O paraíso somos nós

Observei casais a minha vida inteira. E ainda observo. Sempre achei que as mulheres boas ou mais do que boas se sujeitavam a conviver com animalizações. Não sei se já conheci um homem que não fosse antes um lobo, um bicho, sobretudo um urubu cercando a carniça. Às vezes são gaiatos, mansos, formosos como um pavão que logo se mostra ser uma espécie de Narciso. A plumagem colorida dá lugar ao ego.

Meu sonho era namorar alguém que sustentasse o primeiro olhar pra sempre, que fosse totalmente meu por gosto de ser. Eu achava que encontrar um amor inabalável era o propósito de vida de cada um. O amor de mãe pode ser inabalável, não importa se o filho morreu ou se está preso, mas o amor dos homens é tão falso quanto frágil. É tão líquido quanto um cubo de gelo no asfalto que se esvai sem deixar rastros — evaporando como se nunca tivessem existido.

Nunca entendi a cobrança da verdade, se é por meio dela que nos apaixonamos. A cobrança da fidelidade, se é a consequência mais radical da paixão. A cobrança do respeito, como se fosse possível não ter respeito por quem se ama. Ninguém deveria namorar sem estar devidamente apaixonado. Apaixonado como José Inocêncio que é de Santinha sem se importar se é já recíproco ou mesmo se um dia será, como Jim Halpert que ama devagar e constantemente, como eu acho que Gregório foi por Clarice naquela crônica de despedida, como todo mundo que um dia sentiu ter o mundo inteiro diante de si — percebendo também que o único paraíso possível são os outros.

Tudo que eu desacredito de um casamento eu deposito nos relacionamentos. Muitos casais não se relacionam, afinal. Eu não quero casar, eu quero me envolver — um dia — e não por sorte, mas por vontade mútua, casar minha alma com uma outra, e meus olhos com outros olhos, e minhas mãos com outras mãos, e meus cabelos por entre outros dedos, e minha vida dentro de outra vida.

Mas eu ainda só observo e, pra não mentir, é depressivo ser testemunha ocular da pós-modernidade. Amar nunca foi tão urgente e tão quase impossível.