Crônica moderna

Me perdi. Não no sentido existencialista, não no sentido Cartolano de um samba melancólico, não no sentido dos poetas. Porque isso tudo já é óbvio. Me perdi no meio na rua, me enfiei em becos estranhos ( ou “esquisitos”, uma gíria daqui), me deparei com ladeiras e buracos, me atirei nas passarelas, corri entre os carros, ouvi zilhões de buzinas de motos, caminhei mais rápido do que os caras fazendo Crossfit que passaram por mim, estava usando uma jaqueta em plena cidade do Sol ( mas era noite), não tirei a jaqueta porque não queria mais nada além de duas sacolas e do desespero que eu carregava nas mãos, não amarrei na cintura porque acho feio, me encararam muito, me encararam muito talvez pelo fato de ter passado três vezes pela porta da churrascaria “Brasas”, na terceira eu quis chorar de nervoso, não chorei porque surpreendentemente isso não ocorre com frequência, fui comprar umas coisas e não achei quase nada, só acho que jamais irei de novo ao shopping nessa época, nunca valorizei tanto um carro próprio e um senso de direção de gente normal, me senti uma idiota, me senti 0,0001% menos idiota porque eu sabia onde estava ( só não sabia voltar), decidi ir a pé porque sou adepta da causa verde (não), decidi ir a pé porque era o único meio que eu poderia usar no momento, me lasquei, caminhei uma maratona abaixando minha saia nada própria para caminhar maratonas, atravessei todos os sinais fechados sem saber ao certo o que estava fazendo, me odiei por isso, tenho tantas demandas que quero terminar de morrer antes delas, talvez eu comece a trabalhar e eu já quero desistir por razões muito plausíveis, pra chegar lá eu precisaria de dois milagres por dia, estou com tanta raiva que poderia produzir energia elétrica, inclusive hoje faltou energia, um motorista quase nos mata, esses dias quase fui arrastada por um ônibus que bateu na estrutura da parada, eu nem fiz cara feia, fiz cara de exclamação mas sem drama, percebi que é melhor tratar o não recíproco como não recíproco, percebi que sou besta até agora que eu não sou besta, vou parar, mas se eu não parar eu vou mudar as regras, decidi que tratar da mesma forma é mais saudável, meus pés doem, deveria estar dormindo e estou escrevendo milhares de frases soltas, mas que juntas contam uma historinha, lembrei que eu amava historinhas pra dormir, lembrei de quem me contava, fico triste ao lembrar, quero dormir e acordar com 10 anos só que sem os traumas, quero dormir e acordar outra, quero dormir e acordar tão eu que causaria espanto em mim, quero dormir e acordar como se meus problemas fossem pequenas partículas de quase-nada, dissolvendo-se no vento e me fazendo sorrir ao pensar que um dia me estressei por isso, quero escrever um TCC de duas frases, terminei, as frases são: “por meio do nada, aprendi nada. Logo, nada concluo”. Estou cheia de marcas pelo corpo, acho que são mosquitos ou aranhas alienígenas, ou formigas malignas, estou pensando seriamente em desligar o cabo que me conecta ao meu coração bobo, adeus, estou com tanto sono, meu corpo está quebrado da maratona despreparada, meu corpo está especialmente quebrado por outro motivo, quero fechar os olhos e acordar feliz o suficiente pra não ter que ficar esperando a hora de fechá-los novamente.