e meus dois pés esquerdos para a aula de dança. O professor, obviamente gay, era um ex-dançarino que ostentava fotos com vários nomes famosos do universo coreográfico, incluindo Liza Minnelli. Afastado dos palcos por problemas de saúde, a brilhante promissora carreira acabava-se de modo obscuro como professor numa faculdade de teatro. O corpo esbelto e trabalhado, com os anos de forçosa inatividade foi se avolumando e o temperamento, já difícil pela antiga empáfia e superioridade, tornou-se ainda mais cruel e amargo. E ele destilava seu rancor sobre os pobres alunos sem talento.
Felizmente, apesar de ser completamente desajeitada, eu ainda possuía algum ritmo, uma razoável memória para as coreografias, elasticidade e um certo ar de concentração, que me poupavam de suas críticas mais ferrenhas. Acho que ele me perdoava pela pretensa “boa intenção”. Mas as pobres senhorinhas de nossa turma que estavam na faculdade apenas para poderem ostentar o tão sonhado diplominha de curso superior, penavam na sua mão, na mordacidade de sua língua ferina. Não foram raras as vezes em que alguma delas saiu da sala aos prantos. Diante de tais extremos, eu consegui sobreviver àquelas aulas torturantes, e assim, eu e meus três pés direitos conseguimos um louvável MS ao final do semestre.
Mas de todas as situações, de todos os momentos hilários ou constrangedores, o mais curioso, o mais memorável foi o da pirueta. E este nem foi protagonizado pelo meu ilustre professor. Ele explicou o movimento e passou analisando um por um os alunos. Em minha primeira tentativa, consegui dar uma quase meia volta com alguma elegância sobre meu próprio eixo, antes de tombar para um dos lados e concluir a meia volta seguinte curvada e cambaleante como um bêbado. Mais duas tentativas, espetáculos igualmente desanimadores, e o professor desistiu de mim. O próximo era um rapazinho da turma. Lindo, musculatura bem trabalhada e muito mais feminino do que eu, mesmo em meus momentos mais femininos. E, que fique registrado: eu, às vezes, me esforço muito. Pois ele deu duas voltas perfeitas com os braços levantados, e voltou à posição inicial, baixando os braços delicadamente sobre a barra, sob os aplausos dos colegas. Do meu, inclusive. Ele sorriu para todos com ares de primeira bailarina e soltou:
- Ai! Translumbrei!
Juro. Um pouco menos de controle e eu o teria feito voar pela janela. Na TPM então, não haveria tribunal, no mundo, que me condenasse.
Era parte do currículo, não havia como escapar. Portanto, lá fui eu e meus dois pés esquerdos para a aula de dança. O professor, obviamente gay, era um ex-dançarino que ostentava fotos com vários nomes famosos do universo coreográfico, incluindo Liza Minnelli. Afastado dos palcos por problemas de saúde, a brilhante promissora carreira acabava-se de modo obscuro como professor numa faculdade de teatro. O corpo esbelto e trabalhado, com os anos de forçosa inatividade foi se avolumando e o temperamento, já difícil pela antiga empáfia e superioridade, tornou-se ainda mais cruel e amargo. E ele destilava seu rancor sobre os pobres alunos sem talento.
Felizmente, apesar de ser completamente desajeitada, eu ainda possuía algum ritmo, uma razoável memória para as coreografias, elasticidade e um certo ar de concentração, que me poupavam de suas críticas mais ferrenhas. Acho que ele me perdoava pela pretensa “boa intenção”. Mas as pobres senhorinhas de nossa turma que estavam na faculdade apenas para poderem ostentar o tão sonhado diplominha de curso superior, penavam na sua mão, na mordacidade de sua língua ferina. Não foram raras as vezes em que alguma delas saiu da sala aos prantos. Diante de tais extremos, eu consegui sobreviver àquelas aulas torturantes, e assim, eu e meus três pés direitos conseguimos um louvável MS ao final do semestre.
Mas de todas as situações, de todos os momentos hilários ou constrangedores, o mais curioso, o mais memorável foi o da pirueta. E este nem foi protagonizado pelo meu ilustre professor. Ele explicou o movimento e passou analisando um por um os alunos. Em minha primeira tentativa, consegui dar uma quase meia volta com alguma elegância sobre meu próprio eixo, antes de tombar para um dos lados e concluir a meia volta seguinte curvada e cambaleante como um bêbado. Mais duas tentativas, espetáculos igualmente desanimadores, e o professor desistiu de mim. O próximo era um rapazinho da turma. Lindo, musculatura bem trabalhada e muito mais feminino do que eu, mesmo em meus momentos mais femininos. E, que fique registrado: eu, às vezes, me esforço muito. Pois ele deu duas voltas perfeitas com os braços levantados, e voltou à posição inicial, baixando os braços delicadamente sobre a barra, sob os aplausos dos colegas. Do meu, inclusive. Ele sorriu para todos com ares de primeira bailarina e soltou:
- Ai! Translumbrei!
Juro. Um pouco menos de controle e eu o teria feito voar pela janela. Na TPM então, não haveria tribunal, no mundo, que me condenasse.