Fui uma criança inquieta e travessa que fazia medo aos meus irmãos só para vê-los chorar, que me queimava brincando com vela e fazendo alfenim de plástico queimado. Grudava chiclete na parede e voltava mais tarde para buscar, chorava diante do espelho sonhando ter cabelos longos e lisos, e fingia ser princesa. Quis ser freira, hippie, trapezista. Escondia-me embaixo da cama e esquecia os pés pra fora. Tomava banho de chuva pulando em poças de lama. Raspava o fundo da panela de arroz de leite para chover no dia do meu casamento... Chorava ouvindo música no rádio. 

          Jurei esquecer uma pessoa e liguei para pedir perdão por algo que não tinha feito, só para ouvir sua voz e por entender que ela era parte de minha vida. Fiquei no mais alto de uma serra para tentar alcançar o céu, subi em árvore pra roubar fruta, cavei buracos no chão tentando chegar ao Japão, cai de bunda da escada. Fiz juras eternas para esquecer logo em seguida, escrevi cartas de amor que nunca enviei, recebi cartas que nunca me escreveram, chorei sentada no chão do banheiro, fugi de casa pra sempre e nunca cheguei nem ao portão. Sai de fininho para não deixar alguém chorando, outras vezes fui a causa intencional do choro, fiquei sozinha no meio de uma multidão sentindo falta de uma única pessoa. Confundi sentimentos. Peguei atalho errado e continuei andando pelo desconhecido. 

          Vi imagens nas nuvens, o pôr-do-sol alaranjado virar cinza, mergulhei no rio sem vontade de voltar, tomei porre e me senti péssima no dia seguinte, assim como, olhei a cidade de cima e fiquei maravilhada com as coisas que imaginei. Senti medo do escuro que às vezes tomava conta de meus sentimentos, tremi de nervoso, quase morri de amor, perdi a voz de emoção, vivi repleta de dor e acordei no meio da noite assustada com meus fantasmas. Já corri descalça na rua, já gritei de felicidade, já roubei flores do campo, que fingi ter ganhado de um príncipe, já me apaixonei muitas vezes achando que era para sempre, mas sempre era um "para sempre" que acabava no dia seguinte, até conhecer meu grande amor. Já deitei na grama de madrugada e acordei com os raios do sol beijando meu rosto, já chorei pelos amigos que perdi ao longo da vida, mas descobri que as pessoas não ficam para sempre em nossa vida, pois a vida se renova a cada amanhecer. 

          Já fui à igreja ajudar a fazer hóstias, apenas para queimá-las e poder comê-las, sem culpa. Já roguei praga e chorei arrependida. Já neguei esmola e depois me senti culpada. Já fiz doações e senti-me extorquida. Tenho cicatrizes que não lembro que feridas as deixaram ali. E feridas que nunca sararam, mas escondem suas marcas. Já fiz tantas coisas, fotografei tantos momentos com minhas lentes de emoção, guardei tantas lembranças, joguei outras tantas fora, outras arquivei e nunca mais fui olhar, todas estão guardadas em um algum lugar, talvez no coração.

          Pensei que não voltaria a acreditar na vida e descobri que sou desesperadamente apaixonada por ela e sempre vou estar aberta a novas possibilidades e nunca deixarei de sorrir, pois há em mim uma força maior que sempre me empurra para frente e me faz acreditar nas pessoas e no amor. Já fiz muitas coisas, mas nunca desisti de ser feliz! 

            Será que foi isso que me transformou nesta mulher quase sensata, com aguçado senso de justiça, que acredita no ser humano, luta por uma sociedade menos excludente, que ainda consegue sorrir de tristeza e chorar de felicidade? Não sei, mas sei que as melhores e mais verdadeiras lições que aprendi vieram da forma mais inusitada. Sou resultado de muitos desencontros, dos improváveis, do que poderia ter dado errado, mas acima de tudo sou fruto de minhas escolhas. Ainda tenho muito a aprender e melhorar, mas confesso, o que construí já me faz feliz. 


* Da série: Mulher Madura!?





Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 27/03/2008
Reeditado em 27/06/2008
Código do texto: T918853
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