O Bicicletário Do Condomínio

A propaganda do empreendimento informava que haveria um bicicletário. Pouco tempo após a entrega das chaves descobriram que o "bicicletário" contava com cinquenta suportes em forma de gancho para pendurar as "magrelas". Cinquenta ganchos para trezentas e cinquenta unidades.

Se em cinquenta por cento dos apartamentos apenas um morador possuísse uma bicicleta, seriam necessários cento e setenta e cinco ganchos para atender o condomínio. Nessa hipótese, haveria uma defasagem de cento e vinte e cinco ganchos. Mas, se em todas as unidades houvesse pelo menos um ciclista "praticante",

a defasem seria de trezentos ganchos. Algo facilmente imaginável como um "caos total". O que - claro - tornou-se rapidamente uma realidade, por que na média o número estava bem próximo disso. Em menos de um ano "montanhas de bikes" eram jogadas umas sobre as outras, inclusive, tornando impossível o acesso aos cinquenta ganchos ocupados.

Nesse cenário, para muitos facilmente imaginável (pelo menos aqui em São Paulo) a luta diária por um gancho tornou-se questão de primeira ordem. Era o assunto do jantar:

- Deu uma pedaladinha hoje?

- Quem me dera! Depois de afastar trinta oito magrelas da frente da minha, me sentia como se tivesse participado de uma prova de triatlo! Quando percebi que havia deixado a chave do terceiro cadeado aqui em cima, desisti. Não sem, antes, recolocar cada uma delas no lugar, claro.

Havia gente que não pedalava há meses, com medo de tirar a bike do gancho e perder a vaga.

- E a sua bike, tem visto?

- Ah, foi bom você falar! Vi sim, tava com uma saudade daquelas... Aluguei o binóculo da Vanessa, do 37. Ela cobra um real por minuto. Precinho justo, eu achei. Nem lembrava que a minha magrela é vermelha. Deu até uma dorzinha no peito... Mês que vem eu tô de férias, tô programando chegar pertinho dela... Se Deus ajudar, consigo tirá-la do gancho e dar uma volta no quarteirão. Três da manhã é o horário ideal: Todo mundo dormindo... Se eu for suficientemente rápido, não perco a minha vaga!

Uma organização mafiosa começou a ganhar força. Havia um comércio paralelo, fortíssimo, para proteger interesses. Visavam expandir seus negócios para os imóveis do entorno. Um rapaz sumiu. Uns diziam que estava foragido. Outros, que fora morto pela máfia do gancho. E um misterioso morador de uma das coberturas, apelidado Capitão Gancho, era frequentemente citado, a "canto de boca", nos elevadores, longe das câmeras de segurança. Outros, menos impressionados, supunham apenas que o corajoso jovem estaria na Holanda, pesquisando soluções amigáveis para aplicar ao conflito de interesses. Mas o fato é que ele nunca mais foi visto.

O condomínio vive esse impasse até hoje. Alguns moradores desistiram de suas bicicletas e, na sequência, abriram mão da academia e da piscina. Outros, mais pragmáticos, deixaram seus empregos e hoje, associados à máfia, vivem do aluguel de seus ganchos. Os mais sensatos, porém, não deixaram apenas o condomínio. Voltaram a viver em casas térreas, em cidades de, no máximo, cem mil habitantes. Suas bicicletas ficam "largadas" no quintal. Longe de travas e ganchos.

GEORGES
Enviado por GEORGES em 11/04/2024
Reeditado em 23/04/2024
Código do texto: T8039484
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