Me apresso em passos lentos

Longe de mim querer ser uma pobre coitada, uma desassossegada achando que é Fernando Pessoa, uma infeliz ou uma excluída. Se bem que, embora haja um grande paradoxo nisso, eu sempre fui excluída. Especialmente quando tentava me incluir. O que não combina com a pessoa que sai na rua e, magicamente, consegue uma supergentileza dos homens que brotam no meio do caminho, como inconvenientes pedras (que definitivamente não são as pedras epifânicas que Drummond poderia nos sugerir). São apenas pedras. Daquelas pequenas, aparentemente inofensivas, mas que entram por dentro das nossas sandálias e nos arrancam uma interjeição que mistura ódio e susto.

Hoje, mais do que ontem e do que antes de ontem (e do que todos os outros dias), me vi desenganada. E não por um médico que dá a entender que a pessoa vai morrer, sim, e que é pra você providenciar logo o enterro. Fui desenganada pela vida. (Soou mais trágico do que pensei que soaria). Me desenganei. (Mas se eu fosse Pessoa, “desenganei-me”). Como não sou gente, deixo do jeito que está.

Nem posso dizer que me desiludi, não posso ser realista, não posso ser lógica, não posso ser óbvia que querem me atirar de volta ao caos da positividade, à lama tóxica das frases de efeito. “O que é pra ser, será”. “Tudo no tempo de Deus”. “Você não está aqui por um acaso”. Quem disse? Às vezes a vida é um grande acaso mesmo e a gente fica querendo dar uma de esotérico e científico e matemático e racional e filosófico. E eu digo sim pra tudo isso, mas preciso também do direito à dúvida. E, por isso, prosseguirei. Às vezes, como diz meu primo de nove anos, nada é nada. E é isso. Como deve ser bom não pensar além só por alguns instantes. O nada é nada, ponto final. Mas nem o nada pode se dar o direito de querer ser nada. Que dirá eu, que estou pensando e portanto estou existindo, querer ser nada. Outra coisa paradoxal sobre mim é que, tirando tudo isso que escrevi até agora, eu quero ser tantas coisas que teria o mundo inteiro como células em mim que sobrevivem por osmose de sonhos. Difícil, minhas caras amigas, competir com a realidade. Eu posso até sonhar, mas tenho a mania de acordar todos os dias. Quase sempre ao voltar pra casa. É uma morte lenta. Geralmente as mortes em vida são assim mesmo. Lentas.