Gentes do São Sebastião

“Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia.” Leon Tolstói

Talvez nem devesse fazer este registro, em que, como se verá, apareço como herói de um acontecimento raro…

Quem visita a minha terra, em Juiz de Fora, ali no bairro São Sebastião, há de passar pela praça Romeu Bellini. Os bem antigos sabem que ali, onde já faz bem tempo brincam as crianças; e os adultos – quero crer – ainda contem uma ou outra história, ali era o campo de futebol dos inícios do bairro, lá no século passado, nas décadas de 60, 70 e 80, onde eu também fiz embaixadas, arrisquei dribles e chutei para o gol.

As partidas eram intensas, difíceis e me revelavam ídolos de minha infância, alguns mais ou menos da minha idade, outros mais velhos, outros até que podiam ser meus pais, como o José Camilo de Almeida, o nosso querido Cuíca, que tinha um riso largo, dentes brancos brilhantes e, por profissão, consertava automóveis. Cuíca era, junto com o Miguel, uma espécie de meu técnico, que reconhecia minha fragilidade física e, dependendo do embate, preferia não me escalar.

Ali, naquele espaço, vi os irmãos Ildemar, Ismael e Oseas exibirem seus variados talentos. O primeiro era inteligente, driblador e chutava muito bem, qualidades que Ismael também reunia, de sorte que era injustiça colocá-los no mesmo time. Oseas levava a sério a competição e uma simples pelada de fim de semana parecia um jogo de campeonato. Eram muitas emoções, diria o rei!

Ali assisti, ora me driblando, ora me dando passes, quando tive a sorte de compartilhar com ele o mesmo time, ao talento do Sila Carlos, que, embora padecesse de problemas no joelho, trabalhava de forma invejável com a canhota, sempre hábil nos passes, nos dribles, no cabeceio. Somente o joelho para lhe tirar precocemente uma carreira profissional, pensava eu. Uma festa semanal – vivíamos!

Ali vi o Biriba, o Vito, o Walteir, o Walter, o Pauleca, o Márcio Couto, o Pedro Sabão, o Sebastião Valle, o José Martins, os irmãos Piazzi, o Paulinho … Todos grandes, à sua maneira, neste rio indelével do tempo. É certo que omito gente neste jogo de memória. É certo também que me orgulho de ter jogado aquele jogo em que, até onde me lembro, ninguém se machucou, apesar dos chutes fortes, dos gritos de machos numa rotina semanal que teimava em se repetir e teimou agora em bater ao melhor de minhas lembranças, quando eu também me rendo a criticar este excesso de tecnologia que acaba nos deixando neste perto-longe dos amigos e dos familiares.

De vez em quando, a turma do senhor Lindes, era assim que chamávamos, subia a Goiás e vinha jogar conosco. Lindley Moreira dos Santos era o dono de uma grande venda, sortida, que ficava mais perto da casa dos adversários. Portanto, era a turma do Lindes. Subiam e ofereciam dificuldades ao time da casa.

Certa feita, eu fui escalado. Tinha crescido um pouco, fazia alguns exercícios físicos na escola, tinha algum domínio de bola (talvez seja uma autoavaliação generosa), fazia embaixadas a custo de muito treino e chutava forte, bem forte mesmo. Entrei pra jogar contra o pessoal do Lindes. Que responsa! É certo que os jovens não falavam assim naquela época…

Não lhes detalho lances, a não ser um… A bola chegou-me a jeito, pedindo a violência do chute. Pra quem vive na região, digo-lhes que o goleiro, um cara de mais de 1,80m, que não tinha crescido tudo, estava no gol que dava as costas para as casas da Fausto Machado… O outro gol dava as costas para a venda, onde trabalharam, ao longo dos anos, Expedito, Paulo Rhein, tio Chico e o Nem…

Acho que criei suspense para o lance… Foi intencional. Mas a cena se passa rápido. Goleiro a uns 5 ou 6 metros. Bola no pé, chute violento, certeiro, rasteiro, no cantinho direito do quíper. Tudo para eu me consagrar… E?... O goleiro pulou como um felino esperto, voou rasteiro e fez pó do meu único lance importante na partida.

A turma do Lindes levara para o gol o Ernani. Seu nome é Ernani Sales. Jogou no Santos, na época do rei do futebol, com quem ele chegou a atuar. Perdemos aquela partida. À época, frustrei-me com a defesa, mas hoje entendo que era previsível se eu tivesse assistido aos treinos da turma do Lindes.

Ah…mas e o herói? – estaria alguém pensando. O herói foi o goleiro… Eu usei de um drible pra trazer o leitor até aqui. Cheguei a pensar em balançar as redes, à moda Pantaleão, porém a verdade falou mais alto.

Mas se quiserem considerar o chute um feito, nao faz mal, não! Em um goleiro que viraria profissional, foi minha experiência única…