É que eu preciso dizer

Não pude mais viver um dia sem que os arcos novelescos cruzassem o meu já tão esburacado caminho. Não é por cursar audiovisual que eu quero viver uma novela ou um documentário desses que Petra Costa faria. Não, pelo amor de Deus. Eu queria ter a mais ordinária das vidas, porém a mais necessária. Ser alheia (mas nem tanto), ser esperta (mas não muito inteligente), ser completamente fácil (mas sem sentimentos), desprendida (mas não completamente fria) e principalmente sem vergonha. Quem não for trajado na malandragem vira comida do mundo. Eu já nem existo mais, talvez eu seja um ou dois farelos minguados à procura de restauração. Não pude nem manter meus amigos, aliás, no plural é até exagero. Um deles me queria tanto que hoje nem fala mais comigo, talvez eu devesse ser um homem. Seríamos quase irmãos. Era bom ter um confidente. Hoje não tenho pra quem contar que pintei as unhas e que ficaram horríveis, que fui ao psiquiatra pra investigar o que já havia comentado contigo, que já detesto a faculdade, que me sinto só, que vou comprar um daqueles relógios que todo mundo inventou de ter, que queria repintar meu cabelo, que pensei que fosse morrer esses dias, te perguntar se corto o cabelo ou não, que hoje descobri uma doença, que derramei meu demaquilante na mala, que agora tenho um remédio pro resto da vida, que finalmente encontrei a baiana do acarajé, que uma mulher sem noção anda com os cachorros ( que mais parecem dois pôneis ) soltos na praça, que eu ando muito pior do que eu te contava, que isso e aquilo de meu pai, que eu fiz uma tatuagem e você jamais verá (mentira), que a vida é tão intragável desse jeito. Completamente topada, transbordando, de todos os vazios desse mundo. Se esse remédio derretesse minha tristeza, destruísse meus medos, revigorasse a minha alma, limpasse a minha mente e me guiasse por um caminho de ametistas cuja rota fosse só de amor, de amor e de amor, talvez eu finalmente pudesse me olhar sem que houvesse dor alguma. Mas não. Só não me deixará definhar (suponho).