À meia-luz

Formou-se um lugar de encontro. Esse local era muito bem pensado esteticamente como um salão de festa de um palácio antigo, eu me sentia indo em direção ao centro, mas não percebia paredes próximas, havia apenas algumas colunas e o ambiente tinha a aparência de uma arquitetura artística atemporal feita com bastante tempo e dedicação, não era muito claro (acredito que por minha causa), era vazio de móveis, mas aconchegante. Eu já o conhecia.

Deixei que prosseguisse a formação da cena entre meu eu-agora e o eu-pleno (o eu-superior, mais essencial). Assim, ele surgiu feminino em um vestido longo aveludado de cor bordô, como uma mulher segura e sábia como já havia aparecido antes, mas dessa vez estava bem mais séria.

Eu lhe questionei a respeito da melhor forma de proceder naquele momento em relação aos desafios da minha vida e mudanças que estavam acontecendo em diversas áreas e ela dizia apenas que eu precisava me enxergar, então, fiquei na expectativa de ouvir algo a mais, mas ela nada dizia. Daí, entrou o terceiro "eu" andando rápido como quem está prestes a perder as forças, um eu-sombra, também feminino, esfarrapado em tons de cinza-esverdeado, com ar abominável, úmido, o rosto coberto por cabelos negros bagunçados, magra e desesperada a gritar por ajuda, indo em direção ao eu-pleno que a abraçou e lhe deu o ombro pra que recostasse a cabeça, mas isso não a fez se acalmar.

Eu-agora tentava chamá-la e enfim "olhar para a sombra”, pois a reconhecia, mas ela muito focada em sua própria agonia, chorava muito e não me ouvia. O Eu-pleno continuava a olhar nos meus olhos seriamente como se aguardasse que eu compreendesse o que tinha que fazer, enquanto o eu-sombra ainda escondia o rosto com os cabelos.

Sem saber exatamente o que fazer, deixei me levar, então meu ponto de vista mudou e passou para o eu-sombra, então eu pude movê-lo e sentir o acolhimento do eu-pleno, que por sua vez me perguntou olhando na direção do eu-agora, como se falasse com uma criança pequena:

-- O que ela é?

Eu do ponto de vista da sombra, olhei pra mim e tentei sentir a resposta. E a sensação que tive foi de competência suficiente para cumprir as tarefas designadas pelo plano espiritual, como se fossem do tamanho adequado para aquela pessoa que nos olhava expectante. Então, respondi:

-- Capaz.

No momento seguinte, retornei ao ponto de vista inicial e a sombra veio e se posicionou ao meu lado levemente atrás, olhando pra mesma direção como quem espera a condução e bem mais calma, aguardou pela resolução. O eu-pleno disse que eu andaria com ela, nem que fosse a certa distância. Eu concordei que fazia parte do processo de desenvolvimento, entendendo a existência dela como um indicador honesto daquilo que eu precisaria notar e talvez tivesse dificuldade de encarar.

Na volta à realidade, estava lavado de muitas lágrimas e de confiança limpa.