Vou mostrando o que posso

Eu pensei em escrever às 18h. Mas não. Meu corpo insiste em ser teimoso. Escrever de madrugada combina mais com o tom das minhas palavras. Quando eu digo que “pensei em escrever”, entendam, não quer dizer que eu tenha planejado. É só um sentimento que vem, algo que se manifesta. Todo mundo que se conhece bem entenderia isso. É como sentir uma pré-cólica, pois independentemente do que marca o calendário a resposta você já sabe — por mais regulado que seu corpo seja. Escrever é sentir que algo precisa acontecer. Eu aconteço. Todos os dias. Mas tem vezes que as coisas só saem da gente por escrito. De mim, é absolutamente tudo. Eu não faço nada senão escrever. No entanto, tudo em mim é desalinho. A linha se estende da minha cabeça até Uibaí, o centro do mundo, cortando meu coração — que sempre esteve por um fio. Preferiria ser uma peça de crochê: reforçada, cara e única. Eu gosto de pensar na ideia de ser especial, mas tudo é tão altamente questionável que acreditar em palavras se tornou um dilema torturante. Crer ou não crer. Não sou uma mulher de fé, e sim de mostranças. Queria que me mostrassem tudo, sobretudo o coração explicitamente aceso. Com isso, nada faria. Nada mudaria no meu corpo, na minha casa, no meu cabelo, o clima não se consertaria, as pessoas não se consertariam, o mundo não se tornaria melhor, mas volta e meia eu iria me lembrar disso. E depois lembraria pra sempre. Talvez mudassem os sorrisos, como há se ser. Não sei.

Nem tudo gira em torno de palavras. Os bebês não verbalizam, no entanto, se expressam como desesperados. Tudo é motivo pra choro e show. Com as palavras erradas, eles crescem traumatizados. Quando viram adultos, ainda não sabem verbalizar. E então vem o choro, o show e o desespero. A vontade de se jogar no chão de um mercado.

Eu não sei o que é isso, eu era o bebê bonzinho. E fui a criança compreensiva. E hoje me acham adorável. Mas eu sou um animal preso, não tem nada de adorável nisso. Os bichos se acostumam no zoológico, mas não quer dizer que isso seja certo. Engraçado, eu também não verbalizo muito. Eu falo, e falava bem na escola, valendo nota. Quer dizer, eu converso muito, especialmente quando estou nervosa. Mas tenho um dicionário de palavras proibidas, que me dão calafrios, e de temas ocultos que são capazes de torturar. Mesmo assim, eu escrevo. Talvez não tudo, não sempre, não tanto, não bem. Mas as coisas saem de mim, é o que me interessa.

Nessa coisa toda, muitas vezes eu me deparo com as palavras certas na frase certa, no tom certo, na medida certa. Assim, tão boas que não me basta lê-las — era pra eu tê-las escrito. Que maldade do destino ou que sorte em poder ler também. Às vezes é um poema inteiro, mas muitas vezes é somente um excerto. Uma frase. Uma linha. Um versinho. Uma palavra inventada. Sim, eu queria ter pensado em “perhappiness”, é totalmente minha sem ser. O que mais me define do que “talvez”? O desejo de ser, mas com o medo de sempre. A incerteza. A dúvida. “Talvez felicidade”. Eu queria ter sido pra quem este verso que li hoje foi feito: “si el amor, como todo, es cuestión de palabras, acercarme a tu cuerpo fue crear un idioma.” Mas sou eu a pessoa que escreve.

Os prazeres que a greve me proporcionou, em ordem:

Eu realmente não fui feita pra ser livre, então? Não entendo. Na verdade, os seres humanos não foram criados pra liberdade. Não a liberdade pura, e sim a pasteurizada. Assim como quase tudo. Nas aulas de ética e moral no Direito, dizem que podemos tudo — mas que as consequências existem. Óbvio que existem, mas não podemos tudo. Além de não dever, a gente também não pode quase nada. No geral, as pessoas não conseguem simplesmente abrir caminho pro id passar. São anos e anos de domesticação social. Não tô dizendo que não gosto da ordem, eu sou e vivo a ordem. Mas não precisava colocá-la dentro de mim, presa ao espírito, sugando minha mente. “Se ser certinha me afasta de quem eu sou, me disponho a ser torta”. Um verso de uma coisa qualquer que escrevi há uns dias, não sei se vou expor. Já comecei mentindo. Eu não me disponho a nada, não assim. Mas aos poucos eu espero me envergar, não de velhice aparente, mas de viver. Falar com propriedade a frase “meu bem, eu não nasci ontem”. Eu me sinto extremamente falsa ao falar isso, como se eu não fosse besta ainda. Eu sou, eu nasci entre ontem e hoje. Mas também não é como se eu fosse completamente idiota, eu sou desconfiada. Mas de tudo também é ruim. Se um homem me elogia muito, é inevitável pensar pra quantas mais ele disse a mesma coisa. Ou eu sou tão incrível assim? Não sei. Seria muita falta de humildade de minha parte. Minha mãe me achava o bebê mais lindo, a criança mais linda. Agora eu também sou a mais linda. Pra ela. Eu acredito porque ela é uma mãe, afinal. Talvez se fossem os dois pais elogiando seria mais crível. Eu nem precisei buscar validação masculina porque os homens chegaram muito cedo. Ninguém esquece o primeiro assédio. Dez anos, voltando da escola. Pedreiros. Eu me senti estranha, mas percebi que seria aquilo pro resto da vida. “Obrigada”(?). Aliás, resto da vida só se eu envelhecer contrariando o tempo. As mulheres têm prazo pra tudo, os homens não. Os primeiros cinquenta anos da infância são os melhores, dizem. Mesmo que exista uma grande possível “virada de jogo” com a piada em torno dos calvos, fora da internet é bem diferente. Tudo é preciso ser pensado ao contrário. Não existe equidade em nada.

Os homens que eram lindos na década de 1990 continuam lindos. Às vezes até mais. E eu concordo absolutamente com isso. Mas as mulheres ficam sobretudo velhas, mesmo que com milhares de procedimentos estéticos que as "conservem". E eu discordo do que não é natural. Talvez eu precise ser hipócrita no futuro, quem sabe. Mas agora eu tenho vinte anos, deveria estar falando de alguma coisa que pessoas de vinte anos falam. Em outras palavras, eu estou. É uma geração complexa(da), cabem todas as falas. Eu não me esqueço de Julia Roberts que passou de “Pretty Woman” pra velha e feia. Honestamente, eu não saberia lidar com isso. Se uma estrela é tratada assim, o que será de nós — meras mortais?

Um dos homens mais lindos que eu já vi continua lindo aos 69. E ninguém discordaria disso. Mr. Big de “Sex and the City”. Não pensei que fosse assisti-la, embora seja um dos maiores símbolos da cultura pop. Efeitos da greve. Percebi que minha mãe também acharia a mesma coisa. Se ele tivesse uns vinte e alguma coisa, minha opinião não seria a mesma. Preocupante, eu diria. Mas pelo menos eu reconheço. Um outro efeito da greve foi o de experimentar uma atividade de herdeira, esposa troféu, influencer ou idosos aposentados: treinar às 15h e pouco. Não somente não teve brilho algum, como também me deixou frustrada. Melhor de manhã, como uma pessoa parcialmente normal que sou.

É, eu acho que pra entender uma mulher só outra mulher. Ou um psiquiatra dedicado. Não sei se os homens nos enxergam. Escrevi isso com certa modéstia. Eu tenho convicção de que não enxergam. Só veem. Talvez por isso eu me preocupe com reflexos.

Mas às vezes eles escrevem coisas lindas, não? Elas de novo, as palavras. Eles dizem. Eu não digo, só escrevo. Mas não sei se eles mesmos acreditam nelas. Eu ja acreditei. É bom ser entregue, ter fé, se deixar levar. Talvez por isso eu não saiba nadar. Talvez por isso também eu não tenha religião. E sempre tive medo de bicicleta. Meu pai me chamou de fraca, não tem muito tempo, mas quem sabe eu seja só diferente. Mas mãe também era, minha vó também era. Fraqueza hereditária, na visão dele. Elas foram reprimidas, eu fui também, mas eu não sei se um homem conseguiria fazer o que elas fizeram. Bem, ele não conseguiria. E o que ele conseguiu foi porque ele tinha minha mãe. Ele já admitiu isso, depois de negar até a morte. Tudo em torno de mulheres. A mãe dele, a minha, minha avó, eu. Quem fala isso pra uma filha? Um homem. Porque um pai não falaria. A única coisa que não me ofendeu foi ter sido chamada de cópia mal feita de minha mãe. Eu juro, juro que eu ri. Uma cópia mal feita que não é tão fraca assim, que é medrosa mas que tá tentando não ser, e que busca ajuda — o que quem fere não faz. Eu acho engraçado porque o medo veio dele. Mãe era tipo um super-homem, enquanto nós dois éramos dois teletubbies brincando no nosso mundo. Criaturas semelhantes. Mas o tempo tomou conta disso.

A pior versão dela ainda consegue ser melhor do que os homens que eu conheço. E isso é triste.