Se a minha pulseira falasse…

Os dias que precedem a minha viagem são estranhos. Quero dizer que são mais estranhos do que o estranho-normal. Eu assisto o que há de pior, por exemplo. Você. Não que eu esteja te assistindo agora, não estou falando de você-você. “You”. Aquela série do psicopata que não é psicopata e nem sociopata (não é uma defesa), aquela série que mostra um homem com o id um pouco mais aflorado. Deveria me assustar com isso? Por favor. Meus piores pesadelos, dormindo ou acordada, são com homens.

Vi que o ator não queria ser mais uma vez marcado por um papel romântico, até porque “You” não pode ser definida como uma história de amor. Palavras dele. Ah, e as cenas de sexo incomodavam a sua esposa. Ele pediu para que diminuíssem (coragem).

Se eu fosse ela, eu seria a ex-esposa. Brincadeira. Mas eu não namoraria um ator, não. Eu não tenho maturidade. Só se eu fosse a atriz. Mas eu não tenho talento. Enfim.

Realmente, realmente. É difícil odiar a cara de ursinho compreensivo que ele tem, é difícil odiar as cenas que a esposa dele odeia. Mas se ele for tão esforçado (pra não dizer completamente doente) quanto o seu personagem pensa ser, ela tá feita da vida.

E não. Não estou romantizando. Credo. Eu demorei uma eternidade pra terminar de ver o primeiro episódio. É difícil de ver (sim, por ser mulher, mas também pelo roteiro anêmico). Eu tenho medo dele. E ele nem existe. O que é algo muito comum na minha cabeça. É porque eu me lembro dele mais novo, numa outra série muito ruim que conheci antes, e ele (o ator) tem um rosto que me intriga. Mas é só um longo comentário, ele não é um Wagner Moura. ( E nem Emílio Dantas, que já venceu só no olhar. Ele respira e comunica cem mil coisas diferentes. Mas eu também tenho medo dele. Se fosse Selton Mello, talvez, mas não. Isso estragaria a minha visão de ursinho fofo sobre ele).

É uma cara de dissimulado, safado, inteligente, romântico, engraçado, sexy e imbecil ao mesmo tempo. Mas nunca será Wagner. Que não é imbecil ou dissimulado (deve ser), é só muito sério. E muito casado. E muito mais velho. Mas temos a Bahia.

E o gringo é tão pequeno e engraçadinho com aquelas botas que parecem tamancos. Parece um daqueles bonecos superestimados da cabeça gigante. Na série, um bonequinho assassino. Na outra série, um bonequinho-que-se faz-de-bom-moço-mas-é-tão-idiota-quanto-os-outros. Eu entendo a esposa dele. Ele não dá beijo técnico no padrão gringo de beijar. É um beijo meio abrasileirado. Isso estará escrito nos papéis do divórcio.

Enquanto ele estava triturando o corpo de mais uma vítima, eu (quase) quebrei uma linda pulseira de prata com corações de esmeralda (é zircônia) que ganhei ontem de presente. Eu sou muito idiota… por pensar que sou idiota. É certo, sim, que o motivo do quase falecimento da pulseira tenha sido um tanto quanto pitoresco. Vulgar. Cômico. Ordinário. Pouco crível. Estranho. A pulseira prendeu na saída de ar do micro-ondas, mas eu não percebi e puxei a minha mão abruptamente por alguma razão, talvez por jamais imaginar que isso ocorreria. Pois, dito isso, a partezinha final da pulseira abriu. Virou uma arma. Parecia uma agulha. Eu poderia ajustar e usá-la mais apertada. Mas estava muito menor. Voltei ao local do crime e, como tinha suspeitado, um pedaço da pulseira ficou no micro-ondas. Eu, muito sabiamente, utilizei duas facas para retirar os restos mortais da minha primeira (e quase última) peça de prata. Eu fiquei tão feliz por terem lembrado de mim, poderia ser uma tampinha de garrafa com meu nome, uma flor de guardanapo ou uma mensagem sincera que eu ficaria igualmente feliz. E eu ganhei ambas (menos a parte da tampinha e da flor). Eu mandei uma foto pra ele e, horas depois, arrebentei o meu presente como uma amadora. Mas não. Eu sou uma profissional em ser amadora. Eu juro que cuido das coisas, mas as coisas fazem o que querem comigo. Eu peguei a parte extraída da pulseira e reservei. Vamos chamá-la de Shoshanna.

Na minha mão, segurei a pulseira com o fecho aberto em formato de gancho minúsculo e usei o meu controle remoto de martelo. Sim, eu fiz isso. Eu vi partículas do controle saindo, eu corri o risco de piorar as coisas, de furar meus inocentes dedos, de estragar as minhas unhas terrivelmente azuis (que não combinam com o verde-água da pulseira, como ele disse) e de acertar. É, eu corria o risco de fazer aquilo funcionar. E eu sei que iria. Não ficou perfeito, não ficou ótimo, talvez nem bom tenha ficado, mas serviu. Então, peguei Shoshanna e encaixei no fecho remendado. Serviu. Será que foi isso que o servo do Príncipe Encantado sentiu quando, depois de testar o sapatinho de cristal em todas as donzelas do Reino, ele finalmente serviu na empregada da última casa, no último minuto? Com certeza foi. São realmente situações equiparáveis. O sentimento em questão foi de alívio. Perfeita ou não, serviu. Vida que segue.

Antes de dizer “au revoir, Shoshanna”, como no filme, devo dizer que ela teve uma vida muito bem vivida (e precoce). Foi idealizada, concebida, nasceu, foi embalada, foi requisitada, foi transportada, chegou ao seu destino, foi aberta, foi experimentada, foi fotografada, foi brevemente amada, foi arrebentada, morreu por alguns minutos, foi revivida, foi remendada e agora está sequelada, mas com uma vida inteira pela frente. Eu acho que sou um pouco da minha pulseirinha de corações verde-água, afinal.