Apêndice

Abro o celular. Vejo minha exígua lista de compras da quarta-feira. Que foi na quinta. Eu sempre preferi quartas-feiras, o dia de reposição nos mercados, mas ontem não quis mostrar meu rosto. Hoje também não. Me cobri com um quase falecido batom vermelho. Me senti uma palhaça ou uma coisa estranha qualquer. O que estavam olhando, afinal? Minha cara de sonsa-triste. Tudo que me é central eu acho estranho. Seja no corpo ou no rosto. Ou na vida. O centro me adoece. Me invadem de olhares que não sei se me julgam ou não. Me sinto borrada, distorcida, desprovida. Desaplaudida. O centro do rosto me causa fascínio e rancor, não sei o que há nele, não sei que tipo de coisa há entre os olhos e a boca. Talvez a harmonia, a simetria. Ou a falta disso. Não sei se um buraco negro se abre quando me empalidecem a cara, contrastando-a. Tomei medo do ventre desde que os motoristas de ônibus decidiram ser hipnotizados por ele. Não é pela roupa, que quase sempre é comprida e fechada, é por estar com a cara diante disso. Atrasam trocos, ignoram “boas-noites”, mas o olhar emudecido não falha. Quando eu vejo outra mulher, fico esperando a mesma reação. Estou sempre pronta para me compadecer e para ver como elas irão reagir. Elas ignoram. Ou realmente não veem. Eu ignoro, mas eu vejo tudo. É tão profundo que parecem querer enxergar o útero, partir o corpo com o olhar a laser e apreciar a existência do sistema reprodutor feminino. Mas não. Eu sei que não é isso. E só isso também não faz de ninguém uma mulher. Mas também não importa. Eu acho que de mulher mesmo eles não gostam, e sim da performance.

Talvez seja assim. Eu não gosto da construção dos homens, mas eu gosto de homem. Que destino terrível. Eu me encanto, fico besta, eu escrevo, eu lembro, eu quero me grudar, gosto de pegar em suas mãos e medi-las nas minhas, eu fico cega, tonta, eu fico esperando o que não me dão nunca. Eu faço tudo, só não cedo. O medo é tipo um segundo apêndice. Tá aqui, fazer o quê? Não é tão útil quanto se imaginava, mas é importante pra se ter cautela. É que, caso contrário, ele te mata. Na verdade, eu anseio pra que chegue o dia em que o medo exija só cautela de mim.