COINCIDÊNCIAS E CONEXÕES: Minha Jornada do Ceará ao Rio Grande do Sul

Moacir José Sales Medrado[1]

Formei-me em Agronomia na Universidade Federal do Ceará, e ao longo do meu curso, dois episódios notáveis me conectaram de forma inesperada ao Rio Grande do Sul. O primeiro desses episódios começou com um presente de minha mãe, uma mulher humilde, que comprou uma coleção de livros da Editora Freitas Bastos sobre agronomia. Ao chegar em casa, vi que os livros tinham muita informação interessante sobre pecuária, mas notei que grande parte do conteúdo se referia ao gado Hereford, criado especialmente no Rio Grande do Sul. Comentei isso com minha mãe, que ficou triste por não ter me presenteado algo mais próximo da pecuária nordestina. Mesmo assim, seu gesto de amor e sacrifício ficou marcado em minha memória.

 

Algum tempo depois, minha mãe investiu seu pouco dinheiro em outra coleção, "Cartilha do Agricultor", produzida pela Associação Sulina de Assistência Técnica e Extensão Rural. Mais uma vez, o Rio Grande do Sul entrava em minha vida de forma significativa. Adicionalmente, meu padrasto, que havia sido técnico e jogador de futebol em times do Norte, Nordeste e até do Rio de Janeiro, encontrou em suas lembranças um livro sobre a colonização alemã no estado do Rio Grande do Sul. Isso tudo ocorreu no início da década de 1970.

Coincidência ou não, no início da década de 1990, fui transferido para a Embrapa Florestas localizada em Colombo, PR, após começar minha carreira profissional em Rondônia trabalhando com seringueira; por conta disso fui designado para um projeto do IAPAR envolvendo esta espécie, mas acabei sendo indicado para trabalhar com erva-mate. Essa reviravolta trouxe o Rio Grande do Sul novamente para o centro da minha trajetória uma vez que o projeto era um trabalho de pesquisa em conjunto com a Universidade Regional Integrada - Campus de Erechim que inicialmente se concentrava nos municípios de Áurea, Barão de Cotegipe e Machadinho, mas que se expandiu para outros municipios .

 

Certo dia, inspirado por essas conexões inesperadas, resolvi escrever um poema que ligasse o meu estado do Ceará ao estado do Rio Grande do Sul. Assim nasceu o poema "GAUCHENSE":

 

GAUCHENSE

Da caatinga ao espinilho

Das campinas ao sertão

Do Ceará eu sou filho

Do gaúcho sou irmão

 

Visto de renda minha prenda

Encilho meu garanhão

Mando-me pelas coxilhas

Nas trilhas do coração

 

Pingo bom e marchador

Mulher gostosa e donzela

Tiram toda minha dor

Põe-me sebo na canela

 

Em todo lugar que chego

Danço um belo vaneirão

A depender do aconchego

Danço xaxado e baião

 

No velho galpão crioulo

Carne de sol, chimarrão.

Churrasco, pão e miolo.

Melhor que isso? Tem não!

 

Dormir em rede é “bão”.

Em pelego é demais

Uma é feita de algodão

O outro de animais

 

Sou vaqueiro ou sou gaúcho

Me encouraço ou me piucho

Saibam com toda certeza

Qualquer dos dois é um luxo

 

De cinto apertando o bucho

Com guaiaca e com punhal

Sou verdadeiro gaúcho

E também cearense legal.

 

Este poema ficou guardado por um tempo, sendo mostrado apenas a um amigo gaúcho, também engenheiro agrônomo, que trabalhava na Extensão Rural do Rio Grande do Sul. Certo dia, estávamos em uma exposição agropecuária realizada no município de Machadinho, RS, tomando uma cervejinha, quando ele convidou para nossa mesa um grande nome da música gauchesca, Luiz Marenco. Durante o papo, Ilvandro mencionou meu poema "GAUCHENSE". Marenco, gostando da ideia, pediu que eu lhe enviasse o poema para ele dar uma olhada. Até hoje não tive coragem de encaminhar, mas essa experiência ficou marcada como uma das grandes coincidências e conexões da minha vida.

 

Agora, com a enorme tragédia das enchentes que assolam o Rio Grande do Sul, sinto a necessidade de expressar minha solidariedade e apoio ao povo gaúcho através da poesia. Inspirado pelas mesmas forças que me conectaram a essa terra, escrevi um novo poema em homenagem à sua resiliência e coragem em tempos difíceis.

 

Águas que descem do céu, sem cessar,

Rios de lama, trazendo pesar.

No sertão, no pampa, em qualquer lugar,

A dor é a mesma, difícil de suportar.

 

Gente humilde, lutadora, resiliente,

Vê sua vida levada pela corrente.

O suor da labuta, o sonho dessa gente,

Submersos, na enchente, tão de repente.

 

Mas o sol voltará a brilhar

E outras estrelas solidárias irão lhe ajudar.

A força brotando do fundo do coração

Gerará uma corrente para a reconstrução.

 

Unidos na fé, de norte a sul,

Do Ceará ao Rio Grande do Sul,

A solidariedade é o nosso farol,

Iluminando caminhos lado a lado com o sol.

 

Dedico esta crônica e estes poemas ao povo gaúcho, que enfrenta essa tragédia com a força e a dignidade que sempre o caracterizaram. Que a solidariedade e a esperança sejam os pilares da reconstrução e que, juntos, possamos superar esses tempos difíceis.

 


[1]  Engenheiro Agrônomo (UFCE), Especialista em Planejamento Agrícola (SUDAM/SEPLAN – Ministério da Agricultura), Doutor em Agronomia (ESALQ/USP), Pesquisador Sênior em Sistemas Agroflorestais (EMBRAPA – aposentado), Consultor em Sistemas Agroflorestais.