Santinha vai virar gente

Macabéa era datilógrafa, virgem e gostava de Coca-Cola. Eu também escrevo, não de profissão, mas não bebo refrigerante e sou de sagitário ( eu sei, eu sei que não era sobre signos). Eu sou diferente, assim meio estranha e deslocada, mas nunca cheguei a ser como Macabéa. Talvez eu seja mais como Capitu, quer dizer, meio dissimulada. Mas não no sentido escroto, não. É que eu também oculto meus reais sentimentos. Disse eu, tolamente. Isso como se minha cara não deixasse transparecer o que a cabeça pensa, o que o estômago sente, o que o organismo grita.

Conheço uma menina que é a mistura de Macabéa com Capitu, sendo ingênua como a primeira e bonita como a segunda, era Santinha. Vou chamar de Santinha pra ocultar seu nome, mas esse era realmente seu apelido. Apelido não. Um dos adjetivos que ela ouvia por ser discriminada.

Quando ela estava na quarta série, a puseram em uma competição de qual era a menina mais bonita da escola. Por competição, meus caros, quero dizer que era uma espécie de Léo Dias mirim com um papelzinho na mão na hora no recreio. Era ela e uma galega de cabelos lisos. Os opostos. Nesse tempo, não que hoje não seja, quanto mais branco era sinônimo de mais belo. Ela não era tão clara quanto a outra, não tinha cabelos lisos, não tinha olhos claros, não era de sua estirpe. Mas ela ganhou. Era ridículo, de péssimo tom, era grotesco, mas ela ganhou. A outra ganhou também. Depois ela, depois a outra, depois as duas. Mas ela a via como uma deusa. Ela não se equiparava, não.

Engraçado que, na verdade, tanto eu quanto Santinha concordamos que muitas outras mulheres são mais atraentes do que essa menina. Ela é bonita, não digo que não, mas ela não é mais do que outras. Ela até pode estar na mesma categoria, mas não acima.

Acontece que ela marcou a sua infância, o seu órgão de crescer, a sua cabeça que era um matagal, o seu peito que era vazio. Sinto pena de Santa por isso. E, por ela chamar tanta atenção, acho que a galega pensa o mesmo sobre Santinha.

Se atraem, se repelem, mas no fundo são as duas vítimas do mesmo mecanismo. As duas deusas de seus próprios mundinhos. E as duas cobiçadas por todos. Isso é ruim.

A cobiça envaidece e viola. Disso eu sei também.

Nunca reencontrei Santinha e a galega, que agora está morena, juntas. Acho que elas podem ser amantes ou distantes, mas nunca um meio termo. Santinha segue sendo impopular, embora muito requisitada, o seu único problema é a cabeça. Nasceu com um parafuso a mais, pobrezinha. Já foi medicada, transferida, radicalizada, excluída e agora tenta se encontrar, eu penso. Não sei, nunca entendi bem essa Santinha. A outra segue sendo tudo que era, talvez menos endeusada, pelo menos por quem expandiu a mente e viu que beleza pode vir em gente meio insossa também. Santinha, se ela soubesse, ficaria surpresa em ver que todos daqui ( e de lá ) pensam que ela além de bonita, é linda.