I wish you love

Eu realmente não esperava por isso, por começar a namorar assim, é como uma alucinação. Mas aconteceu. Eu acho que nunca tive um sonho tão epifânico como essa obra-prima moderna que irei narrar agora.

Eu não entendo. Coloquei você em seu lugar. Apanhei meu coração. Me comportei. E mesmo assim tive a sorte ou não de tê-lo como o protagonista desse meu filme estranho. Só que numa versão de você mais novo, eu suponho. Talvez porque eu devesse conhecer essa versão. Ou a futura. Ou simplesmente não conhecer.

Antes de você, meu pai estava lá. Suspeitamente dócil, vestindo um terno xadrez cinza e rosa, além de um sapato vermelho horroroso — assim como seria um Agostinho Carrara 2.0. Estava um tanto mais velho, menor do que eu, e sorridente só que de um jeito preocupante. Ele veio me disser que J., seu amigo, estava apaixonado por mim e pediu que ele me entregasse um colar. Eu respondi que já sabia. Ele se entristeceu. O colar era tipo um terço de plástico rosa, infantil e bobo, com florzinhas. Mas eu achei bonitinho nos dois primeiros segundos. Guardei de novo. Eu não queria. Ele já flertou várias vezes comigo, é verdade, mas ele tem cara de quem não tem coração. Dá certo andar com quem ele anda. O pior é que ele também anda com o protagonista desse sonho. É um tipo de alerta que eu fingia não ver.

Eu usava um vestido que você nunca viu, mas que me disse alegre que você queria muito que eu estivesse usando justamente aquele. Aliás, sorrir era praticamente a única coisa que você fazia. Eu nunca vi alguém tão feliz. Você sentou atrás de mim em um tipo de assento que eu nem vou me dar ao trabalho de tentar descrever, mas parecia um tronco de uma árvore que também era um meio de transporte. Alguém chegou, sentou, ficou lá esperando. Eu sabia que era você. Mas ignorei. E me arrependi de ter ignorado ao perceber que você estava ali só por minha causa. Te deixei falar. Assim, como se fosse a coisa mais normal do mundo, você me disse que era pra eu esperar você terminar de “preparar as coisas” que estavam na sua casa ou no carro, porque nós iríamos namorar. Foi um aviso, não um pedido. E apesar de sentir uma coisa que eu ainda não sei nomear, inclusive queria te enviar esse sonho por bluetooth, eu diria não. Eu diria não porque você também diria não.

Achei curioso que o meu cabelo não era o meu cabelo, eu não era a eu de hoje — exceto pelo corpo. Depois eu apareci na casa de minha bisavó, você estava lá, minha mãe preocupada comigo me avisou sobre uma certa situação. Eu sabia. Eu vi. Era você em seu passado. Eu te disse que você mentiu pra mim, afinal, onde estavam as tais “coisas” dessa promessa? “Quase prontas”, você disse. Com a mesma felicidade de antes. Ou mais. E seu passado se dissipou pelo ar.

O cenário já era outro. Mas eu sabia que não era verdade, agradeço ao meu cérebro por não ter me feito viver (des)momentos. Seria cruel.

Eu pensava desesperada que não tinha dinheiro pra isso, pois eu precisava comprar tantas coisas, agora eu fazia parte de uma realidade completamente diferente. Eu lembrava dos amigos dele, que surgiram em carrões antigos, e na sua irmã — que era praticamente uma princesa. E eu nem casa mais tinha. Minha mãe estava tão triste por me ver partir. Meus avós ali, juntos, tentando aproveitar os últimos dias. Tudo isso em uma calçada que nem era nossa.

Eu não entendi nada até acordar. Tudo fez sentido quando eu lembrei de Sofia Copolla em seu mais novo filme: Priscilla. Vi esses dias.

É isso. Eu estava em um namoro-casamento com um alguém impossível que me escolheu pra depois nunca me ter. Escolheu a beleza pra torná-la depressiva e solitária. Não era eu, era Priscilla. Não era você, era Elvis. Nunca mais eu vou ficar sem digerir um filme, olha o que eu passei. Foi bizarro. É claro que eu não sou como ela, que mal tinha voz e que no início era bem mais ingênua do que eu um dia pensei ser, muito menos você era um astro-lunático-violento e que não seria nada além de muito bonito sem a potência da black music. Foi o rei das mulheres, de sua Cilla, mas não do rock.

Bem, e nem Cilla permaneceu “sua”. Não vou dizer que não foi bonito, embora triste, observar aquela presença tão apagada se desabrochando em cores vivas e criando coragem pra dizer que iria embora. E foi. Pegou o carro e foi. Ao fundo, Dolly Parton cantando sua maior composição: I Will Always Love You.

Bem, isso é com ela. Eu não sei que amor é esse que te aprisiona. Mas eu também não sei que gostar é esse, se nada existe.

Peguei o meu carro imaginário e fui embora também. Partir é melhor do que se deixar ser partida.

A não ser que seja recíproco.