Registrando meus lamentos

Uma amiga especial entrou em contato, por esses dias, me indicando uma antologia de uma editora de nome 'Rio Flores'. De início, não me interessei muito, por conta do tema ser 'homenagens', que não me gerou nenhuma conexão momentânea, e por conta de estar muito próximo do encerramento das inscrições para a antologia, que acabou tendo seu prazo estendido para que eu pudesse participar; mas rapidamente mudei o pensamento, pois, de imediato, dois textos me saltaram na mente. Foram dois textos que publiquei apenas no Facebook e Deus sabe o quanto não gostaria de tê-los escritos.

Os dois foram gerados sob sentimentos profundos e penosos, oriundos da ação do nosso maior inimigo: a morte. O primeiro, 'plangente', se deu pela perda de um grande amigo virtual, em 2022, que infelizmente jamais poderei encontrar pessoalmente; e o segundo, 'tia Janice', foi por perder a esposa de um dos irmãos de minha mãe, minha querida tia Janice, que inclusive era madrinha da minha irmã, e nos deixou no final de 2023; sendo, como disse para minha irmã, a primeira pessoa próxima que perdemos; nos fazendo lidar com o luto 'nu e cru' pela primeira vez.

Diferente de quando escrevi esses textos, agora, por algum motivo, me sinto tranquilo para os publicar por aqui, já que os dois estarão impressos em breve, juntos de outros textos de outros autores que também prestaram suas homenagens.

(Plangente)

- Tio luuuuu...

É, dessa vez não terei o 'amei' como reação sua, como quando lhe chamava assim.

Buscando um começo para escrever sobre algo que não gostaria que fosse verdade, posso dizer que em momento algum pensei que o falecimento poderia se tratar de uma de suas brincadeiras. Embora mesmo de mau gosto, ficaria feliz se assim fosse. Quando me deparei com a primeira publicação sobre seu triste fim, pude sentir que havia acontecido o pior. Não muito tempo depois, outras publicações foram aparecendo em meu 'feed', chutando para longe qualquer possibilidade de ser alguma brincadeira; e se o cansaço já me tomava após chegar tarde em casa após um dia exaustivo, receber um golpe desses foi um 'grand finale' para que fosse dormir. O planejamento de publicar um novo poema foi abolido de minha mente, a internet perdeu a graça naquele momento e uma tristeza invadiu meu ser. Me restou pouco de alternativas que não fosse dormir para tentar associar tudo com mais clareza no dia seguinte. Alguém com certa dose de insensibilidade poderia perguntar sobre como alguém pode se sentir triste por uma pessoa que nunca se viu pessoalmente; e a reposta não é nada difícil, visto que as redes sociais são uma extensão de nossas vidas, aproximando pessoas que moram longe umas das outras; fazendo parecer que não estão tão distantes assim. E o principal é o 'ser em si', que era único e que portava uma forma diferente de cativar a maioria. O tio Lu cabia perfeitamente naquele dito popular que diz que quem não gosta de tal pessoa, não gosta de ninguém. As risadas eram sempre garantidas com suas publicações cômicas, que variavam de alguma montagem consigo mesmo, alguma frase engraçada ou algum meme. Era uma 'figura' pela qual nutria imenso carinho e respeito, onde mesmo que quando aprontava das suas envolvendo algo do 'Cristianismo' em suas publicações, ainda assim não conseguia ficar chateado. Possivelmente uma pessoa que muitos gostariam de ter conhecido pessoalmente. Ah, tio Lu, por que não se cuidou? Se fosse possível lhe encontrar e dar um sermão por isso, certamente iria fazer igual aquelas mães que dão uns safanões no próprio filho por ter feito alguma coisa grave, gritando: - Por que você fez isso?

Não quero cometer nenhuma injustiça para com você num texto que só tem o objetivo de prestar uma homenagem pelo ser divertido que 'morava' no meu 'feed', e que irá fazer falta para muitos.

Todos temos nossas brigas com nosso próprio 'eu' além dos demônios que nos circundam e que estão sempre insanos por nossa derrocada para nos consumir em definitivo. Alguns não conseguem suportar o jugo (no sentido bíblico) e levar o próprio fardo até o fim. Muitos evitam parar - ou desacelerar - a própria vida, adiando, ou evitando o necessário encontro consigo mesmo, para solucionar os problemas de dentro de si. Alguns preferem fugir de tudo isso com a "ajuda" de coisas que vão destruindo o ser aos poucos, ou até de maneira rápida. Seria como ir tirando a própria vida em etapas. "Não falem do seu Deus", você nos dizia, mas irei dizer que ele é bom, justo e tem misericórdia. Tenho certeza que o nosso criador não irá considerar algumas palavras ditas sem se ter a certeza do que se dizia.

Daria para fazer um livro falando sobre você, o que mostra o quão excêntrico e especial você era. Aliás, uma vez numa de nossas conversas pelo 'Messenger', você disse que iria me contar sua história de vida. Ainda acrescentou que eu seria seu biógrafo e que sua história de vida me renderia um livro que me deixaria conhecido. Pois, é!

Apenas agora consegui organizar o raciocínio para escrever, pois, estou um pouco mais lúcido mediante tudo isso, embora seja impossível não ficar imaginando a perda. Mas, assim como creio que gostaria, quero pensar nas ótimas risadas que nos tirava e preservar a imagem alegre que nos passava, mesmo com todos os problemas que tinha.

Espero do fundo do coração que seus familiares, amigos próximos e principalmente seus jovens e belos filhos tenham força e fé para enfrentar a dor do luto; e que de algum modo possam conviver com a lacuna que a perda vai deixar.

Beijo, tio Lu.

Estará em nossas memórias para sempre.

(Tia Janice)

O sinal da internet foi voltando aos poucos, oscilando bastante, após uma intensa ventania que deixou muitos bairros de Niterói e São Gonçalo sem luz, causando diversos estragos. As notificações das redes sociais chegavam gradativamente e, pouco a pouco, se tornava possível acessar as mensagens. Numa ordem que pode parecer aleatória, mas que consiste em certo grau de afeto, resolvi abrir as mensagens de minha genitora primeiro. Curta e enfática, a mensagem anunciava uma notícia de grande pesar; que rapidamente fez com que os estragos causados pela natureza, mesmo graves, fossem relevados, pois, para eles existem jeitos, mas para a morte, não.

A notícia é um epílogo pesaroso para uma situação delicada, onde apenas a fé mantinha alguma esperança dentro daqueles que ainda esperavam um desfecho positivo. Um baque inevitável tomou conta momentaneamente e muitas memórias afetivas surgiram desordenadamente, pois, como disse para minha irmã, foi a primeira fez que perdemos alguém tão próximo. Imaginar que, no espaço territorial gigantesco do nosso planeta, não será mais possível encontrar determinada pessoa não é, de imediato, algo de fácil assimilação.

A rotina agitada que, basicamente, todos nós temos, por sermos parte da engrenagem do sistema que nos esmaga, mas que não existe sem nós, faz com que muitas vezes não seja possível ser presente na vida daqueles que amamos e gostamos. Isso é um pensamento enraizado dentro de mim há alguns anos e que já o aceitei com contragosto, quando percebi não ser possível lutar contra ele; afinal, o vagão da vida nos leva para lugares que não imaginamos, deixando pessoas queridas espalhadas por aí e, infelizmente, nem sempre com a possibilidade de vê-las quando desejamos. Mas uma coisa sempre me conforta dentro dessa realidade cruel: saber que as pessoas, mesmo distantes, estão bem. As redes sociais, a internet de modo geral, ameniza um pouco a distância, por ser possível manter contato quando desejarmos; mas a morte termina com tudo; até com isso.

Em todas as lembranças que minha memória foi capaz de trazer, não consegui me recordar de nada negativo relacionado a você; e, não por não lembrar, mas por simplesmente não haver. O seu trato para com os seus sobrinhos, mesmo durante as fases mais encapetadas da infância, sempre foi louvável. Forcei minha mente e, sinceramente, nem uma mísera repreensão, que muitas vezes teria sido merecida, não me recordei.

Nesses últimos anos, fica registrado o carinho de sempre, pelas redes sociais, as conversas, também pela 'Web', e todo o mais que sempre foi positivo.

Havia combinado de visitá-la nesse Natal e, esperançoso, esperava fervorosamente que conseguiria sair viva do hospital, mas, não temos controle sobre a vida e a morte; são questões que excedem por completo nosso alcance de ação.

Sorridente, apesar de todos os problemas que enfrentou no decorrer da vida; prestativa, mesmo quando o mais viável era dizer não; amável, ainda que nem sempre recebesse aquilo que dava. As memórias que deixa por aqui são as melhores possíveis; com certeza todos que conviveram com você, mesmo que apenas por algum período, possuem alguma boa lembrança guardada.

Deus deve ter um lugar especial para você; e que Ele conceda entendimento e paz para todos aqueles que estão desolados pela dor da perda.

Adeus, tia Janice.

Edu Sene
Enviado por Edu Sene em 27/04/2024
Código do texto: T8051266
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