RAUL SEIXAS

LEMBRANDO-ME DE RAUL SEIXAS

Nelson Marzullo Tangerini

Quando soube da morte de Raul dos Santos Seixas, senti que, dali para adiante, muita mediocridade tomaria nossas rádios de assalto, ainda que a resistência tentasse quebrar este muro que, enfim, se partiu, para eles, e invadiu a nossa praia.

Sentei-me à mesa e escrevi um texto sobre Raul, texto que enviaria, posteriormente, para os jornais do Rio. O Dia a publicou e eu fiz o meu registro: porque o conheci , num momento em que ele era um mero espectador de um show de Ney Matogrosso. Dinah, minha mãe, que estava presente no show, por ser fã de Ney, ficou fascinada com a presença do astro. Ela era igualmente fã de Raul e também foi falar com ele.

Eis minha missiva, publicada na seção “CARTAS NA MESA [Cartas dos leitores], do jornal O Dia, p. 4, Rio de Janeiro, RJ, Segunda-feira, 2.10.1989:

“ Ele era baiano de Quengunhem, ‘onze horas de mula e 12 de trem’. E dizia, com orgulho, que era o único baiano que não era filho de João Gilberto.

Dizia-se esquizofrênico. Chegou a anunciar, certa vez, que se candidataria à presidente da república.

Quando compôs Ouro de Tolo, uns imbecis o chamaram de profeta do apocalipse. Eles só irão entender o que Raul Seixas falou no esperado dia do eclipse.

Conheci Raul no Teatro Ipanema na estreia do show ‘Bandido’, de Ney Matogrosso, que cantava ‘Metamorfose ambulante’, música que entraria no disco ‘Pecado’ (de Ney).

Pedi, então, um autógrafo a Raul. Sempre fui fã dele. Tenho seus discos. Acreditava na loucura em que vivia. Ele sempre dizia verdades por trás da loucura e do humor.

Ele, por fim, autografou o programa do show ‘Bandido’. Nunca consegui decifrar a dedicatória, o que escreveu. Só consegui entender o autógrafo: ‘Raul Seixas’.

Para os xenófobos, ele mostrou que o baião é rock´n´roll. Para os analistas, ele mostrou que o diabo dá os toques, que, ‘enquanto Freud explica, o diabo dá os toques’.

Talvez alguém tenha levado Raul a sério: ‘Sociedade alternativa é um sapato em cada pé; é o direito de ser ateu ou de ter fé’.

Muitas músicas de Raul serão lembradas, tocadas, regravadas. Tinha muito talento. Compôs coisas belíssimas:

'Ouro de tolo', 'Gita', 'Maluco beleza', 'O dia em que a Terra parou', 'Trem das sete', entre muitas outras.

Para o momento em que vivemos, é bom lembrar desta: ‘Sonho que se sonha só, / é só um sonho que se sonha só, / mas sonho que se sonha junto / é realidade’.

Raul teve sua época áurea. Ultimamente vinha sedo boicotado pela mediocridade que toma conta das rádios”.

Enfim, carta de um fã, estudante de Jornalismo, que sonhava ter, um dia, um canto qualquer de um jornal onde pudesse publicar seus textos, o que jamais aconteceu.

Estive, muito depois disso, no show ‘O dia em que a terra parou’, no mesmo Teatro Ipanema, quando apresentou a música ‘Maluco beleza’. Em dado momento, Raul perguntou ao público o que desejariam ouvir. Muitos pediram canções de outros discos, mas eu gritei mais alto que todos e pedi Bob Dylan. E, então, ele cantou ‘Blowin´in the wind’

Tentei falar com Raul no final do show. Mas não consegui. Inúmeros fãs queriam, também, falar com ele. E o baiano fugiu pelo corredor lateral.

Fiquei um pouco frustrado, por não ter podido falar com ele, mas não deixei de ser seu fã.

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 05/05/2024
Código do texto: T8057085
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