Bahia de todas as santas


               Se um dia eu for papa, mandarei imediatamente canonizar irmã Dulce e sóror Vitória da Encarnação; até antes beatificá-las! 
        Não hesitarei, portanto, em quebrar as milenares e rígidas normas canônicas adotadas, neste particular, pela Santa Sé.  Elas são as santas da Bahia...
         Como nunca serei papa, vou continuar rezando para que as duas freirinhas baianas sejam, o mais rápido possível, veneradas nos altares do mundo.
         Quanto a irmã Dulce, os primeiros passos visando sua beatificação já foram dados.  E a madre Vitória?

             Li, que na Igreja mais antiga de Cristo os santos eram  eleitos, escolhidos pelos fiéis, em pleito direto.
         Mesmo sabendo que esse processo beneficiaria irmã Dulce, quero dizer que, hoje, a eleição dos santos pelo voto, ainda que secreto, não funcionaria.  Políticos inescrupulosos logo travariam batalhas sujas e insanas para eleger seus "santos", interessando-lhes, muito pouco, a vida sem máculas do "seu candidato ou candidata" a uma vaga na mansão dos eleitos de Deus.
          Uma "boa" legenda, líderes matreiros, espertalhões, muito dinheiro, e estaria tudo resolvido. Em compensação, o Céu viraria uma monumental e indescritível bagunça.

          A beatificação e a canonização têm tramitação demorada. Tanto um procedimento como o outro pode se arrastar por décadas. A Igreja, cautelosa, exige uma vida irretocável do seu futuro beato; do seu futuro santo.
           Onze são as chamadas "virtudes heróicas" a serem escarafunchadas pelos postuladores, até que se conclua que aquele servo de Deus, de fato, pode ou não ser beatificado ou canonizado. Ei-las: "Fé, esperança, caridade, justiça, prudência, fortaleza, temperança. pobreza, castidade, obediência e humildade."  Não é mole...  E ainda tem a história dos milagres. Milagres que devem ser irrecusáveis, indiscutíveis, para evitar chantagens.

               Hoje, esse cuidado deve ser redobrado: vagueiam, à solta, astutos e ousados "milagreiros". Através de intermináveis e envolventes "sermões" , eles compram, facilmente, a boa-fé do cristão; mormente daquele financeiramente atribulado.
          A lentidão que ronda um processo de canonização levou Voltaire, irônico, a fazer esta observação: "Eis como se canonizam os santos: espera-se que estejam mortas as testemunhas dos seus erros."
          No caso de irmã Dulce, a assertiva de Voltaire não teria o menor cabimento. Os pobres e doentes pobres da Bahia , em todos os tempos, são testemunhas idôneas da bondade e das virtudes que fizeram da freirinha o "Anjo bom da Bahia".  O Vaticano, portanto, não teria (ou terá) dificuldades para beatificá-la e, logo em seguida, canonizá-la.

                 João Paulo II, em uma de suas visitas à Bahia, afirmou, do alto do seu púlpito, que o Brasil precisa de muitos santos. Nunca tomei as declarações do saudoso Pontífice como uma mera gozação. Porque também entendo, que somente santos, muitos santos tirarão este país - o mais católico do Universo, segundo ressente pesquisa - da pior...
          Toda Sexta-feira Santa me lembro da madre Vitória da Encarnação. Não fossem as exigências, às vezes exageradas, da Igreja de Roma, e o desinteresse da Bahia católica, e há muito a Boa Terra já teria nela a sua primeira santa.
       Madre Vitória, uma virtuosa freira clarissa, nasceu em Salvador, no dia 6 de março de 1671, há, portanto, 337 anos.  Viveu, até morrer, em 19 de julho de 1715, na capital baiana, na clausura do Convento do Desterro, a primeira casa das filhas de Santa Clara de Assis instalada no Brasil, idos de 1677.
                 Pouco cuidado, o mosteiro seráfico do Desterro ( no bairro de Nazaré) mantêm-se de pé até hoje; resistindo, bravamente, ao braço destruidor dos séculos!
        A clarissa Encarnação vivia, permanentemente, submetida à mais rigorosa penitência. Penitência diária. 

            Em 1720, descrevendo-lhe os passos no mosteiro, o Arcebispo da Bahia, dom Sebastião Monteiro da Vide, ressaltou, que, nas sextas-feiras da Quaresma, "ela percorria a via-sacra com uma cruz pesada nas costas". 
            O escritor baiano Afrânio Peixoto, em o Breviário da Bahia, lembra, em página comovente, que a freirinha franciscana era, em verdade, uma santa de penitência e provações.
         Foi o único escritor leigo a dedicar algumas linhas à santa clarissa do Desterro. Depois dele, um sîlêncio profundo continuoua envolvendo a figura de madre Encarnação.
          Não sei dizer se nalgum momento da história religiosa da terra do Senhor do Bonfim abriu-se um processo pedindo, pelo menos, a beatificação da monja Vitória da Encarnação, um dignificante exemplo de vida.
          Beatificadas ou canonizadas, Dulce e Encarnação, uma ao lado da outra, uma rendendo a outro no plantão celestial, estarão sempre intercedendo pela  sua abençoada Bahia.

          NOTA  -  Recentemente, depois de lhe reconhecer o martírio, a Igreja, em rápido processo, beatificou a irmão Lindalva.
          Essa irmanzinha, pertencente à Companhia das Filhas de Caridade São Vicente de Paulo, foi assassinada ao resistir a um assédio sexual quando trabalhava entre os velhinhos do Abrigo Pedro II, aqui em Salvador.
            Não era uma freira baiana; não será uma santa baiana. Sua cidade natal é Assu, no Rio Grande do Norte. Será, pois, uma santa potyguá; norte-riograndense.
            Mas, com certeza, não se negará a colaborar com santa Vitória da Encarnação e com santa Irmã Dulce na defesa dos baianos.  Quem viver, verá.        
           

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 24/03/2008
Reeditado em 10/01/2020
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