Vício Social

Quando criança, uns 3 ou 5 anos, as únicas pessoas que eu conhecia que ficavam com a mão na orelha eram duas: uma era o “Milionário”, da dupla sertaneja “Milionário & José Rico”, que se apresentava aos sábados nos extintos “Cassino do Chacrinha” e “Clube do Bolinha” (alguém se lembra?), a outra eu, que imitava o comportamento do cantor e passava o tempo todo com a mão na orelha para desespero de minha mãe que dizia: “Tira essa mão da orelha, menino!” e “Cada mania feia que esse menino aprende”. Eu sei é ridículo, mas quem disse que as crianças têm algum juízo?

Claro que não fiquei nem rico, nem milionário. Tornei-me um profissional de indústria e tentativa de escritor nas horas vagas.

Naquela época pessoas conversando sozinhas eram taxadas como loucas, vitimas de esquizofrenia ou espiritismo.

O tempo passou, a tecnologia se desenvolveu e hoje ambos os comportamentos são perfeitamente comuns graças ao uso do telefone celular, que por sinal estão cada vez menores.

Não tenho nenhuma aversão à tecnologia, vejo até com bons olhos a evolução do invento de Gram Bell, mas creio que para algumas pessoas o uso indiscriminado beira a loucura. Já vi pessoas que desmarcaram seus compromissos porque o aparelhinho estava descarregado e elas juram que não podiam sair de casa sem ele. Outras saem com dois e os exibe na cintura sem a menor modéstia ou medo de um assalto.

Considero que o celular tem algumas semelhanças com as drogas: 1) Quase todos os jovens usam e quem não tem é visto como um careta; 2) Todos pedem pra você usar ou comprar e se você já tem sempre comentam que tem um melhor, mais moderno que você deveria comprar; 3) Vicia e causa dependência psicológica.

Nas fichas de cadastro de qualquer lugar já não perguntam se você tem ou não, mas qual é o numero. Quando diz que não possui você passa a ser visto como um extraterrestre. Já chegaram a me perguntar como eu consigo viver sem celular e eu prontamente respondi que da mesma forma que vivo sem uma Ferrari.

Obviamente depois de um tempo até eu comprei um celular, mas isso é quase um segredo; pouquíssimas pessoas sabem. Me incomoda dar a entender às pessoas que estou disponível o tempo todo. Não preciso disso para a minha auto-estima. Acredito ainda que tudo o que é raro (ou difícil) tem mais valor. Posso estar sendo ingênuo, mas penso que se as pessoas realmente querem falar comigo não se incomodaram em ligar para minha casa. É até mais barato.

Meu aparelho é exclusivamente por necessidade, além de ter comprado usado é um dos modelos mais simples (2002?) tela monocromática, sem FM, câmera, jogos ou MP3. Fiz ainda um bem à natureza, pois como dizem os ambientalistas uma bateria velha mal descartada (o que geralmente ocorre) pode contaminar os lençóis freáticos.

Não sinto a menor falta em exibi-lo ou ter outras comodidades disponíveis em alguns modelos. Sobre a exibição, vejo como um vexame e comportamento típico de pessoas sem conteúdo que querem aparecer pelo que possuem e não pelo que são (sem generalizar, é claro).

Dia desses, na fila do banco, duas garotas (dessas sem trava na língua) conversavam sem qualquer discrição. De repente uma delas arma uma situação quando grita para a outra: “Michele! Tem um negócio vibrando na minha bunda”. Claro, era o celular no bolso da calça. Ficou um constrangimento geral na fila enquanto quase todos tentavam disfarçar os risinhos (inclusive eu).

Um outro, colega de trabalho, exibia e demonstrava as funcionalidades de seu aparelho como um troféu. Comprado em nem sei quantas vezes, um aparelho moderno com câmera, cartão, etc. Depois de um tempo vi ele se esgueirando pelos corredores para se esconder do chefe enquanto falava no celular. Não resisti e comentei: “Nossa! Além de tudo dá pra falar?!” Ele não se conteve e falou: “Claro! É um celular.” Eu: “Ah, é! Esqueci”. O colega é claro percebeu a minha cara de desdém quando disse isso e com certeza ficou pensando que eu estava morrendo de inveja.

Agora eu me pergunto: Pra que levar o celular para o trabalho se toda vez que for usá-lo precisa se esconder como se estivesse cometendo um crime? Era melhor que o deixasse em casa ou no armário.

Também não me acostumei com as pessoas que no meio de uma balada sacam o celular e começam a tirar fotos. Até bem pouco tempo atrás levar maquina fotográfica para um lugar desses era “pagar mico”. Hoje representa status. Por que hoje em dia tem que ser diferente?

No fundo, no fundo penso que sou um eterno romântico e saudosista. Desses que preferem o calor humano do contato olhos nos olhos a uma conversa fria por telefone.

Talvez isso um dia tenha “cura”, mas sinceramente ainda me orgulho por ser assim...