Prisões na colônia alemã de Foz do Iguaçu
Em 1942 foi decretada a “Lei de Fronteira” que dava total autonomia para as autoridades policiais e militares agirem no controle e repressão às colônias alemãs e italianas no Brasil. As informações foram desencadeadas a partir de informações coletadas, que davam conta da existência de uma forte organização ligada ao Partido Nazista Alemão, através da Ação Integralista Brasileira, dirigida por Plínio Salgado. Entre as organizações que atuavam no Brasil estavam os Círculos de Apoio ao Partido Nazista, a Juventude Teuto-Brasileira, a Comunhão das Mulheres Nazistas e outras. Exerciam estas organizações uma flagrante autoridade sobre as escolas, hospitais, maternidades, sociedades de todo o gênero,comércio e indústrias pertencentes a alemães.
Não é, portanto, de se estranhar que, dentro deste contexto, a colônia alemã de Foz do Iguaçu sofresse perseguições, provocadas, na maioria das vezes, por informações de indivíduos interessados em estar bem com as autoridades e por aproveitadores que estavam de olho nas propriedades dos colonos.
Naquela época o medo reinava entre os colonos de origem alemã, espalhados em pequenas e médias chácaras ao longo da Estrada Velha para Guarapuava e nas regiões de Santo Alberto e São João.
Havia rumores de que os colonos estavam fazendo reuniões e que muitos de seus membros colaboravam com o nazismo.
É aí que entra em cena o escrivão de polícia Aracy Albuquerque Neira, considerado por muitos como um dos responsáveis pelas perseguições e prisões ocorridas em Foz do Iguaçu.
Falar alemão naqueles dias era extremamente perigoso. Podia significar prisão, confinamento ou morte. Testemunhas desses acontecimentos acusaram o delegado Cláucio Guiss e o agrimensor da prefeitura Otto Kucinski, como responsáveis pelas informações chegadas a Curitiba de que “os alemães de Foz do Iguaçu estavam se armando e que durante as reuniões gritavam a famosa saudação nazista “Heil Hitler”.
Devido a esses boatos, foram presos Carlos Rahmeir, Kurt Mahler, Martin Nieuwenhoff, Gustav Leninger, família Roth, Kurt Steiner, August Gunther e outros. No relatório policial consta que “a cooperativa agrícola era a base de espionagem do Eixo”.
Depois das primeiras prisões, o medo se transformou em pânico e os colonos passaram a viver apreensivos. O ambiente se tornou mais tenso após a morte do tenente Nelson Fleital, que servia no Batalhão de Fronteiras. Algumas famílias abandonaram tudo que possuíam e esses bens foram tomados por aproveitadores, muitos deles os mesmos alcagüetes responsáveis pelos boatos.
Prisão do Pároco de Foz
Processo contra a Congregação do Verbo Divino
As deduragens durante a segunda guerra mundial não perdoaram nem as autoridades religiosas. Em 1942, a partir de uma denúncia do escrivão Aracy Albuquerque Neira, o prelado de Foz do Iguaçu, monsenhor dom Manoel Koenner, foi preso e processado sob a acusação de “haver praticado delito previsto pelo artigo 13 da Lei de Segurança Nacional”. As autoridades policiais alegaram como motivo para a prisão, ocorrida em 19 de janeiro de 1942, terem encontrado uns caixotes na Prelazia, contendo armas de caça, munição,discos alemães e materiais de farmácia, entre outros objetos.
Em seu relatório, o delegado regional de Polícia, Gláucio Guiss, chegou ao cúmulo de afirmar que a congregação do Verbo Divino, a que pertencia dom Manoel Koenner, era uma “grande rede de espionagem alemã no Brasil”.
Esses fatos, minimizados na biografia do padre que exerceu a chefia da paróquia de Foz do Iguaçu no ano de 1942, são considerados pelo diretor da escola que leva seu nome, no município de Santa Terezinha de Itaipu, como perseguição política. O mesmo afirma laconicamente o padre Germano Lauk. Segundo ele, tudo não passou de um equivoco e que no final dom Manoel Koenner foi reabilitado. Indo mais a fundo o professor Cláudio Dier,
um dos biógrafos do monsenhor, assegurou que o vigário foi vítima de provas fabricadas.
Na ânsia de mostrar serviço aos seus superiores, o delegado Gláucio Guiss informou, no relatório que escreveu às autoridades de Curitiba, que nos caixotes depositados na prelazia, foram encontrados “material bélico e munições de guerra, além de propaganda da Ação Integralista do Brasil, organização de inspiração fascista e dirigida por Plínio Salgado”.
O caso dos caixotes misteriosos
Já em seu depoimento, prestado ao delegado Gláucio Guiss em 19 de janeiro de 1942, dom Manoel Koenner afirmou que desconhecia o conteúdo dos caixões, nos quais nunca mexeu por recomendação de seus antecessores, padres Theodoro Harnecke e Vicente Hackl, presumindo serem de propriedade de um “arquiduque, um médico, um químico e um piloto, todos de nacionalidade húngara, que estiveram hospedados na Prelazia em 1937”. Quanto a acusação de ser simpatizante da Ação Integralista, dom Manoel Koenner afirmou que de fato no ano de 1933 foi simpatizante desse movimento político, mas que em 1934 ele se desligou do mesmo por considerar que os dirigentes políticos do Integralismo não inspiravam confiança. Com relação ao material encontrado em seu arquivo particular, o padre declarou que o encontrou por “debaixo da porta principal da Prelazia e o guardou sem segundas intenções”.
Apesar de jurar inocência diante das acusações, dom Manoel Koenner foi mantido preso e processado pelo Tribunal de Segurança Nacional.
O caso dos caixotes só foi esclarecido no depoimento prestado ao chefe do DOPS, delegado Valfrido Piloto, em sete de junho de 1943, pelo padre Vicente Hackl, ex-vigário de Foz do Iguaçu.
Segundo o padre Hackl, os caixotes foram deixados na Prelazia por uma comissão composta por quatro pessoas de nacionalidade húngara e chefiada por um arquiduque da Casa da Áustria, de nome Albrecht de Habsburg. Esse arquiduque chegara a Foz do Iguaçu em agosto de 1937 num avião de sua propriedade e se hospedara, juntamente com os demais membros, da comissão na casa paroquial.
Ainda segundo o padre Hackl, o tempo de permanência do Arquiduque e sua comitiva em Foz do Iguaçu foi de trinta dias. Antes, porém, de seguirem viagem para Assunção, pediram permissão ao vigário para deixarem os caixotes até março do ano seguinte, quando voltariam para buscá-los.
Rigorosamente, a prisão dos padres da Congregação do Verbo Divino não passou de mais um erro policial causado pela histeria e preconceito racial. Tanto que no ofício de número 1.374/43, enviado ao chefe da 2ª Seção do Estado Maior da 5ª Região Militar, o delegado do Dops, Valfrido Piloto, informou que os proprietários dos caixotes faziam parte de uma “expedição destinada à escolha de um latifúndio no território paraguaio, a fim de ser estabelecida uma grande propriedade agrícola, naturalmente com colonização estrangeira”. Quanto as suspeitas de que essa propriedade pudesse vir a ser futuramente, um ponto de apoio a serviço de espionagem para as potências do Eixo, o delegado do Dops afirmou que não foi “descoberto nenhum indício que confirmasse esta conjectura”. Valfrido Piloto informou ainda à autoridade militar que todos os serviços de verificação realizados pela comissão húngara “foram feitos às claras, tendo sido acompanhados, até por pessoas estranhas à Comitiva e que os caixotes foram deixados em sala aberta e de fácil acesso, aí ficando como que abandonados pelos vários sacerdotes que exerceram a Prelazia”.
Apesar de todas as evidências inocentado-o das acusações, no dia nove de outubro de 1943, dom Manoel Koenner foi condenado a três anos de prisão pelo Tribunal de Segurança Nacional. Sua libertação só foi possível graças aos pedidos encaminhados pelos religiosos à dona Carmela, esposa do então ministro da Guerra, marechal Eurico Gaspar Dutra, conhecida por sua extremada fé católica. Seu caso foi revisto pelos juízes, tendo sido absolvido e reabilitado em sua plenitude. Três anos depois, já eleito presidente da República,sempre influenciado por dona Carmela, Dutra cancelou o registro do Partido Comunista, cassou o mandato de seus parlamentares e fechou os sindicatos. Foi, sem dúvida um carrasco da classe trabalhadora e bom amigo e protetor do clero. Suas simpatias pela causa integralista e pelo fascismo eram conhecidas publicamente.