Entre Sem Bater - O Preço do Obséquio

Públio Terêncio disse:

"... o obséquio produz amigos e a verdade cria o ódio ..."(1)

Alguns personagens da antiguidade, dois mil anos atrás, se destacavam por seus pensamentos. É provável que Públio Terêncio seja um dos raros casos em que não nasceu berço de ouro e atingiu uma posição de destaque. Se vivesse hoje, a sua história seria exemplo para o que, enganosamente, chamam de meritocracia(2). Entretanto, algumas frases do autor de comédias estão em alta na nossa sociedade digital. E, se ele soubesse o custo do obséquio, em contraposição ao preço que se paga dizendo a verdade, patentearia o pensamento.

OBSÉQUIO

Obséquio ou condescendência(4) (sinônimo mais comum), podem, às vezes, ser até uma tipificação de crime, principalmente envolvendo o setor público. Desse modo, a ideia de que as pessoas obsequiosas fazem amigos, pode ser apenas um jogo de interesses, tipo uma mão lava a outra. Certamente, as expressões com relação ao ato de fazer um obséquio ou praticar a condescendência são irmãs siamesas de corrupção e congêneres.

Atualmente, no Brasil, uma república de pouco mais de 130 anos, este comportamento recriminável(*), cria muita confusão. Por outro lado, a sinceridade ou exposição da verdade, produz até gabinetes especialistas em disseminar e promover o ódio.

É provável que estamos na antiguidade da civilização e muitos escravos da atualidade nem se dão conta de que são serviçais das oligarquias.

AMIGOS

A generosidade e a capacidade de compartilhar conhecimento são virtudes admiráveis. Oferecer ajuda, compartilhar bens e ser compreensivo com os outros são atos que enriquecem tanto quem dá quanto quem recebe. No entanto, quando essa generosidade se transforma em obséquio, permissividade, complacência ou condescendência, algo está errado. Este comportamento atrai gente com más intenções, que se aproveitam da situação para benefício próprio.

Amigos que se aproximam movidos por interesses pessoais, buscando favores ou vantagens, não são amigos verdadeiros, são canalhas. Eles podem se mostrar atenciosos e prestativos, mas na verdade estão investindo em uma relação unilateral, onde o retorno é o que mais importa.

Essa falsa amizade pode ser sutil e difícil de identificar. O oportunista se disfarça de confidente, oferece apoio emocional e palavras de conforto, sempre disposto a ouvir e aconselhar. Contudo, por trás dessa fachada de compaixão, esconde-se o egocentrismo e, eventualmente, a troca de favores.

PERMISSIVIDADE

O amigo conivente e condescendente, por sua vez, se caracteriza pela permissividade excessiva. Ele ignora falhas e comportamentos negativos, mesmo quando estes causam danos aos outros ou à própria relação. Essa atitude apresenta-se por medo de conflito ou desejo de manter a paz a qualquer custo, abre caminho para o aproveitamento por parte do oportunista.

A condescendência e o obséquio, por outro lado, caracterizam-se por uma postura superior e paternalista. O interesseiro se coloca em uma posição de poder, julgando e minimizando as necessidades e sentimentos do outro. A conta chega quando menos se espera. Essa atitude, além de ser desrespeitosa, revela a vulnerabilidade, fragilidade e dependência entre seres humanos falíveis. Desta forma, principalmente no mundo digital, facilita, sobretudo, a manipulação e o abuso.

Em suma, falsos amigos podem estar ao seu lado pela posição que você ocupa e não pelo que você pode oferecer. Impedir o obséquio, a permissividade, a complacência ou a condescendência é evitar relacionamentos tóxicos e oportunistas. Por outro lado, em extremo oposto, qualquer coisa atualmente desagrada as pessoas nas redes sociais. Uma simples verdade provoca bloqueios, denúncias, constrangimentos e confusões, até mesmo o ódio e inimizades.

INIMIGOS

Nas perigosas teias das redes sociais, onde a interconexão humana é mais virtual do que real, a verdade e a sinceridade podem matar. Desse modo, o que era para ampliar relações cordiais, paradoxalmente, resulta na criação de inimigos. Se por um lado, muitos clamam por transparência e autenticidade, por outro lado, o terreno digital é o paraíso da hipocrisia e falsidade. Por isso, a obsequiosidade e a condescendência reinam soberanas e só crescem a cada "curti" e "compartilhe".

A verdade e a sinceridade deveriam ser o padrão de comportamento normal e não virtudes que levam às inimizades e polarização. Estes comportamentos, talvez os pilares da honra, integridade e da confiança estão em vertigem. Surpreendentemente, quando ficam diante de opiniões divergentes ou verdades desconfortáveis, essas virtudes podem provocar reações adversas. Nas redes sociais, onde as opiniões são expressas sem filtros e a comunicação carece de fundamentação, , a sinceridade é crime. Assim sendo, patetas, estultos e gente sem preparo verdadeiramente civilizatório, enxergam como insensibilidade ou até mesmo agressão.

Ao se posicionar com honestidade em meio a um mar de opiniões e perfis igualmente falsos, é comum atrair críticas e hostilidade. Aqueles que desafiam o status quo ou expõem verdades inconvenientes são frequentemente alvo de ataques virtuais. Qualquer que seja a dissidência numa rede social lá vem a interpretação de ameaça à harmonia superficial dos espaços virtuais.

CONDESCENDÊNCIA EM ALTA

Nesse ínterim, o obséquio e a condescendência são estratégias comuns para fugir de conflitos e garantir a aceitação no mundo digital. O idiota da aldeia (aquele do Umberto Eco) ou o parlapatão(3), se enche de coragem e vomita suas verdades e sandices. Na maioria das situações, as pessoas preferem manter a paz a todo custo, mesmo que isso signifique sacrificar a própria autenticidade. No entanto, essa busca alucinante pela aprovação leva à diluição da verdade e à perpetuação da hipocrisia.

A cultura do "politicamente correto" nas redes sociais exemplifica essa tendência à condescendência e até à defesa de criminosos. Em um esforço para evitar ofensas ou controvérsias, muitos optam por se conformar com discursos superficiais e politicamente aceitáveis. Nunca expressam suas opiniões e ficam lendo versículos e citações, em vez de expressar suas verdadeiras opiniões. Isso cria uma atmosfera de falsidade, onde a sinceridade deixa de existir em favor da hipócrita conformidade social.

No entanto, é importante reconhecer que a verdade e a sinceridade deveriam prevalecer sobre o obséquio, a conveniência e a popularidade. Apesar dos desafios e das críticas que surgem na verdadeira liberdade de expressão(5), a busca pela verdade tem a ver com honra.

Em suma, ao invés de temer as consequências de ser verdadeiro e arregar para a estultice que reina no mundo digital, devemos perseverar. Em outras palavras, defender qualquer oportunidade de promover o diálogo honesto e construtivo é o que nos resta. Ainda que isso signifique enfrentar a hostilidade daqueles que preferem viver na ilusão da hipocrisia.

Quem paga o preço do obséquio que o estulto pratica é toda a sociedade, e este preço está saindo muito além do que merecemos.

"Amanhã tem mais ..."

P. S.

(*) As redes sociais servem, atualmente, para eleger parlamentares que farão as leis e são gente da pior espécie. Desta forma, nossa sociedade tem a representação que merece, déspotas e fascistas avançam a passos e goelas largas.

(1) "Entre Sem Bater - Públio Terêncio - O Preço do Obséquio" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2024/04/15/entre-sem-bater-publio-terencio-o-preco-do-obsequio/

(2) "A Meritocracia é uma farsa" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2019/07/31/meritocracia-e-uma-farsa/

(3) "Condescendência criminosa" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2017/11/01/condescendencia-criminosa/

(4) "Entre Sem Bater - Evandro Oliveira - Parlapatão" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/08/25/entre-sem-bater-evandro-oliveira-o-parlapatao/

(5) "Entre Sem Bater - Benjamin Franklin - Liberdade de Expressão" em https://evandrooliveira.pro.br/wp/2023/12/24/entre-sem-bater-benjamin-franklin-a-liberdade-de-expressao/