Jackson do Pandeiro e Seu Brasil

Há 81 anos o sertanejo do distrito de Lagoa de Pombal (hoje emancipado) Severino de Sousa Brasil é nomeado para a Delegacia Regional da Paraíba do Ministério do Trabalho em Campina Grande-PB. O emprego deu notoriedade a ‘Seu Brasil’ em toda região pelo seu fino trato, atenção, resolução de problemas e até na conciliação das partes, coisa que nem existia formalmente na época. Não havia uma só carteira de trabalho que não passasse por suas mãos. Casado com Maria de Lourdes da Silva Pinheiro, tem no dia do casamento na Matriz Nossa Senhora da Conceição (26/Out/1941) o mais importante de sua vida.

A esse amor eterno, ocorreu um episódio um tanto quanto inusitado em sua residência na quadra cronológica de 1971 que entrou para a história da família de Seu Brasil e do músico paraibano Jackson do Pandeiro. Vejamos o que Fernando Moura e Antônio Vicente disseram na obra ‘Jackson do Pandeiro: o rei do ritmo’: “Enquanto a caravana descansava em Caruaru, Jackson, sempre acompanhado por Neuza, decide dar uma esticada até Campina, em pleno domingo. Precisava de uma Carteira de Trabalho nova para poder começar a batalhar pela aposentadoria, pois a sua havia sido perdida pela Rádio Nacional – o que, não bastasse a demissão, deixara-o revoltado com a emissora: ‘Se eu tivesse roubado um pão para não morrer de fome, certamente iriam guardar isso para toda minha vida. Mas a minha carteira, um documento de um trabalhador, essa eles perderam’, se queixara ao jornal O Globo (14/8/1974). Explica a situação ao primo Paulo, pedindo uma solução até a manhã da segunda-feira, quando teria que se reencontrar com a turma do Pau de Sebo. Um problemão para se resolver em pleno domingo. Paulo convoca Caboclinho, tocador de manola, para ajudá-lo a resolver o problema. Este, por sua vez, conhecia Pedrinho, um subordinado de “Seu Brasil”, o mandachuva da delegacia local do Ministério do Trabalho.

Conseguem a intervenção do funcionário e lá vão todos, inclusive Jackson e os irmãos, com seus instrumentos, para a casa do servidor federal, no Ponto Cem Réis, atrás do aparentemente impossível. Paulo toma a frente e explica a situação do primo, que viera do Rio de Janeiro para tirar uma nova Carteira Profissional. E esse tal como se chamava? Ao ouvir o nome de Jackson do Pandeiro, Brasil muda de semblante e comportamento. Tá doido, por que não dissera logo? A mãe dele era admiradora do pandeirista. (Na realidade tratava-se da sua esposa D. Lourdes, apontamento nosso). Claro que faria a carteira, não demoraria nem uma hora. Em compensação, teria que cantar na residência do servidor federal. “Se não eu não faço!”, chantageia”.

Nos conta seu filho o advogado Severino do Ramo Brasil que naquele dia havia uma comemoração lá em sua casa: “era aniversário de minha Mãe, por isso Pai não queria sair de casa, mas aceitou desde que Jackson ficasse para a festa de aniversário”. A essas alturas, era o maior presente que Seu Brasil poderia dar a sua esposa. Jackson começa a cantar algumas músicas com aquela voz e sincopado inconfundíveis. Quando o documento fica pronto, perto do meio-dia, a casa já estava entupida de gente. Até um aniversário – de Inácio Patrício – foi transferido para lá com comes, bebes, convidados e os sempre presentes penetras. Ninguém queria deixar o artista sair. A insistência surte efeito, mas “só” até as sete da noite, quando Jackson, já dando sinais de aborrecimento, finca pé e decide não cantar mais nada. O show estava encerrado. O dono da casa, vendo que não conseguiria mais convencê-lo a permanecer, quer saber quanto lhe devia pela longa apresentação. “Nada não. Eu toquei de graça, mas vou levar esse reco-reco de lembrança”, negocia o cantor, já pegando no instrumento de ferro, pertencente a um dos músicos presentes. Para poder sair, tiveram que pular o muro do quintal”

Severino Brasil, o filho, faz uma breve correção do relato: “Pedrinho, Pedro José Duarte, não era seu subordinado, e sim seu sobrinho, filho da sua irmã Mariana, que com ele trabalhava no Ministério do Trabalho. No que se refere ao reco-reco, fui eu quem dei a Jackson como um agrado, mas um outro músico que estava lá em casa disse que o instrumento era dele. Houve boa confusão e eu disse: vai pela cozinha e leva o instrumento que eu justifico”.

Mais uma página inusitada da história de Campina Grande. Para alguns saudosos: “Coisas que só Campina tem”.