Os medalhões

Digo ao meu eventual leitor que medalhão não tem aqui nenhum sentido que lhe pejore o mérito. Vai na melhor significação e com as vênias merecidas. Eu, que convivi no magistério por longos anos, encontrei os medalhões nos corredores, nos intervalos de aulas, até nos bares da vida; com alguns tive a oportunidade de conversar e com eles aprender. Recolhi-me diante daqueles que ostentavam suas medalhas e não reconheciam que todo conhecimento é dádiva. Mas quero dizer mesmo é de quando os medalhões falham, escorregam como todas as pessoas neste mundo, flagrando-os em três situações, que nos trazem alguns ensinamentos.

Certa feita, eu entrara em uma sala de aula, apagara o quadro e fui surpreendido pela rápida dúvida que aborrecia um aluno. Queria saber se ‘pretensão’ era com ‘ç’ (cê-cedilha). Naquela época, não se buscava facilmente no celular e nem sempre havia, por perto, um dicionário ou uma pessoa que pudesse decidir. Afirmei-lhe que com ‘s’ e até escrevi a palavra em latim, para reforçar o que dizia. E ainda lhe disse que nem sempre eu poderia explicar etimologicamente a escrita de uma palavra, que aquilo era um assunto muito complexo e, muitas vezes, tínhamos que recorrer aos dicionários. Ele retrucou que o professor de inglês escrevera com ‘ç’. E eu lhe disse que tudo estava explicado. Uma pessoa com a cultura do professor de inglês – que lia vários autores das literaturas inglesa e americana no original – corria, sim, o risco de confundir-se; afinal, completei eu, para o nosso professor de inglês, o idioma de Camões acabava sendo uma segunda língua, em que frequentemente se escorrega. E completei assim: – Sabe onde ele passa as férias todo ano? – O que eu quis, na verdade, foi incutir no menino aquela ideia de que o professor de inglês era um medalhão e de que os medalhões se equivocam e de que ele não devia ser preconceituoso sequer com as pessoas que sabiam muito, como era o caso daquele professor. Dou-lhes aqui o testemunho de que falo de uma pessoa culta, que pronunciava lindamente o inglês e, posto que sério, certamente não se encabularia se fosse corrigido pelo menino zeloso com a ortografia portuguesa.

Em outra ocasião, um amigo, perito na arte dos cálculos, assistiu a uma palestra com um medalhão das matemáticas, que, ao final, após autografar livros, ficou a conversar com os admiradores que o procuravam. O amigo aproveitou e perguntou-lhe sobre um problema presente em um de seus livros, publicado alguns anos antes. O mestre leu e foi rápido na resposta. Não sabia. Tinha se esquecido. Chateou-se o amigo? Sim! E me relatou com certo desencanto. Disse-lhe que era assim mesmo e, por certo, aconteceria conosco no futuro, embora, da minha parte, estivesse fadado a não carregar medalhas.

Num dos cursos que fiz na vida, o mestre, versado em umas três línguas, maltratou a crase, cravando um sinalzinho grave antes de ‘Juiz de Fora’. Lá do meu canto, eu estava quieto, quieto, quando um aluno – antigo como eu – ameaçou uma reação, que eu desestimulei. Afinal, não era elegante chatear um medalhão que nos brindava com profundas lições de linguística.

Os medalhões, felizmente, também erram... Cometem erros nas suas áreas, em áreas paralelas e até esquecem coisas que eles mesmos ensinaram. Isso tudo, para o bem de todos nós, que com eles aprendemos e nos sentimos mais humanos, e nos perdoamos por nossos erros, e vamos procurando aprender, aprender sempre.

Bom mesmo é lembrar um mestre meu, um medalhão, que ensinava tão bem quanto era distraído e, flagrado em erro, corrigia-se rápido e soltava esta: – Gente, desculpem a vergonha que eu passei!