“Vida, pisa devagar, meu coração (cuidado) é frágil"

A minha fineza ainda vai me matar. Mas eu não quero, meu Deus, morrer de infarto. Que morte mais comum. Mas não quero também, Deus, morrer atacada por pássaros. Eu quero simplesmente não acordar mais. “De que foi?”, meus empregados se perguntarão. “De velhice”, meu amante 40 anos mais novo responderá.

Brincadeira. Mas é que eu não me vejo tendo netos, já que não me vejo tendo filhos. Eu sou a filha. Eu sou a neta. E venho de uma família materna extremamente fina. Aqui, isso quer dizer que a pessoa é sensível ao extremo. Tudo é capaz de contrariar, de magoar. E, com isso, vem o enfunamento. Bem, é o que dizem. E não podem dizer nada, pois tudo causa transtorno, é preciso pisar em ovos com pantufas de plumas. Aliás, é preciso flutuar. Não, é preciso ser tão leve quanto a não existência. Taí, a solução ideal é jamais ter nascido. Além de fina, dizem que eu sou trágica. Com “dizem”, quero dizer que minha mãe diz.

Sentir que sua pele emocional é uma folha de arroz molhada ou uma teia de aranha ou — pra dar um exemplo mais esdrúxulo — uma camisinha furada centenas de vezes, é a real tragédia nisso tudo. Mas não, essa não sou eu, é só um dos meus defeitos de fábrica. Por estar meio quebrada desde sempre, aliás, perfurada pelas milhares de balas que me atravessaram nesses inacreditáveis vinte anos (inacreditáveis porque eu mesma não creio), eu sinto muito. Eu sinto tudo. Às vezes eu sou indiferente quando estou com raiva. Com raiva eu desbloqueio os piores pensamentos do mundo, os sentimentos mais sujos e todas as outras coisinhas básicas do nosso Id ou de um dia qualquer de TPM, o que não é o caso. Hoje eu juro que quis morrer um milhão de vezes por segundo, quis matar alguém com palitos de dente em chamas e quis chorar por saber que a única pessoa que me entendeu, que me olhou com respeito e que me acolheu sem julgamento aparente foi alguém cuja profissão é exatamente essa. Tudo isso enquanto fazia caminhada. É claro que eu acho que as mães entendem, mas elas não querem ver direito, não querem que a gente sofra e não querem demonstrar o sofrimento delas. Me resta o profissional.

Provavelmente ele estudou uns dez anos pra ver esse projeto de Cinderella entrar em seu consultório com um longo vestido azul. Só faltou prender os cabelos e usar sapatinhos de cristal, pois a retórica também era meio depressiva. Eu não sei se ele ficou mais surpreso com a chegada ou quando eu comecei a falar. Ele era fofo e disposto a ouvir. Óbvio. É sua profissão. Deveria ter uma versão de bolso para casos de emergência.

Mesmo que eu seja sensível, eu não me acho assim tão “fina”, esse é um dos piores adjetivos que eu conheço. Especialmente por ser verdadeiro. Droga.

Se tudo fossem flores sem espinhos, ser assim só me daria prazer em tudo. Sentir é a melhor coisa do mundo até que seja uma coisa ruim. A vida precisa entender que orgasmo reverso não pode existir. Mas eu entendo que, na verdade, o bom só existe porque o ruim existe. Só que o ruim bem que poderia ser menos destruidor de esperanças. As circunstâncias me pintam como pessimista, outro nome que me deram, quando na verdade eu só estou constatando fatos. Constato também que finalmente sinto que posso me embrulhar esta noite graças aos surpreendentes 22º na minha triste-linda Bahia. Eu queria ser assim: amena em temperamento e fundamentalmente linda, porque a tristeza já é senhora em mim.