Eles passarão, eu passarinho

“Eles passarão, eu passarinho”.

Recebi esse poeminha de Quintana hoje (ontem, aliás). Disse que lembrou de mim. Um primo meu, não Quintana. Disse que vai me enviar algo. Deve ser um livro, fico contente por ter se preocupado. E eu fico preocupada pelo livro que o leitor mais voraz que eu conheço me mandará. Ele deve comer poesia de sobremesa ou deve moer as palavras e tomar como café. Ele tem um nível. Eu tenho um desnível por vida.

Confesso que sempre espero receber esse tipo de coisa, mas em uma outra intenção, de um certo alguém que eu tanto gosto e por quem espero sem motivo. Embora eu também não goste de esperar nada de ninguém. O que a gente dá a gente recebe, sim, mas no mínimo uns seis anos depois. Acabei de receber meu abono de afeto. Acabei de enterrar o passado de bullying pra dar boas-vindas ao que chamamos de amizade.

Demorou, fui humilhada, não humilhei de volta, fui pisoteada e de mim foram arrancadas as esperanças. Pois eis que, assim como as coisas são, algo de óbvio me dizia que “tem que morrer pra germinar” (talvez a voz do anjo sussurrando no meu ouvido tenha sido Gil). E eu morri tanto, ou me mataram, de uns sete anos pra cá. Agora eu tenho vinte anos em dois mil e vinte e três. Mas me disseram que eu tinha dezesseis, então eu terei dezesseis até os trinta e dois. Porque essa conta faz sentido na fórmula poética de Quintana.

Olha só, mas que acaso feliz tê-lo encontrado novamente em minha própria crônica.

Estava fazendo vinte anos ontem às 9h da manhã, ouvindo minha mãe chorar ao telefone, e quando se vê já são quase 3h da madrugada do dia seguinte e eu sigo com vinte anos e algumas horas. Sinto que nasci, finalmente. Ouvi que a partir dos vinte, só ladeira abaixo. Mas a ladeira já estava indo abaixo desde que fomos arremessados ao mundo. Ouvi a mesma tolice aos quinze. Disse pra mim a mesma besteira aos dez. Talvez aos trinta eu tenha uma crise. Ou aos trinta eu serei a mulher que quero construir durante os meus vinte anos. “Mulher”. Nunca me chamei assim. Eu me acho uma menina. Eu sou. Espero que sempre seja. Será que pra ele eu sou mulher, menina, passarinho ou nenhuma das alternativas? Espero que eu seja eu.